Eleições municipais 2024 no Brasil: O que está em jogo?



Por: Mayra Goulart (Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada - LAPPCOM) e Alice Leal (Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada - LAPPCOM) 

O poder local é exercido nos municípios, nas menores unidades federativas do Brasil, que são aqueles que estão mais próximos dos cidadãos. Dessa forma, este poder político acaba traduzindo e ressignificando temas políticos nacionais, cada qual a partir de uma lógica própria, como composição partidária e coalizões eleitorais, frequentemente em contradição com os cenários estadual e nacional. Sendo assim, as eleições municipais deflagram um processo dialógico no qual as questões que afetam a vida cotidiana dos cidadãos são debatidos, reforçando sua autonomia em relação aos conflitos políticos e ideológicos que perpassam as eleições gerais. Em virtude dessa peculiaridade, este pleito demanda ferramentas analíticas distintas.

 

No Guia LAPPCOM Eleições municipais buscamos contextualizar as eleições municipais do Rio de Janeiro, a partir dos conflitos da política local, estadual e nacional, investigando a atuação do campo bolsonarista e a influência do governo federal e estadual no pleito municipal. Para isso, mapeamos os principais brokers, ou cabos eleitorais, que trabalham formal ou informalmente nas campanhas e ao longo dos mandantos, auxiliando na conexão entre representantes e representados, as possíveis reeleições, o rompimento e reformulação de coalizões, o aumento e diminuição do distrito eleitoral, entre outros aspectos. Uma das perspectivas que marca a pesquisa é o pragmatismo epistemológico, que se traduz no entendimento de que, a despeito da agenda e ideologia do político em questão, sua principal preocupação é conseguir os votos necessários para manter seu mandato e/ou eleger políticos com os quais tem aliança, tese originalmente proposta por David R. Mayhew em Congress: The Electoral Connection, de 1974. Com isso, ocorre o estabelecimento de relações que podem ser traduzidas em votos sendo de grande importância a atenção para a relação entre atores políticos com diferentes cargos no executivo e legislativo.

 

Para a compreensão da dinâmica das eleições municipais, acreditamos ser necessário analisar o momento pré-eleitoral, a campanha eleitoral e o resultado das eleições de 2024. A primeira etapa da pesquisa foi concluída com o lançamento do primeiro volume, “Prefeitos atuais, candidatos potenciais”, abordando a disputa eleitoral de 2020 e seus desdobramentos até novembro de 2023. Neste volume, as regiões do estado do Rio de Janeiro: Região metropolitana, Baixada fluminense, Região norte e noroeste fluminense, Vale do paraíba e centro-sul fluminense, Baixadas litorâneas e costa verde e Região serrana, são abordadas em termos histórico-espaciais, e o resultado das Eleições 2020 é comparado à ocupação dos cargos em novembro de 2023, visando explorar os cenários de hegemonia e polarização política, comparando o âmbito nacional com o subnacional.

 

Em 2020, foram 557.678 mil registros de candidatura, sendo 38.758 para prefeito e vice-prefeito e 518.485 para o cargo de vereador nos 5.568 municípios brasileiros. O caráter monumental do pleito o torna um laboratório para as mais diferentes análises acerca da política e da sociedade brasileira, permitindo compreender como funcionam seus marcadores de classe, raça, gênero, geografia — mas, também, como eles podem (ou muitas vezes não podem) ser organizados no espectro ideológico formado entre direita e esquerda.

 

Os dados preliminares de gênero e raça no estado do Rio de Janeiro, mostram que 88% dos prefeitos eleitos em 2020 são do sexo masculino (similar aos resultados de 2016), e 84,8% se declaram brancos, enquanto apenas 1,1% se declaram pretos. Dados esses que evidenciam uma sub-representação no que se refere a gênero e raça.

Gráfico 1. Prefeitos eleitos por gênero, 2020

 Fonte: Elaboração própria

Gráfico 2. Prefeitos eleitos por raça, 2020

 Fonte: Elaboração própria

Quanto à escolaridade, a maioria dos prefeitos possui nível superior completo, 62%, enquanto 25% possui somente ensino médio. 

Gráfico 3. Prefeitos eleitos por escolaridade, 2020

 Fonte: Elaboração própria

Alguns dados, como o da distribuição partidária, foram reveladores: em 2020 foram eleitos 20 partidos para as 92 Prefeituras do estado do Rio de Janeiro, apesar disso, 64% são comandadas por apenas seis legendas (PSC, PL, Progressistas, DEM — que, depois de 2020, se fundiu com o PSL e passou a se chamar União Brasil —, Solidariedade e MDB). O que representa a influência da guinada à direita na política nacional, seja nos Legislativos seja nos Executivos estaduais. É de suma importância o monitoramento da articulação dos partidos que agem de forma coordenada e estabelecem estratégias utilizando os “puxadores” de votos e se organizam geográfica e socialmente para coordenação de recursos.

Gráfico 4. Desempenho dos partidos nas Eleições de 2020 no Rio de Janeiro

 Fonte: Elaboração própria

No cenário nacional, percebemos algumas similaridades em relação aos partidos que mais elegeram prefeitos, apresentado no gráfico acima. De acordo com o TSE, no Brasil, o MDB liderou o ranking com 772 prefeitos, o PP em segundo com 680, o PSD em terceiro com 649, o PSDB em quarto com 512 e o DEM em quinto com 459. Os partidos também se destacaram nas eleições para vereadores, com 7277, 6292, 5624, 4336, 4298, respectivamente.

