Judicial Politics Agenda: a hora e a vez da justiça subnacional brasileira

Por: Marjorie Marona - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - @marjoriemarona

Fecha: 16 de marzo de 2023

O impacto do desempenho das instituições judiciais na qualidade das democracias é uma temática que vem ganhando centralidade nas ciências sociais (Tate and Vallinder, 1997; Hirschl, 2008). As  crises políticas e econômicas - que desaguam no aprofundamento das desigualdades sociais e podem colocar em risco a própria democracia - são favorecidas ou mitigadas diante da atuação das cortes e dos tribunais, das promotorias e outros órgãos judiciais de controle (Issacharoff, 2015; Tushnet, 2021). 

A percepção da dimensão política da atuação dos juízes, promotores e defensores públicos é, contudo, bastante enviesada. Pelo menos no Brasil, as análises se concentram no desempenho do Poder Judiciário, reservando espaço marginal para outras organizações judiciais ou quasi-judiciais, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, as Polícias e os Tribunais de Contas, por exemplo. Não que a atuação de defensores e promotores públicos tivessem passado completamente desapercebida entre juristas e cientistas sociais. No alvorecer da redemocratização o debate sobre o caráter emancipatório do direito deu lugar a análises sobre o novo papel do Ministério Público e a institucionalização da Defensoria Pública, vis-à-vis a necessidade de efetivação da recém promulgada Constituição Cidadã, como ficou conhecida a Carta de 1988, pela profusão de direitos individuais, políticos e sociais que professava. 

Os estudos sobre o Poder Judiciário, contudo, seguem hegemônicos no Brasil. Nem o recente e renovado interesse sobre o Ministério Público em razão de sua obstinada agenda anticorrupção (Kerche e Marona, 2018) foi capaz de alterar o cenário. Sobretudo, a percepção acerca do empoderamento judicial, da mobilização dos tribunais, do comportamento dos magistrados e dos efeitos gerais de suas decisões sobre o sistema político, a economia e a sociedade, segue profundamente atrelada aos estudos empíricos sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) – a nossa corte constitucional (Da Ros and Ingram, 2018).

E se mesmo nesse “quadrado” há inúmeros limites teóricos e analíticos, a persistente ignorância sobre a realidade da justiça no nível subnacional, especialmente pelas diferenças de performance dos Tribunais de Justiça nos estados, obscurece uma dimensão fundamental da realidade da justiça brasileira (Da Ros and Ingram, 2019). A discrepância do desempenho da justiça subnacional oferece, portanto, interessante oportunidade de pesquisa. 

O desenho comparativo – são 27 tribunais subnacionais no Brasil - permite converter em constantes muitas variáveis que de outra forma não seriam controladas. De fato, a legislação aplicável (quando exclusivamente federal), assim como as prerrogativas e a organização formal das instituições judiciais subnacionais (a forma de recrutamento e as garantias dos seus membros, a competência, funções e responsabilidades dos órgãos etc.) são as mesmas. O que então explicaria a variação de performance dos Tribunais de Justiça?

Tomando de empréstimo as perspectivas teórico-analíticas que correspondem às principais linhas de pesquisa da agenda de comparative judicial politics no Brasil (Da Ros, 2017), pode-se avançar sobremaneira na compreensão do empoderamento judicial, da mobilização dos tribunais, do comportamento dos magistrados e dos impactos de suas decisões olhando para a justiça no nível subnacional. O que atualmente se sabe sobre a realidade judicial do país, em cada uma dessas dimensões, está hoje umbilicalmente ligada a vida e obra do Supremo Tribunal Federal e seus ministros – e isso precisa mudar. Nem cínica, tampouco ingênua é a proposta de deslocar o olhar em direção à justiça no nível subnacional. Quer dizer, não se ignora a centralidade da posição do Supremo na estrutura da república e mesmo no âmbito de um dos seus poderes: o Judiciário. Estamos a falar da mais alta corte do país, o que por si só justifica atenção recebida de juristas, cientistas políticos e sociais, imprensa e público em geral.

É chegada a hora, contudo, de complexificarmos a nossa compreensão sobre a realidade judicial, o que demanda um esforço de compreensão acerca da performance dos órgãos de justiça no nível subnacional. Tomemos, por exemplo, a necessidade de compreensão das relações estratégicas entre atores políticos e judiciais, bem como os esforços endógenos ao próprio sistema de justiça para ampliar sua área de influência política e social. Há distinções importantes em termos de formação das elites políticas e judiciais no nível nacional e subnacional, que atualmente são desconsideradas pelo conjunto de teorias vigentes acerca da dimensão política da atuação do judiciário, centrado no STF e nas suas relações com o Executivo Federal e o Congresso Nacional. 

Ademais, as desigualdades territoriais também questionam as análises sobre acesso à justiça, centradas nas formas e perfis de acionamento do STF, bem como os percalços vinculados à implementação das decisões judiciais e aos seus impactos políticos e sociais mais genéricos. Em cada uma das destas dimensões há variação de performance também entre os tribunais de justiça (Da Ros, 2017), o que dá ensejo ao poder explicativo do padrão de relação entre os tribunais, os sistemas políticos estaduais, a sociedade civil, suas organizações e movimentos sociais, na compreensão do fenômeno da judicialização da política, iluminando sua outra face - a da politização da justiça.

Tudo isso permite que os esforços de construção da agenda de comparative judicial politics se articule, de modo profícuo, com os estudos de política no nível subnacional. Mãos à obra!


Marjorie Marona é professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenadora do Observatório da Justiça no Brasil e na América Latina e pesquisadora do INCT-IDDC.