Sejam bem vindos!
"A Mulher que Esperava o Trem Passar"
Por Márcia Dias
Todos os dias, ela estava lá, na mesma estação, no mesmo banco de madeira que rangia sob o peso do tempo. Às vezes, ela vestia um chapéu de palha, em outras, uma blusa azul, que, com os anos, se tornara mais desbotada. O trem passava, como todos os dias, uma máquina de aço e fumaça, cortando o silêncio da manhã com seu rugido poderoso. E ela, imóvel, observava, como se soubesse que o ritmo das suas horas se entrelaçava com aquele trem.
Havia algo de estranho na mulher que esperava o trem passar. A cada dia, ela parecia mais distante, como se o tempo não tivesse poder sobre ela. As pessoas que a viam, que passavam por ela apressadas em suas rotinas, nem percebiam o segredo que ela guardava. Era um segredo que não cabia nas palavras, não se encaixava em explicações lógicas, mas que morava dentro dela, como uma memória há muito esquecida.
O trem passava sempre no mesmo horário. Ela observava as pessoas entrando e saindo, e seus olhos, por um breve momento, pareciam fixar algo além daquelas portas fechadas. Quando o trem sumia ao longe, ela se levantava lentamente, como se tivesse sido retirada de um transe, e seguia o seu caminho, sem pressa, sem olhares para trás.
A cidade, como sempre, seguia em seu ritmo frenético, e ela parecia ser a única que entendia a calma no meio do caos. Alguns diziam que ela havia perdido alguém, que ela esperava, dia após dia, o trem que traria um ente querido de volta. Outros, mais céticos, comentavam que ela talvez estivesse esperando a chance de fugir, de embarcar em um destino distante. Mas a verdade era outra, e ninguém jamais saberia.
Era um segredo pequeno, mas profundo. A mulher não esperava um trem para outra pessoa. Ela esperava, na realidade, o trem que passava todos os dias, porque ali, entre o barulho do ferro e a fumaça, ela se lembrava de algo perdido no tempo — de um amor que ela teve, de um sonho que ela perseguiu, de um pedaço de si mesma que ficou para trás, naqueles trilhos enferrujados.
E todos os dias, ela esperava, não para que o trem a levasse a algum lugar, mas para que ele a lembrasse de quem ela foi, de quem ela ainda poderia ser. O trem, em sua simplicidade, era o marcador de um tempo que ela não queria esquecer, uma ponte entre o passado e o futuro.
Quando o trem passava, a mulher se perdia em sua própria lembrança. E quando ele se afastava, ela se levantava, como se uma peça de sua alma tivesse sido ajustada, como se o segredo guardado no peito tivesse sido, por mais um dia, compreendido.
E assim ela continuava, esperando o trem passar, todos os dias, com um segredo que ninguém conhecia, mas que, de alguma forma, fazia sentido no vazio do mundo que se movia ao seu redor.
Rio, 01 de fevereiro de 2025.