As Associações Comunitárias e a Política De Base: 

Votação em Bloco para Responsabilidade Eleitoral



Por: Alicia Cooperman (George Washington University, United States)

Em grande parte do mundo, o acesso a serviços públicos essenciais pode variar dramaticamente de localidade para localidade. No Estado do Ceará, Brasil, por exemplo, visitei uma comunidade na zona rural na qual a bomba de água do poço permaneceu quebrada por meses. Os moradores responsabilizavam a falta de apoio das autoridades municipais, bem como a falta de participação na associação comunitária. Dez quilômetros adiante, moradores de uma comunidade semelhante disseram que, se a bomba quebrar, o presidente da associação contataria o vereador que a comunidade apoiou nas últimas eleições, e o vereador resolveria o problema.

O estudo ocorreu na zona rural e semiárida do Nordeste brasileiro e avalia a variação sub municipal em nível comunitário e individual. Concentro-me no serviço doméstico de água, um recurso essencial e muitas vezes escasso, que requer investimento público, envolvimento comunitário e é propenso à manipulação política. Em um estudo de métodos mistos, foram feitas quase 150 entrevistas qualitativas e consultas com moradores rurais, líderes locais, técnicos e acadêmicos no estado do Ceará, em 2016, 2017 e 2022. 

A literatura sobre a responsabilização democrática e a prestação de serviços mostra que os políticos direcionam os serviços para grupos que votam em blocos coordenados. Outros estudos argumentam que os políticos ou as lideranças de grupos locais agem como intermediários (ou cabos eleitorais) para coagir a votação em bloco de cima para baixo. No entanto, estas teorias não podem explicar a mobilização comunitária que observei no Ceará, Brasil.

Figura 1. Ciclo de Responsabilidade Democrática

 Fonte: Elaboração própria

Meu artigo recente, Bloc Voting for Electoral Accountability, publicado em American Political Science Review, argumenta que os grupos de eleitores podem utilizar a votação em bloco como uma estratégia de base num ciclo de longo prazo (Figura 1). Ao combinar dois mecanismos de ação coletiva e votação, os grupos que votam em bloco podem pressionar os políticos a prestarem serviços públicos como o sistema de água local, iluminação pública ou pavimentação. Nas eleições locais, um pequeno grupo pode desempenhar um papel fundamental pois o número de votos entre os candidatos eleitos e não eleitos é pouco (e complicado pelo sistema proporcional), e os votos geralmente são dispersos entre até cem ou mais candidatos a vereador. Se os políticos não conseguirem cumprir as promessas, o bloco pode transferir os votos para um candidato diferente. A ameaça crível de mudança torna mais provável que os políticos respondam às exigências dos moradores entre as eleições.

Figura 2. Mapa Teórico do Argumento 

 Fonte: Elaboração própria

Porém, a votação em bloco exige que os grupos coordenem uma ação secreta e individual e exige que os políticos monitorem a votação do grupo. Então, a votação em bloco acontece quando os membros têm grande confiança e participação nas associações comunitárias (Hipótese 1) e votam no mesmo local de votação dentro da comunidade [1] (Hipótese 2). Depois da eleição, os políticos priorizam o investimento em serviços públicos para indivíduos em comunidades que votam em bloco (Hipótese 3). 

A teoria aplica-se a serviços públicos locais que proporcionam benefícios coletivos importantes e são (ou poderiam ser) fornecidos pelo Estado; os serviços aplicáveis são revogáveis ou requerem manutenção, são direcionados a determinados grupos e excludentes, e atribuíveis a um político. Esta dinâmica pode acontecer em áreas rurais ou urbanas onde os políticos podem priorizar os serviços por localidade, bairro ou rua.

Percepção de votação em bloco

Utilizei o método de questionário de análise de preferência (conjoint analysis) para avaliar como os moradores percebem a importância relativa das características de uma comunidade para a votação em bloco.

Os participantes escolheram entre dois perfis de comunidade apresentadas em caderninhos de pictogramas (Figura 3) que atribuíam aleatoriamente cinco características de uma típica associação comunitária e variavam entre: 1) participação nas reuniões da associação, 2) receptividade do presidente da associação às ideias dos membros da comunidade, 3) apoio do presidente da associação para um candidato político local, 4) competição para o cargo de presidente da associação e 5) troca de lideranças da associação. Durante a aplicação do questionário, o assistente de pesquisa perguntou aos entrevistados qual perfil da comunidade (Figura 3) se organizaria para votar em um só candidato. 

