O pagão tinha da beleza esta ideia, de que ela é, primeiro, harmonia (isto é, perfeição) [limite, finitude] e depois diversidade; o cristão tem da beleza outra ideia, a oposta - de que ela é primeiro diversidade [ilimitada, infinita], e depois harmonia. Para o pagão, a beleza é Diversidade na Harmonia; para o cristão ela é a Harmonia na Diversidade. Parecendo pelo som, quase a mesma, estas frases são, por contra, opostas. Para o pagão a Harmonia é o essencial; para o cristão o essencial é a Diversidade. Frutos estas teorias, a primeira de uma atenção ao mundo exterior [finito], de uma cultura da vontade e da concentração [carismática]; a segunda de uma atenção desviada ou para o âmago do espírito [individual], ou falha [deficitária], e uma vontade incapaz de se aplicar com cuidado e escrúpulo [submissa].
Aquele cujo critério da arte parta da Diversidade por força que há de buscar na arte mais a Diversidade [variedade individual] do que outra coisa. Aquele cujo critério parta da Harmonia, mais do que outra coisa buscará a Harmonia [uniformidade coletiva] na obra de arte. Cairá o primeiro no erro de acumular elementos diversos só por serem diversos, de quantificar e juntar [individualidades]. Cairá o segundo no erro de simplificar [uniformizar] para obter a unidade e harmonia, de recear abranger um campo muito vasto [restrição temática] ou esmiuçar muito o assunto [temas costumeiros], para que lhe não falte a Harmonia do Todo [finito] para que se lhe não tornem insuficientes vontade e atenção para reduzir a unidade [totalidade] os elementos de que se compõe a Obra.
In: Fernando Pessoa. Metafísica e outros textos. Textos selecionados de António Mora. (Domínio público)