“É importante ter em mente que para pensar soluções para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade. Portanto, frases como 'eu não vejo cor' não ajudam.
O problema não é a cor, mas seu uso como justificativa para segregar e oprimir.”
Djamila Ribeiro¹
Unidade Arquivo Público
Curadoria: Neisi Coelho Zorzi
Devido a movimentos migratórios sucessivos, Caxias do Sul desenvolveu uma cultura original e muito característica. Em busca da representação da diversidade de sujeitos e de culturas que dão forma à sociedade e à história caxiense, o desenvolvimento de atividades educativas e ações culturais embasadas na reflexão sobre quem tem e como se dá o acesso aos arquivos, bem como quais devem ser os conceitos e linguagens aplicados para descrever os acervos preservados, passou a ser uma pauta norteadora da trajetória do Arquivo Histórico Municipal. Essa conscientização provocou uma busca por normativas e alternativas que pudessem auxiliar na contextualização e organização dos documentos com o intuito de promover a inclusão e a cidadania, aspirando por um arquivo cada vez mais plural, capaz de estimular a desnaturalização de desigualdades e oportunizar que as pessoas possam se reconhecer como parte da história do meio em que vivem.
Assim como em seus primórdios, preocupar-se com a conservação do acervo não restringiu o âmbito de abrangência do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, pois construir conhecimentos e desenvolver habilidades que fortaleçam a identidade e o pertencimento dos sujeitos aos seus contextos culturais possibilita que o patrimônio cultural não seja só reconhecido como herança, mas também como algo a ser apropriado e transformado.
À medida que exposições temporárias, debates, rodas de conversa, palestras, ações culturais, atividades de Educação Patrimonial e publicações relacionadas ao contexto histórico atual foram sendo desenvolvidas, percebeu-se que, ao explorar a história local, deve-se considerar os espaços de exclusão e as vozes que foram silenciadas. Nesse sentido, foram analisados processos de "reenquadramento da memória", em que o conceito de imigração pudesse ser trabalhado sob uma perspectiva macro, onde diferentes etnias, culturas e coletivos figuram em posições de protagonismo, de reconhecimento oficial de suas histórias e identidades e sua incorporação nas lógicas político-institucionais.
Unidade Arquivos Privados
Curadoria: Deise Cristiane Giacomoni
"Sendo o Brasil o último país do ocidente a abolir o sistema escravocrata, as marcas do racismo atravessam o imaginário e a existência da população negra ainda na atualidade. Através de uma estrutura social, econômica, histórica e política, grupos racialmente identificados são discriminados de maneira sistemática (Almeida, 2019). Essa estrutura repercute também na forma de ser, ou seja, na realidade que atravessa a interioridade dos atores sociais, numa sociedade onde as representações privilegiam fortemente as aparências e a cor do sujeito (Sodré, 2023). A herança colonial é, então, sustentada historicamente também pelas narrativas visuais e disseminada pela mídia hegemônica, contribuindo para a colonização do imaginário racista de uma sociedade imagética."
Trajetórias de famílias negras da cidade de Caxias do Sul: encontros a partir de fotografias de acervo e objetos de afeto / Éder dos Santos Braz ; orientador, Rafael Victorino Devos, 2025. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025.
"A partir da necessidade de a população negra brasileira buscar maneiras de visibilidade para sua herança cultural, com reconhecimento e valorização dentro e fora das universidades, conforme pontuam Alencar e Silva (2021), sobretudo na região sul do país, onde a invisibilidade dessa parcela da população é um problema histórico, se faz necessário desenvolver elaborações e recontar histórias. No caso do estado do Rio Grande do Sul, há necessidade de olhar para essa invisibilidade de um povo que sustentou a construção do estado; Marques (2013) aponta para a mobilização de imagens, memórias e sentidos de territorialidade como recurso para reconstrução do imaginário."
Trajetórias de famílias negras da cidade de Caxias do Sul: encontros a partir de fotografias de acervo e objetos de afeto / Éder dos Santos Braz ; orientador, Rafael Victorino Devos, 2025. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025.
"[...] ver e sentir a presença negra, muitas vezes mão-de-obra solitária em Caxias; ouvir a repetitiva frequência perturbadora nas imagens industriais;
respirar a dor e o sonho de futuridade que moveram as diferentes formas de uma digna-vida; identificar a postura de quem encara o instante como quem deixa uma herança; e observar o enquadramento da vulnerabilidade e quietude de pessoas que provavelmente não puderam escolher se pousariam ou não para a captura do obturador colonial [...]"
