ENTENDENDO A VIDA
RESENHA DOS CAPÍTULOS XV, XVI E XVII DA OBRA LEVIATÃ, DE THOMAS HOBBES
BASEADO NA TRADUÇÃO DE JOÃO PAULO MONTEIRO E MARIA BEATRIZ NIZZA DA SILVA
BASEADO NA TRADUÇÃO DE JOÃO PAULO MONTEIRO E MARIA BEATRIZ NIZZA DA SILVA
RESUMO
Neste artigo de revisão eu procuro trabalhar bem os conceitos derivados por Thomas Hobbes (nascido no século XVI) em sua obra LEVIATÃ relacionados a humanidade, aos direitos e leis naturais, a liberdade, a condição natural, a motivação do ser humano, aos contratos - sobre a renúncia ou transferência de um direito, dos pactos, promessas e da boa fé - e a definição de pessoa e seus tipos bem como a definição de autor e suas espécies.
Palavras-chave: absurdo, acepção de pessoas, antes da época da sociedade civil, apetite pessoa, aversões, árbitro, arrogante e hipócrita, aspereza, autor de primeira espécie e de segunda espécie, autoridade, aversão pela paz, coisas inanimadas, complacência, concessão pela tentativa de paz, condição natural do homem de Hobbes, conservação das multidões humanas, contrato, controvérsias, contumélia - afronta injuriosa e humilhante, crueldade, culpado da guerra, culpados, deliberação, desejo, destruição dos indivíduos, diferença na significação das palavras, direito de natureza, direitos impossíveis de admitir que algum homem possa renunciar, distinguindo lei e direito, diversidade de natureza, ensinamento milenar de Cristo, equidade, esforço, estado civil, fé, fiador, filosofia moral, fonte e a origem da justiça, força das palavras, força de sua própria natureza, garantia de paz, homem justo e homem injusto, honrado e iníquo, hostilidade, ingratidão, injúria, injustiça - de costumes e de uma ação, inocentes, intenção, juiz, jura, justiça comutativa, justiça das ações, justiça distributiva, lei de natureza / leis de natureza, liberação de pactos, liberdade, medo, mérito, modesto, negligente, o bem e o mal, observância da promessa, obstinados, insociáveis, refratários ou intratáveis, orgulho, pacto ou convenção, pacto por autoridade, pactos aceitos por medo, paixão, perdão, personificar, perversidade triunfante, pessoa, pessoa fictícia, pessoa natural, poder coercitivo, portador de sua pessoa, preconceito, primeira apropriação, primeira posse, promessas, proprietário, renunciando-se ao direito, salvo-conduto, sinais, sinais de contrato, sinais por inferência, sociáveis, sorteio, suborno, testemunho, tolos, trunfo ou glorificação, vanglória, vício à injustiça, vida do homem / ser humano, vingança, violação de fé, virtude à justiça, virtudes morais.
HUMANIDADE, DIREITO E LEI DE NATUREZA, LIBERDADE
O DIREITO DE NATUREZA é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de FAZER TUDO AQUILO QUE SEU PRÓPRIO JULGAMENTO E RAZÃO LHE INDIQUEM COMO MEIOS ADEQUADOS A ESSE FIM.
LIBERDADE, em seu sentido literal e extremo, entende-se como a AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTOS EXTERNOS, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer conforme o que seu julgamento e razão lhe ditar.
Uma LEI DE NATUREZA (lex naturalis) é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual SE PROÍBE A UM HOMEM FAZER TUDO O QUE POSSA DESTRUIR SUA VIDA OU PRIVÁ-LO DOS MEIOS NECESSÁRIOS PARA PRESERVÁ-LA, OU OMITIR AQUILO QUE PENSE PODER CONTRIBUIR MELHOR PARA PRESERVÁ-LA.
DISTINGUINDO LEI E DIREITO, entendemos que o direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se referem à mesma matéria.
CONDIÇÃO NATURAL, MOTIVAÇÃO DO SER HUMANO E AS DUAS PRIMEIRAS LEIS
Dado que a CONDIÇÃO NATURAL DO HOMEM DE HOBBES é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado por sua própria razão, e não havendo nada, de que possa lançar mão, que não possa servir-lhe de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que NUMA TAL CONDIÇÃO TODO HOMEM TEM DIREITO A TODAS AS COISAS, incluindo os corpos dos outros (daí, entende-se condição de guerra). Enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, NÃO PODERÁ HAVER PARA NENHUM HOMEM (POR MAIS FORTE E SÁBIO QUE SEJA) A SEGURANÇA DE VIVER TODO O TEMPO QUE GERALMENTE A NATUREZA PERMITE AOS HOMENS VIVER. Logo, podemos ter como primeira lei de natureza TODO HOMEM DEVE ESFORÇAR-SE PELA PAZ, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental da natureza, isto é, de PROCURAR A PAZ E SEGUI-LA. A segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é, por todos os meios que pudermos DEFENDERMO-NOS A NÓS MESMO.