Gráfico 5. Desempenho dos partidos nas Eleições de 2020 no Brasil 

 Fonte: Elaboração própria

Influência da polarização nacional

Diante disso, acreditamos na valorização dos estudos das eleições municipais, tendo em vista que, analisar as diferentes eleições nos permite, compreender diferentes dinâmicas de comportamento, tanto dos atores políticos quanto dos eleitores. Vimos nas eleições gerais de 2022 um cenário de polarização, com o PT e PL como os principais partidos na disputa eleitoral. No cenário municipal, podemos perceber, de acordo com o Gráfico 1, que a disputa não seguiu a mesma lógica. Isso porque, enquanto as eleições majoritárias do executivo nacional representam um voto que traz um viés mais ideológico, o voto nas eleições municipais tende a ser mais influenciado por questões da política local. Para as eleições de 2024 será interessante analisar os impactos da grande polarização experienciada pelos brasileiros, compreendendo se a dinâmica pode se alterar, de que forma PT e PL estão se organizando e quais são as cidades que estão recebendo uma maior atenção desses partidos. 

 

Alguns municípios, como Maricá e São Gonçalo, que estão na região metropolitana do Rio de Janeiro, representam de forma notável a influência da polarização nacional entre as duas legendas. Em Maricá, Washington Quaquá, que já foi prefeito da cidade e é uma figura de grande expressão, representa o candidato mais viável de vencer as eleições municipais de 2024. Apesar disso, a maior oposição, mesmo que não seja tão expressiva, é representada por Ricardinho Netuno, que se filiou durante a janela partidária ao PL, com o apoio do presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, e figuras como o deputado federal Nicolas Ferreira.

 

Em São Gonçalo, vimos nas eleições de 2020 uma disputa acirrada entre Dimas Gadelha (PT) e Capitão Nelson (PL), com a vitória do liberal no segundo turno por apenas 1,58% de diferença. Essa disputa tende a ser projetada nas eleições de 2024, apesar de, nesse momento, Capitão Nelson possuir a vantagem de ocupar o cargo de prefeito e contar com a máquina pública.

 

Mesmo em municípios em que a polarização não se apresenta nos principais partidos na disputa, quem as lideranças Lula e Bolsonaro vão apoiar representam um fator determinante. Recentemente vimos algumas aproximações entre Eduardo Paes e Lula, como no lançamento do Terminal Gentileza. Mesmo que Eduardo Paes não seja do Partido dos Trabalhadores, esse cenário demonstra o poder da polarização nacional.

 

Reeleição

No estado do Rio de Janeiro temos 92 municípios, sendo 55 deles ocupados por prefeitos em primeiro mandato, isto é, passíveis de concorrerem à reeleição. Este dado, ao nosso ver, é uma das informações mais relevantes para a compreensão da corrida eleitoral que será travada no próximo ano, uma vez que um candidato incumbente, exceto em casos em que o mandato esteja muito mal avaliado, larga em ampla vantagem em relação ao seu sucessor. Existem algumas razões para essa regularidade, duas de natureza informacional, que facilitam a dinâmica de campanha junto aos cidadãos, e uma de natureza distributiva, que facilita seu acesso às elites políticas e sociais locais e, até mesmo regionais, passíveis de atuarem como seus cabos eleitorais.

 

Primeiramente, pelo prefeito ser alguém conhecido entre uma parte significativa dos eleitores, que vão lembrar de seu nome no momento de votar; o que pode ser um atributo determinante diante de candidatos com menor capacidade de se fazerem conhecidos. Uma segunda razão, também de natureza informacional, diz respeito à possibilidade de ter seu nome associado à realização das prefeituras em termos de obras e políticas sociais, amplamente noticiadas pelos meios de comunicação locais. A terceira razão é de natureza distributiva e diz respeito ao fato de o prefeito controlar recursos e cargos que atraem possíveis apoiadores, interessados em aumentar seu acesso aos mesmos.

 

Esse cenário de uma alta taxa de prefeitos como potenciais candidatos à reeleição que o Rio de Janeiro experencia esse ano, ocorreu no cenário nacional nas eleições de 2020. De acordo com a CNM, Confederação Nacional dos Municípios, a reeleição de prefeitos bateu recorde na eleição passada, contando com 2.237 cidades que mantiveram seus gestores, representando uma taxa de 63,7%. Isso significa que, diferentemente do Rio de Janeiro, esse ano não contará com uma alta taxa de reeleição, devido ao ocorrido em 2020.

Gráfico 6. Taxa de prefeitos reeleitos no Brasil em eleições municipais 

Fonte: Elaboração própria a partir de datos de Folha de S.Paulo

A busca por reeleição não é apenas uma realidade dos prefeitos. Observamos também um alto número de vereadores buscando a reeleição nas eleições de 2020 em âmbito nacional, em que 80% buscam se manter no cargo. Com isso, 47,4 mil dos 57,7 mil eleitos concorreram ou à reeleição, ou aos cargos de prefeito e vice-prefeito. É comum que vereadores busquem a reeleição, tendo em vista que não há exigência de desincompatibilização e devolução do mandato para concorrer.

Mayra Goulart es profesora de Ciência Política de la Universidad Federal de Rio de Janeiro y Coordinadora del Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM). Alice Leal es investigadora del Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).