Trajetórias de famílias negras da cidade de Caxias do Sul: encontros a partir de fotografias de acervo e objetos de afeto / Éder dos Santos Braz ; orientador, Rafael Victorino Devos, 2025. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025.
“O famoso princípio que pretende que todos os homens sejam iguais, encontrará a sua ilustração nas colônias, quando o colonizado estabeleça que é igual ao colono.”
Frantz Fanon²
Unidade Banco de Memória Oral
Curadoria: Fabiana Zanandrea e Graciela Deon Rodrigues
"Uma das tecnologias utilizadas pela população negra para manter sua memória foi a oralidade, que contrapondo-se ao projeto de apagamento, resgata e atualiza as memórias que carregam símbolos, narrativas e ideias para além do Atlântico num sentido de territorialidade. Entretanto, apesar da oralidade que me atravessa, carrego inquietações acerca da memória das narrativas visuais negras que foram historicamente negadas, queimadas, marginalizadas e, principalmente, construídas a partir do olhar hegemônico dos que detinham o poder de narrar."
Trajetórias de famílias negras da cidade de Caxias do Sul: encontros a partir de fotografias de acervo e objetos de afeto / Éder dos Santos Braz ; orientador, Rafael Victorino Devos, 2025. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025.
Trecho de depoimento cedido por ANTÔNIO JORGE DA CUNHA
para a Unidade Banco de Memória Oral, em 20 de agosto de 2024.
Licenciado em História e mestrando em educação, integra a UNEGRO,
COMUNE e o Corpo de Lanceiros Negros.
Trecho de depoimento cedido por FERNANDO FAUSTINO DA ROSA
para a Unidade Banco de Memória Oral, em 03 de junho de 2024.
Filho de Adão Borges da Rosa, morador e um grande líder comunitário
muito atuante e reconhecido no bairro Euzébio Beltrão de Queiróz.
Trecho de depoimento cedido por MARIA GENECI SILVEIRA
para a Unidade Banco de Memória Oral, em 26 de agosto de 2024.
Professora, enfermeira e cientista política, coordenou em âmbito nacional e estadual o Movimento Negro Unificado, COMUNE, CONDIM, entre outros.
Recebeu o título de Doutora Honoris Causa em 2023.
Trecho de depoimento cedido por MICHELE DOS SANTOS XAVIER
para a Unidade Banco de Memória Oral, em 02 de abril de 2024.
Advogada especialista em Direito Antidiscriminatório e Direito da Mulher, mestranda em educação, é presidente do COMUNE e integrante do
GT Antirracista da Comissão da Mulher Advogada da OAB-RS.
Trecho de depoimento cedido por SERGIO UBIRAJARA DA SILVA ROSA
para a Unidade Banco de Memória Oral, em 16 de abril de 2024.
Licenciado em Filosofia, é ativista do Movimento Negro e atuou nas mais diferentes frentes do negro em Caxias do Sul.
"Foi no encontro com o Outro proporcionado pela observação participante na relação de aprendizado e troca, que pude ouvir pessoas agenciando suas histórias, narrando trajetórias. As imagens, as fotografias, os objetos de afeto* e os arquivos tornaram-se caminhos possíveis para percorrer as inquietações referentes a invisibilidade de narrativas visuais que grupos hegemônicos tentam invisibilizar da história oficial**."
Trajetórias de famílias negras da cidade de Caxias do Sul: encontros a partir de fotografias de acervo e objetos de afeto / Éder dos Santos Braz ; orientador, Rafael Victorino Devos, 2025. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025.
“O racismo não é apenas um problema de cor da pele. Sua natureza mais profunda reside na tentativa de desarticular um grupo humano pela negação de sua identidade coletiva.”