Desta lei fundamental da natureza, mediante qual se ordena a todos os homens procurem a paz (infelizmente, nem todos compactuam com esta lei fundamental natural, acredito que por mal funcionamento na produção de neurotransmissores no cérebro humano, ou em outras palavras, por doenças psiquiátricas, o que não impede também da pessoa ter uma vida produtiva ou enriquecer-se, podendo nem ter o diagnóstico ao longo da vida, mas aparentando ser somente como um desvio de carácter), assim deriva-se esta SEGUNDA LEI DE NATUREZA: QUE UM HOMEM CONCORDE, QUANDO OUTROS TAMBÉM O FAÇAM, E NA MEDIDA EM QUE TAL CONSIDERE NECESSÁRIO PARA A PAZ E PARA DEFESA DE SI MESMO, EM RENUNCIAR A SEU DIREITO A TODAS AS COISAS, CONTENDO-SE, EM RELAÇÃO AOS OUTROS HOMENS, COM A MESMA LIBERDADE QUE AOS OUTROS HOMENS PERMITE EM RELAÇÃO A SI MESMO.
SOBRE A RENÚNCIA OU TRANSFERÊNCIA DE UM DIREITO, COMO E PORQUÊ PODE SER FEITO
Renunciar ao direito a alguma coisa é o mesmo que privar-se da liberdade de negar ao outro o benefício de seu próprio direito à mesma coisa. Ou seja, RENUNCIANDO-SE AO DIREITO de algo, significa implicitamente ofertar este direito aos demais, mas simplesmente significa que este que renunciou tal direito não será de obstáculo para que outro usufrua de tal direito.
Abandona-se um direito simplesmente renunciando a ele, ou transferindo-o para outros. Simplesmente renunciando, quando não importa em favor, de quem irá redundar o respectivo benefício. Transferindo-o, quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou pessoas. QUANDO DE QUALQUER DESTAS MANEIRAS ALGUÉM ABANDONOU SEU DIREITO, ESTE FICA OBRIGADO A NÃO IMPEDIR ÀQUELES A QUEM ESSE DIREITO FOI ABANDONADO OU ADJUDICADO O RESPECTIVO BENEFÍCIO, CASO CONTRÁRIO, TAL IMPEDIMENTO CHAMA-SE INJUSTIÇA OU INJÚRIA. Considera-se absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou, assim também no mundo se chama injustiça e injúria desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha voluntariamente feito. O modo pelo qual um homem simplesmente renuncia, ou transfere seu direito, é uma declaração ou expressão, mediante um sinal ou sinais voluntários e suficientes, de que assim renuncia ou transfere, ou de que assim renunciou ou transferiu o mesmo àquele que o aceitou. Estes sinais podem ser apenas palavras ou apenas ações, ou então (conforme acontece na maior parte dos casos) tanto com palavras como ações. E estes são os vínculos mediante os quais os homens ficam obrigados, vínculos que não recebem sua FORÇA DE SUA PRÓPRIA NATUREZA (pois infelizmente nada se rompe mais facilmente do que a palavra de um homem), mas do MEDO DE ALGUMA MÁ CONSEQUÊNCIA RESULTANTE DA RUPTURA.
Quando alguém transfere seu direito, ou a ele renuncia, fá-lo em CONSIDERAÇÃO A OUTRO DIREITO QUE RECIPROCAMENTE LHE FOI TRANSFERIDO, ou a qualquer outro bem que daí espera – pois o objetivo de todos os atos voluntários dos homens é algum bem para si mesmos. Há alguns DIREITOS QUE É IMPOSSÍVEL ADMITIR QUE ALGUM HOMEM POSSA ABANDONAR OU TRANSFERIR, por quaisquer palavras ou outros sinais. Em primeiro lugar, NINGUÉM PODE RENUNCIAR AO DIREITO DE RESISTIR A QUEM O ATAQUE PELA FORÇA PARA TIRAR-LHE A VIDA, dado que é impossível admitir que através disso vise a algum benefício próprio. O mesmo pode dizer-se dos ferimentos, das cadeias e do cárcere, tanto porque desta aceitação não pode resultar benefício, ao contrário da aceitação de que outro seja ferido ou encarcerado, quanto porque é impossível saber, quando alguém lança mão da violência, se ela pretende ou não provocar a morte. Por último, o motivo e fim devido ao qual se introduz esta renúncia e transferência do direito não é mais do que a segurança da pessoa de cada um, quanto a sua vida e quanto aos meios de preservá-la de maneira tal que não acabe por dela se cansar.
