História

Um pouco da história do processo

No Brasil, a temática gênero e masculinidades tem despertado interesse em muitas pessoas, graças à mobilização e luta dos movimentos de mulheres, que vem gerando um correspondente aprofundamento teórico acadêmico nas universidades e a implementação de políticas feministas engajadas em municípios e estados de cunho democrático popular.

O Grande ABC está localizado na região metropolitana da cidade de São Paulo, possui uma população de 2.684.066 (BRASIL, 2010), 51,7% de mulheres para 48,3% de homens. A região tem uma origem histórica comum, originalmente era um grande município que foi desmembrado, e assim, criadas, oficialmente, as sete cidades atuais: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra (KLEEB, s/d).

A partir dos anos 50s, o Grande ABC virou palco da instalação de grandes montadoras automobilísticas e uma rica organização sindical (SMABC, 2008) e, também, na criação de partidos políticos democráticos e populares.

Com a consolidação e eleição de partidos democráticos populares nas cidades da região, foram criadas políticas inovadoras que serviram de modelo para todo país.

Na busca de enfrentar problemas comuns, que afetavam as sete cidades – como mobilidade urbana, tratamento de lixo e prevenção de enchentes, foi criado o Consórcio Intermunicipal Grande ABC, em 1990. O fato de ter caráter regional e ser apartidário possibilitou continuidade das propostas, mesmo com as trocas das gestões de diferentes partidos. Assim, o Consórcio foi, ao longo dos anos, assumindo novas frentes e propostas de atuação, se tornando o primeiro consórcio multisetorial de direito público e natureza autárquica do país.

O Consórcio Intermunicipal Grande ABC atua para a articulação e o planejamento de ações regionais divididas em oito eixos de atuação, cada eixo é composto por Grupos de Trabalho (GTs) formados por gestores públicos e técnicos nas áreas de atuação específica de cada GT e técnicos do Consórcio. Os integrantes dos GTs são indicados pelos Chefes dos Executivos, ou seja, pelos Prefeitos dos municípios consorciados.

Entre as diversas ações construídas no Consórcio Intermunicipal Grande ABC, uma foi a criação da Frente Regional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, existente desde os anos 90, reunindo poder público, trabalhadoras (es) e organizações não governamentais. Outra ação é o Grupo de Trabalho Gênero que reúne as Coordenadorias e Gerências de Políticas Públicas para Mulheres das sete cidades (CONSÓRCIO, 2010).

No Grande ABC existe, há muitos anos, um movimento feminista presente e atuante em diversas frentes, como por exemplo, nos Cursos de Promotoras Legais Populares, organizado e ministrado em Santo André, desde 2001, também presente em São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema e Mauá, além da existência de Conselhos Municipais de Políticas para Mulheres, constituído na maioria das cidades parceiras.

Em Santo André a primeira iniciativa de políticas para mulheres foi a criação da Assessoria dos Direitos da Mulher em 1989, lotada diretamente no gabinete do Prefeito. Mais recentemente, em 2013, foi instituída na Prefeitura de Santo André a Secretaria de Políticas para Mulheres (CONCHÃO, 2015).

A participação de homens e políticas voltadas para homens também esteve presente durante todos esses anos, tanto na Frente Regional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, realizando desde 2001 a Campanha do Laço Branco: homens pelo fim da violência contra a mulher, quanto na implementação de grupos reflexivos para homens, com experiências em Santo André (2003-2004; 2007-2008), São Bernardo do Campo (2008) e Diadema (2006-2008) (URRA, 2014).

Atualmente, em Santo André, é realizado o Programa “E Agora José?” Grupo socioeducativo com homens autores de violência doméstica contra as mulheres, resultado da articulação da Secretaria de Políticas para as Mulheres com o Tribunal de Justiça – Comarca de Santo André e a Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da Secretaria Estadual da Administração Penitenciária.

Todo esse processo histórico levou a construção tanto de projetos, programas e políticas públicas voltadas à situação de gênero, quanto de sujeitos, agentes em busca de uma masculinidade não violenta e parceiros apoiadores das lutas das mulheres.

Em 2013, foi apresentado ao Grupo de Trabalho Gênero do Consórcio Intermunicipal Grande ABC a proposta de um curso, dirigido a homens, funcionários públicos das 07 cidades, com o objetivo de sensibilizar homens e, ao mesmo tempo, propiciar uma formação teórica que oferecesse ferramentas para aqueles que quisessem atuar com outros homens. O foco era sensibilizar e formar homens sobre relações de gênero, feminismos e masculinidades.

O facilitador e coordenador do curso foi Flávio Urra, acompanhando as aulas e oficinas, com a meta de sensibilizar homens que trabalham nos serviços públicos das sete cidades; preferencialmente, funcionários efetivos, das áreas sociais, tais como políticas afirmativas, assistência social, saúde, segurança, educação, entre outros, com atuação direta com a população, com potencial para multiplicadores.