Abdias do Nascimento³
Setor de Atendimento ao Pesquisador
Curadoria: Elenira Inês Prux
"Em poucas imagens a presença negra aparece em situações de dignidade. Junto as imagens, algumas descrições/legendas não possuem informações que possibilitem uma maior compreensão ou direcionamento de pesquisa. Esse conjunto de problemas acabam contribuindo com a manutenção da história que insiste em fixar a comunidade negra em certos limites dentro da cidade. Chama a atenção, em algumas fotos, a atitude das pessoas encarando a câmera, sendo que algumas são imagens posadas, de longa exposição, ou seja, foi preciso montar essa encenação do trabalho, quem pega no pesado e junto algum patrão de pilcha*** ou terno e gravata. Também foi possível localizar pessoas negras no esporte, em times de futebol e de bocha. Outro ponto são as presenças de crianças no trabalho em parreirais de uva na Vinícola Luiz Antunes e na fábrica Eberle. "
Trajetórias de famílias negras da cidade de Caxias do Sul: encontros a partir de fotografias de acervo e objetos de afeto / Éder dos Santos Braz ; orientador, Rafael Victorino Devos, 2025. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025.
Assuntos abordados:
Escravidão no Brasil Meridional e os desafios historiográficos; a inserção do negro na sociedade branca; personagens negros na Guerra dos Farrapos; intelectuais negros e imprensa no RS; carnavais de Porto Alegre; religiões afro-gaúchas; cultos afro-brasileiros; o negro no campo artístico; comu-nidades negras no RS; políticas públicas e quilombos; quilombo urbano; Palmares e resistência; rede associativa negra; clubes esportivos; educação antirracista; Lei 10.639; cultura e negritude na escola; ações afirma-tivas.
Ao longo da obra é possível constatar a presença efetiva dos afrodescendentes em diversos setores da sociedade caxiense, co-mo economia, cultura, religiosidade e lazer, contribuindo para a compreensão da história local e regional. Aborda a formação étnica de Caxias do Sul, o contato com negros liber-tos, fugidos, alforrados e mulatos, a relação entre escravidão e imigra-ção, atuação dos negros no merca-do de trabalho, agricultura, indústria e serviços urbanos. Destaca zonas periféricas como Burgo – Complexo Jardelino Ramos – e Zona do Cemi-tério, além de temas como exclusão étnica, religião, futebol e o Sport Club Gaúcho. Inclui entrevistas.
O negro no Rio Grande do Sul; O Partenon Literário e a abolição da escravatura em Porto Alegre; A igreja e o movimento abolicionista; O negro e o folclore do RS; A confraria de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito em Porto Alegre; O negro na atualidade brasileira.
"Ao contrário das perspectivas ditas realistas, o índio no RS, não se transformou em branco, nem foi totalmente exterminado, mas iniciou uma lenta e contínua recuperação demográfica..."
O livro está dividido em sete partes, onde os autores trabalham a questão da identidade e as representações, tanto na literatura, como na estatuária e educação, nos dilemas entre a educação formal e etnia; natureza e cultura; formação dos espaços indígenas, suas festas, organização tribal.
Obra que reúne textos com temáticas dos povos indígenas no Rio Grande do Sul: Pré-história e ocupação humana de Arno Alvarez Kern; A "Terra de ninguém": índios e bugres nos Campos de Cima da Serra de Adriana Fraga da Silva e Artur Henrique Franco Barcelos; Os Kaingang: momentos de historicidades indígenas de Luís Fernando da Silva Laroque; Fronteiras da inclusão e da exclusão: reflexos do contato entre os kaingangues e as frentes de expasão (séc.XIX) de Sandor Fernando Bringmann; Caracterização histórica e sociocultural da terra indígena Iraí de Cinthia Creatini da Rocha; Lenda e mito do cacique Nonohay guerra e vingança kaingang no fio do tempo de Rogério Reus Gonçalves da Rosa; A constituiçao da aldeia kaingang do Morro do Osso: cosmopolítica e fronteiras étnicas e (ou) de alteridade nas retomadas territoriais indígenas por mundos sociais em encontro de J.R. Saldanha; Charruas e minuanos entre ruptura e continuidade de Klaus Hilbert; A visibilidade étnica nos registros coloniais missões guaranis ou missões indígenas?, de Jean Baptista; Os guaranis e a razão gráfica: cultura escrita, memória e identidade indígena nas reduções - séculos XVII & XVIII de Eduardo S. Neumann; Remanescentes missioneiros na estatuária de Jacqueline Ahlert; Territórios e fronteiras do guarani de papel à construção de um campo de saber os indígenas de M. Cristina dos Santos; Fantasmas das brenhas ressurgem nas ruínas: mbyá-guarani relatam sua versão sobre as missões e depois delas de José Otáio Catafesto de Souza e José Cirilo Pires Morinico; Os kuéry e as redes de sociabilidade mbyá-guarani de Valéria S. de Assis; Dualidade, pessoa e transformação: relações socio-cosmológicas mbyá-guarani das aldeias em Estiva, Cantagalo e Itapuã de Maria Paula Prates; A escola indígena para os guaranis: novos caminhos para o diálogo intercultural de Vanderlise Machado Barão; Arte rupestre de Lizete Dias de Oliveira; O bom e o mau selvagem na imprensa de Cíntia Régia Rodrigues; Política/Ação anti-indígena de Leonel de Moura Brizola de Ligia T. Lopes Sominian; Territorialidades indígenas e hidrelétricas de Carlos Eduardo N; de Moraes.
