O ESPÍRITO DE GNOSJÖ


2020

(filme | HD vídeo, ecrã dividido, 16:9, cor, som, 30 min + videoinstalação | HD vídeo, 3 projeções de ecrã dividido com 6 vídeos diferentes, 16:9, cor, som, em loop)

O espírito de Gnosjö é o segundo filme de uma trilogia chamada Laboratório Huni Kuin. Resulta de uma pesquisa artística que foi possível graças a uma bolsa da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, e graças a Distancio, um projecto de residências artísticas na Região de Jönköping centrado em fomentar a arte como agente de vida comunitária.






No difícil contexto pandémico de 2020, desafiei — a partir de Lisboa — as pessoas da cidade sueca de Gnosjö a usarem as suas próprias câmaras (de telemóveis, computadores, ipads, drones, etc.) para me enviarem online pequenos vídeos que pudessem retratar o que é conhecido como "Espírito de Gnosjö " (considerado a essência do trabalho, indústria e empreendedorismo da área de Gnosjö). Em seguida, reenquadrei as imagens que recebi com imagens que filmei na Amazónia com o povo indígena Huni Kuin e com o que filmei durante o meu próprio tempo de pesquisa numa residência artística em Gnosjö, em 2019. Essa mistura de imagens e os textos que escrevi vieram relacionar necessidades utópicas com limites do contemporâneo contexto doentio, de forma a fazer emergir novos significados.

Cruzando um processo participativo em Gnosjö (in loco e online) com perspectivas xamânicas ameríndias, procurei criar um diálogo paradoxal: entre um homem e uma mulher, entre um nativo e um imigrante, entre uma pessoa e um espírito. O filme é dedicado a Shareen Fors e Fredrik Fors, um casal de Gnösjo (ela é imigrante e ele sueco) que desde 2020 lutam juntos contra uma doença terminal. Ambos filmaram os seus próprios passos caminhando por Gnosjö e enviaram-me as imagens pela internet.

O resultado é um filme que reflete sobre como o Imaterial (por meio de imagens, sons, conceitos, movimentos e sonhos) e o Corpóreo (por meio do corpo humano, das máquinas e do trabalho) mutuamente se estruturam e são estruturantes em valores culturais e necessidades arquetípicas universais, sobretudo em termos de identidade e transformação.

O filme tem uma banda sonora de guitarra elétrica que foi composta especialmente por Bruno Gonçalves para as imagens e conceitos deste projeto. As canções e danças dos Huni Kuin registadas no filme foram interpretadas pelo Coletivo Kayatibu.






Laboratório Huni Kuin
é um projeto artístico-etnográfico desenvolvido para a minha pesquisa de doutoramento em Estudos Artísticos. Desde 2018 que tenho cruzado arte, ciências humanas e filosofia para tentar responder a uma questão de fundo: Pode a arte ser um meio de experimentação laboratorial no reconhecimento de certas verdades sobre a condição humana (como um espelho) e simultaneamente gerar transformação pela relação ritual que se estabelece com as imagens, os sons ou o próprio corpo (como faz um xamã)?

O meu tema de pesquisa é sobre "A Arte como laboratório entre o espelho e o xamã". O que significa que estou tenho pesquisado sobre o potencial da arte para funcionar como experiência que pode produzir um tipo de conhecimento sensível e metafórico que relaciona identidade (é a metáfora do espelho) com uma capacidade de transformação reequilibradora (é a metáfora do xamã).

Como artista e como pesquisador, procuro articular a performance ritual do Outro, a performance ritual do Eu em pesquisa do Outro e o que há de comum entre ambos. Em particular, foquei-me nas práticas artísticas dos índios Huni Kuin (na Amazónia, no estado brasileiro do Acre) e, como artista, cruzo com autoetnografias em diferentes tempos e espaços.

Interessa-me desenvolver uma linguagem artística que estabeleça uma analogia com a dinâmica do ritual xamânico ao nível da relação entre consciência, corpo e imagem / som. Interpretando o processo artístico como um ritual, a documentação etnográfica em vídeo que faço torna-se uma meta-performance do ritual da performance artística e da performance do ritual indígena. As abordagens performativas são, portanto, simultaneamente objeto de investigação e método para desenvolver a própria investigação.

Para esta pesquisa foquei-me especialmente na ontologia ameríndia do "dois e seu múltiplo", segundo as teorias antropológicas do "Perspectivismo Ameríndio" desenvolvidas por Eduardo Viveiros de Castro e Tânia Lima. Tenho trabalhado também com noções psicológicas de Carl Jung em torno de "arquétipos do inconsciente coletivo", "Animus e Anima" e "processos de individuação".

Em suma, cruzando teoria e prática,
Laboratório Huni Kuin procura refletir sobre a relação entre a imagem em movimento e o movimento ritualizado da busca performativa do Eu e do Outro, tendo em conta estéticas, mitos e arquétipos. Tal acontece num campo de experimentação entre a arte como ritual e o ritual como arte.





A partir de imagens do filme O espírito de Gnosjö foi criada uma videoinstalação multicanal que foi apresentada em Gnosjö, na Suécia, no espaço Första Rummet. Esteve ainda presente no Stockholm City Film Festival, na categoria "Covid-19 Films" (Estocolmo, 2021).