Foi estabelecida uma parceria com a Faculdade de Medicina do ABC para a certificação como curso de extensão, em parceria com o Consórcio, condicionado à frequência mínima de 75% – 14 encontros.

A proposta das oficinas aplicadas no curso foi sendo estruturada, ao longo dos anos, construída com o envolvimento de muitas pessoas, aplicadas em vários grupos de homens e mulheres. A metodologia foi baseada, principalmente em três publicações: na Proposta Metodológica para o Trabalho de Gênero com e entre Homens, desenvolvida pelo Centro de Educación y Comunicación Popular CANTERA, de Manágua; na metodologia de educação popular feminista extraída do livro Mulheres e homens trabalhando pela paz e contra a violência doméstica, organizado por Vera Vieira e Clara Charf da Associação Mulheres pela Paz de São Paulo (VIEIRA e CHARF, 2012); e, também da série Trabalhando com homens jovens: da violência para convivência do Instituto Promundo e seus colaboradores do Projeto H (ARILHA e outros/as, 2001).

A ementa de trabalho se baseia em conceitos e estudos que abrangem estrutura social e desigualdade. Poder e dominação. Estudos sobre gênero e masculinidades. Ideologia e reprodução do machismo. A constituição do Patriarcado. A construção sócio-histórica da masculinidade. As lutas das mulheres e o Feminismo. Análise dos efeitos da socialização masculina. Estudo dos elementos constitutivos da violência. Violência de gênero e violência doméstica. Processo socioeducativo para homens. Grupos reflexivos de homens. Serviço de responsabilização e educação de homens autores de violência.

Para a realização do curso, contamos com a participação de vários (as) palestrantes, pessoas que se tornaram referências em suas áreas de atuação, dentre elas: Adriano Beiras, Amelinha Teles, Arlete Bento, Julian Rodrigues, Leandro Feitosa Andrade, Maria de Lourdes Ventura, Sérgio Barbosa, Silmara Conchão e Tales Furtado Mistura.

Na primeira parte de cada encontro aplicávamos a oficina, utilizando um enfoque dialógico e participativo, baseado na vivência dos sujeitos, valorizando seus conhecimentos e experiências, por meio de técnicas de dinâmicas de grupo, jogos dramáticos e outros. Na segunda parte de cada encontro foi realizada uma apresentação teórica pelo facilitador ou pessoa convidada, em que apresentamos artigos e livros dos seguintes autores: Acosta (2004), Andrade (2014), Arilha (1998, 2001), Beiras (2012a, 2012b), Blay (2014), Bourdieu (1999), Carvalho Filho (s/d), Costa (2004), Foucalt (1997), Lima (2008), Lobo (1981), Lopes (2010), Nascimento (2009), Rohden (2003), Saffioti (1999), Sayão (2003), Scott (1995), Thompson (1995), Welzer-Lang (2001). Foram distribuídas cópias dos textos das referências bibliográficas, que, em sua maioria, estão disponibilizados eletronicamente.

Nas oficinas abordamos os seguintes temas para reflexão:

  • O significado de ser homem

  • Divisão de Tarefas Masculinas e Femininas

  • Como nos tornamos homens

  • Os efeitos do nosso modo de ser homens

  • A violência nos jogos infantis

  • A luta pela vida

  • É possível uma vida menos violenta?

  • A discriminação exercida pelos homens

  • A discriminação sofrida pelos homens

  • Coisa e pessoa

  • Diversidade sexual

  • Feminismo

Com o encerramento do curso surgiu a necessidade do grupo continuar se encontrando, desta forma, foi marcada uma reunião após a formatura; nessa ocasião, o grupo, em consenso, resolveu criar o Fórum de Gênero e Masculinidades do Grande ABC que passou a se encontrar mensalmente e pensar um novas estratégias de envolvimento dos homens em ações pelo fim da violência contra mulher e outras violências. Inclusive com a proposta de realização do 2º Curso de Gênero e Masculinidades para 2016.

Um dos desdobramentos do Fórum foi a organização, em 2015, da Campanha do Laço Branco: homens pelo fim da violência contra mulher, que construiu estratégia e uma grande agenda de ações nas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema e Mauá, além da importância da adesão à campanha do Sindicato dos Bancários do Grande ABC, efetivando a distribuição do laços pelas agências bancárias das 7 cidades.

Outro desdobramento e avanço no ABC foi a aprovação e deliberação do GT Gênero no Consórcio Intermunicipal Grande ABC, para criação do Grupo Temático Gênero e Masculinidades, composto por gestores das 07 cidades, indicados pelos representantes das gestões municipais, para articulação e o planejamento de ações regionais no âmbito das políticas para homens no enfrentamento da violência contra a mulher.