" Apesar da Instituição ter sua história vinculada a colonização italiana, não considero o Arquivo como um espaço branco, mas sim embranquecido, pois há muitas memórias a serem reveladas, digitalizadas e pesquisadas. Há muito o que se revelar para trazer representatividade negra ao Arquivo Histórico Municipal. Acredito na potência de pesquisas acenderem a brasa dos Arquivos – talvez o que falte para a visibilidade de outras narrativas não brancas nesse arquivo em específico, além de vontade institucional e recursos, são pesquisas. É emergente a necessidade de um movimento de mudança, ação material que vá contra a invisibilidade negra dentro do Arquivo Histórico, estabelecendo um plano institucional concreto para quebrar o pacto**** que mantém o arquivo embranquecido. Em diálogos para elaborar a escrita do que vivenciei em campo, junto de meu orientador, pensamos na importância das pesquisas como brasas que acendem possibilidades narrativas de um arquivo que está por vir. "
Trajetórias de famílias negras da cidade de Caxias do Sul: encontros a partir de fotografias de acervo e objetos de afeto / Éder dos Santos Braz ; orientador, Rafael Victorino Devos, 2025. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025.
Projeto "Redescobrindo acervos"
O projeto “Redescobrindo acervos” foca no aprimoramento do sistema de descrição dos fundos documentais preservados pela instituição na promoção do debate sobre o impacto das linguagens e dos conceitos utilizados na descrição documental para a promoção da equidade e reconhecimento da diversidade. Também visa estimular ações e práticas arquivísticas que evidenciem a pluralidade dos sujeitos históricos e como fazem parte da construção da cidade de Caxias do Sul [RS]. O projeto vem de encontro ao compromisso da instituição com a democratização do acesso à informação, o fortalecimento do direito à memória e a promoção da visibilidade de grupos historicamente marginalizados.
A iniciativa, voltada à preservação e à difusão de documentos, inseriu-se nas ações afirmativas planejadas no período 2021-2024 por meio de um guia de acervo em constante desenvolvimento, que será o resultado do esforço conjunto da equipe do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami [AHMJSA] e lançado ainda em 2025, na busca de destacar a percepção de experiências marcadas pelas raças, cores e etnias presentes nos fundos e em coleções que compõem o acervo, produzidos desde o fim do século XIX. Tem como orientadoras as professoras da RME de Caxias do Sul Bruna Letícia de Oliveira dos Santos – licenciada, mestra e doutoranda em História, Lucila Guedes de Oliveira – mestra e doutora em Educação, graduanda em Museologia e Pedagogia, e Michele dos Santos Xavier – advogada especialista em Direito Antidiscriminatório e de Gênero e atual Presidente do Conselho da Comunidade Negra de Caxias do Sul.
O projeto faz parte do mapeamento da Rede de Acervos Afro-brasileiros, estabelecida para reunir representantes de iniciativas, em âmbito nacional, que salvaguardam coleções importantes e referentes aos feitos artísticos, culturais e históricos da população negra no Brasil. Criada e articulada pelo Museu Afro Brasil Emanoel Araujo em conjunto com o Sistema Estadual de Museus de São Paulo [SISEM-SP], em 2023. A Rede integra o Programa Conexões Museus SP, correspondendo a um dos desafios institucionais apresentados pela Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo por ocasião da convocação pública para a gestão do equipamento, em 2022. Ela nasce do desejo de mapear arquivos, museus, terreiros, quilombos e espaços afins, para compor e articular uma teia nacional de parceiros, compromissada com iniciativas conjuntas para potencializar o alcance de seus acervos e projetos.
Estar neste guia, representa um dos primeiros passos do AHMJSA rumo à compreensão sobre a diversidade étnica e cultural dos acervos preservados,
impulsionada pelo ideal coletivo de preservar e disseminar a cultura afro-brasileira.