Figura 3. Exemplos de Dois Perfis de Comunidades Selecionados Aleatoriamente

 Fonte: Elaboração própria

Em contraste com as explicações de cima para baixo que a votação em bloco é coagida por cabos eleitorais, o estudo mostra que os moradores rurais consideram que a participação comunitária e a receptividade da liderança são mais importantes para a votação em bloco do que a indicação política por parte de uma liderança da associação.

Votação em bloco na prática

Para entender os temas na prática, avaliei a relação entre a confiança dentro da comunidade, a votação em bloco e a segurança hídrica por meio da elaboração e aplicação de um questionário domiciliar com quase 2.000 moradores em 120 comunidades rurais em 2017. Assim, junto com dados eleitorais dos locais de votação, observei que a votação em bloco é mais provável quando os moradores têm maior confiança uns nos outros na comunidade e quando votam no mesmo local de votação.

Identifiquei que algumas comunidades consideravam a votação em bloco tão importante que pediram às autoridades (TRE-CE) para ter seu próprio local de votação para que os moradores pudessem “ser vistos pelos políticos.” Queriam demonstrar claramente o seu apoio a um candidato específico, pois os resultados de cada urna eletrônica do local de votação são publicados no final do dia da eleição – são afixados na parede do local e divulgados no rádio, nos jornais, e na internet.

Um morador rural disse que a comunidade discutiu em quem queria votar: “Foi, sim, [a gente se juntou para apoiar]. A gente vê pelo que a pessoa fala e decide dar o voto de confiança, ver se vai dar certo… Sim, ele ajudou muita gente [aqui].” Ainda assim, aquele morador enfatizou a sua autonomia no processo de votação. Um morador de uma outra comunidade disse da mesma forma: “A gente se reunia pra conversar assim no candidato, se a gente ia ficar mesmo com o candidato tal, como ia ser. Mas ninguém obriga ninguém a votar em ninguém não.”

Em uma comunidade vizinha, encontrei uma situação diferente. As pessoas entrevistadas estavam cientes de que outras comunidades utilizavam a votação em bloco como uma estratégia de base, mas lamentaram que a sua comunidade não fosse capaz de fazê-lo. Explicaram que os membros estavam desligados dos assuntos comunitários e sucumbiram às pressões clientelistas. Numa comunidade que dispersou os votos, um morador disse: “[A comunidade] não tem [vereador]. Já tentamos fazer um vereador aqui, não conseguimos… A gente sempre dá aquele jeitinho, as pessoas sempre pedindo um voto pra fazer um vereador na comunidade, né, pra representar a comunidade, mas sempre vem aqueles de fora, vem outros de muito longe que ninguém não sabe nem quem é, pedindo voto, ai, até comprar voto já compraram aqui…[a associação comunitária] não tá muito ativa”.

Eleições e o acesso à água

Por meio dos questionários aplicados e dos resultados eleitorais, descobri que a votação em bloco está associada a um acesso à água mais confiável e seguro, mas apenas para os membros da associação comunitária. O grupo é uma base eleitoral valiosa para vereadores, deputados, e outros políticos e sinaliza que pode coordenar e mobilizar-se entre as eleições. Os políticos não querem enfrentar protestos públicos e possivelmente perder o apoio desses ou de outros eleitores.

Conclusão

Este estudo contribui com uma nova explicação da razão pela qual observamos a votação em bloco. As descobertas mostram como a votação em bloco é um mecanismo por meio do qual grupos marginalizados responsabilizam os políticos.

No entanto, os benefícios podem não ser partilhados universalmente dentro de uma comunidade e os grupos incapazes de executar a estratégia de votação em bloco ficaram “frustrados” por terem sido “deixados para trás”. Os moradores que tiveram sucesso nesta estratégia também ficaram “frustrados” por terem de se mobilizar extensivamente para obter serviços públicos básicos que são da responsabilidade do Estado. A responsabilização dos grupos organizados gera resultados desiguais dentro e entre as comunidades.

O meu foco nas associações comunitárias enfatiza, assim, o papel da ação coletiva na política distributiva local, com implicações fundamentais para a equidade na responsabilização democrática e na prestação de serviços essenciais para grupos marginalizados. 


[1] Embora os locais de votação sejam distribuídos pela zona eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), os moradores podem solicitar o seu próprio local de votação se determinadas condições forem satisfeitas, tais como um mínimo de 50 eleitores e infraestruturas suficientes e seguras (Lei 4.737/1965, Art. 117, 135-138).


Alicia Cooperman es profesora asistente de Ciencia Política y Asuntos Internacionales de la George Washington University.