O que é o homem? É esta a primeira e principal pergunta da filosofia. (…) Se pensamos nisto, a própria pergunta não é uma pergunta abstrata ou “objetiva”. Nasceu daquilo que refletimos sobre nós mesmos e sobre os outros e queremos saber, em relação ao que refletimos e vimos, o que somos e em que coisa nos podemos tornar, se realmente e dentro de que limites somos “artífices de nós próprios”, da nossa vida, do nosso destino. E isto queremos sabê-lo “hoje”, nas condições dadas hoje, pela vida “hodierna” e não por uma vida qualquer e de qualquer homem. (Antonio Gramsci)
1. ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
“O que é o homem?”. Essa questão antropológica está presente em todo o cotidiano do homem, na maneira como ele se define. É como François Laplantine escreveu em seu livro “Aprender Antropologia”:
O homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo. Em todas as sociedades existiram homens que observavam homens. Houve até alguns que eram teóricos e forjaram, como diz Lévi-Strauss, modelos elaborados “em casa”. (François Laplantine)
A busca de respostas para nossas concepções de mundo e todas as nossas formas de agir se origina na “idéia de homem”. Portanto, a antropologia é uma chave para a compreensão do homem, seu comportamento social e finalmente, as sociedades. No que diz respeito à educação, o conceito de homem é trabalhado de formas diferentes. Podem-se exemplificar duas práticas pedagógicas que aplicam esse conceito de forma oposta: o ensino tradicional e a escola nova.
Na escola tradicional, existe uma valorização da cultura geral e a realização intelectual do homem. Porém, o conhecimento centralizado na figura do professor. Já na escola nova, o ensino pedagógico centraliza-se na existência do aluno e toda sua atividade. Ambas se importam com a formação do aluno e com o conjunto de valores que serão transmitidos para ele. Porém, cada uma delas determina que tipo de homem seja formado para a sociedade: a escola tradicional se preocupa apenas com o aspecto intelectual, enquanto que a escola nova interessa também pelo aspecto existencial do aluno.
A educação do homem está sempre baseada em teorias pedagógicas, tendo como destaque as seguintes: a concepção metafísica, a concepção cientificista ou naturalista, e a concepção histórico-social.
2. CONCEPÇÃO METAFÍSICA
Essa concepção foi herdada pelos gregos, desde Platão até Aristóteles; desenvolvida durante a Idade Média e posteriormente influenciou a escola tradicional que surgiu na Idade Moderna. Essa teoria aponta para a essência imutável, que requer um processo de aperfeiçoamento do indivíduo a partir de um “modelo ideal” a ser atingido. Na educação, de alguma forma pode ser compreendido como um processo de desenvolvimento do potencial humano.
Kant, no século XVIII defendeu que a educação deveria ser um instrumento de potencialização do homem, aquilo que o educador polonês Suchodolski chama de tendência “essencialista”. Esse modelo de educação existe ainda hoje e convive com outras tendências, no entanto se mantém limitado e não resolve o velho questionamento do homem sobre sua existência.
3. CONCEPÇÃO NATURALISTA
A partir da Idade Moderna, a ciência surge como base para a busca de respostas mais sólidas, empíricas. O rigor dessa nova abordagem reflete na compreensão do homem e de seu comportamento.
Na filosofia de Descartes, o homem é um ser dualista. O que esse determina dualismo psicofísico é pelas duas substâncias, “mente” e “corpo”, tal como Maria Lúcia de A. Aranha mesmo descreve:
O corpo é “como um instrumento universal, operando sempre da mesma maneira, segundo suas próprias leis”.
Desse modo, pode ser compreendido que o homem é fruto de determinações naturais externas, perdendo parte da autonomia sobre si mesmo.
Com o avanço da ciência, fica bem evidente que o homem está sujeito às leis da natureza. No final do século XIX, as ciências humanas criam suas próprias metodologias com influência naturalista. Logo, é observada apenas a exterioridade do comportamento humano e não a sua essência. A psicologia comportamentalista ou behaviorismo, por exemplo, contribuiu para a educação usando métodos que programatizam passo a passo como o indivíduo adquire o conhecimento. Essa tendência naturalista baseia-se principalmente na experimentação, no controle e generalização.
4. CONCEPÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL
Jean-Jaques Rousseau foi um dos precursores de movimentos antropológicos e em propor revolução de teorias pedagógicas. Não obstante em criticar o mecanicismo de Isaac Newton e o empirismo de John Locke, deslocou o centro tradicional do processo educacional, fixando-o no aluno ou discípulo. Muito embora fosse pensador iluminista, teve um pensamento diferenciado no que tange à concepção do homem.
Hegel elaborou a antropologia subjacente à visão romântica. Desenvolveu também a filosofia do devir, faz com que o homem seja entendido como processo e movimento, vindo a privilegiar a história. Para ele, o presente advém de um longo processo, cujo motor é a contradição. A partir daí, a verdade não seria um fato, mas desenvolvimento do espírito.
Karl Marx se contrapõe à visão de Hegel, transformando o idealismo deste em materialismo, afirmando que o mundo material é anterior ao espírito, e este é derivado daquele. Para se estudar o homem e a sociedade, se faz necessária a análise do que os homens fazem, como produzem o que lhes é essencial. Não haveria uma natureza humana universal, e os homens se definem pela produção e trabalho coletivo.
Ao longo do tempo, filósofos como Nietzche posicionam-se contra a concepção tradicional e, como Marx, voltam-se para a concretude da vida humana. Posteriormente, surge a corrente conhecida como fenomenologia, fundada por Husserl e tendo como Sartre um de seus seguidores. Para ele, o homem é um “ser-para-si”, aberto à possibilidade de construir sua própria existência. A mesma precederia a essência. Em outras palavras, o homem não é o que ele é, mas o que ele faz.
Apesar das diferenças entre tendências da concepção histórico-social, elas preocupam-se com processo, contradição e caráter social do engendramento humano. Marcam o ideário pedagógico atual, abandonam explicações existencialistas. O homem não é, para eles, um indivíduo solitário, mas é buscado como pessoa ou ser social e é mais bem compreendido quando há interação sujeito-sociedade, até mesmo com forças do poder.
5. TORNAR-SE HOMEM
É verdade que a antropologia tem grande influência como orientadora do trabalho pedagógico; mesmo que a história continue em seu curso natural através das contradições a ela inerente, realmente teremos que estar prontos pra rever nossa concepção de homem. O modelo de família nuclear, juntamente com o conceito de infância que conhecemos hoje, surge na modernidade e vem somando à concepção burguesa que se fortalece e se difunde. São muitas as influências a serem consideradas com relação ao trabalho pedagógico.
Quando se fala sobre a infância não podemos relacionar a criança em si, sem considerar o tempo e a estrutura social em que ela está inserida. Não existe uma natureza infantil universal. Uma criança depende dos pais para sobreviver; de como ela é alimentada, vestida e tratada em geral numa determinada sociedade. Isso gera tais expectativas nos pais que geralmente refletem suas inspirações na criança. Apesar disso, é compreensível na sociedade atual como um fato naturalmente social. Mas quando as estruturas econômicas mudam e surge uma nova classe, a burguesia modifica as relações do homem e isso gera outras expectativas com relação à criança, cria-se outra imagem da infância, ela é afastada das atividades que desempenhava e seu papel nas relações econômicas e sociais torna-se marginal, consequentemente surge aí uma fragilidade infantil de dependência e impotência. Nasce então, na Idade Moderna, a teoria pedagógica que tem como objetivo acompanhar a criança nesse processo social.
Em oposição à educação tradicional conveniente nas sociedades burguesas do século XIX, surge a pedagogia nova: cria-se agora a necessidade de uma criança mais espontânea, criativa e proativa. Já no final do século XX, a educação nova entra em crise. A razão dessa falência educacional está bem associada ao novo homem que surge do pós-moderno: a evolução da ciência, do conhecimento, a revolução tecnológica, a globalização e os novos meios de comunicação. Finalmente, o educador está diante de um fenômeno inesperado, um desafio novo que vai lhe exigir outras abordagens pedagógicas para que ele possa ser bem sucedido e adaptado a essa nova realidade.
Referências bibliográficas
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 2ª Edição revista e ampliada. São Paulo: Moderna, 1999. (pg. 112-117)
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. 15ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2003.