A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama CONTRATO.
Há uma diferença entre a transferência do direito a uma coisa e a transferência ou tradição, ou seja, a entrega da própria coisa. Porque a coisa pode ser entregue juntamente com a translação do direito, como na compra e venda com dinheiro a vista, ou na troca de bens e terras; ou pode ser entregue algum tempo depois.
Por outro lado, UM DOS CONTRATANTES PODE ENTREGAR A COISA CONTRATADA POR SEU LADO, PERMITINDO QUE O OUTRO CUMPRA A SUA PARTE NUM MOMENTO POSTERIOR DETERMINADO, CONFIANDO NELE ATÉ LÁ. Nesse caso, da sua parte o contrato se chama PACTO OU CONVENÇÃO. Ambas as partes podem também contratar agora para cumprir mais tarde, e nesse caso, dado que se confia naquele que deverá cumprir sua parte, sua ação se chama OBSERVÂNCIA DA PROMESSA, ou FÉ; e a falta de cumprimento (se for voluntária) chama-se VIOLAÇÃO DE FÉ.
Os SINAIS DE CONTRATO podem ser expressos ou por inferência. EXPRESSOS SÃO AS PALAVRAS PROFERIDAS COM A COMPREENSÃO DO QUE SIGNIFICAM. Essas palavras são do tempo presente, ou do passado, como dou, adjudico, dei, adjudiquei, quero que isto seja teu; ou do futuro, como darei, adjudicarei, palavras do futuro a que se chama PROMESSAS.
Os SINAIS POR INFERÊNCIA são às vezes consequências de palavras, e às vezes consequência do silêncio; às vezes consequência das ações, e às vezes consequência da omissão de ações. GERALMENTE UM SINAL POR INFERÊNCIA, DE QUALQUER CONTRATO, É TUDO AQUILO QUE MOSTRA DE MANEIRA SUFICIENTE A VONTADE DO CONTRATANTE.
Há uma grande DIFERENÇA NA SIGNIFICAÇÃO DAS PALAVRAS. Entre “quero te dar isto amanhã” e “vou querer te dar isto amanhã”, a primeira maneira de falar indica um ato da vontade presente, TRANSFERE UM DIREITO FUTURO, e a segunda, que é de uma vontade futura – vontade esta que pode mudar no futuro, NÃO TRANSFERE NADA.
SOBRE OS PACTOS, PROMESSAS E BOA FÉ
NOS CONTRATOS, O DIREITO NÃO É TRANSMITIDO APENAS QUANDO AS PALAVRAS SÃO DO TEMPO PRESENTE OU PASSADO, MAS TAMBÉM QUANDO ELAS SÃO DO FUTURO, PORQUE TODO CONTRATO É UMA TRANSLAÇÃO OU TROCA MÚTUA DE DIREITOS. Portanto, aquele que apenas promete, por já ter recebido o benefício por causa do qual prometeu, deve ser entendido como tencionado que o direito seja transmitido, porque se não tivesse a intenção de ver suas palavras assim entendidas, o outro não teria cumprido primeiro sua parte. É por esse motivo que na compra e na venda, e em outros atos de contrato, UMA PROMESSA É EQUIVALENTE A UM PACTO, E, PORTANTO, É OBRIGATÓRIA.
Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente sua parte, e uns confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é uma condição de guerra de todos os homens contra todos os homens), a menor suspeita razoável tona nulo este pacto. MAS SE HOUVER UM PODER COMUM SITUADO ACIMA DOS CONTRATANTES, COM DIREITO E FORÇA SUFICIENTE PARA IMPOR SEU CUMPRIMENTO, ELE NÃO É NULO. Pois aquele que cumpre primeiro não tem qualquer garantia de que o outro também cumprirá depois, porque os vínculos das palavras são demasiado fracos para refrear a ambição, a avareza, a cólera e outras paixões do homem, se não houver o medo de algum poder coercitivo. O qual na condição de simples natureza, onde os homens são todos iguais, e juízes do acerto de seus próprios temores, é impossível ser suposto. Portanto, aquele que cumpre primeiro não faz mais do que entregar-se a seu inimigo, contrariando ao direito (que jamais pode abandonar) de defender sua vida e seus meios de vida.
Mas num ESTADO CIVIL, onde foi estabelecido um PODER PARA COAGIR AQUELES QUE DE OUTRA MANEIRA VIOLARIAM A FÉ, esse temor deixa de ser razoável. Por esse motivo, aquele que segundo o pacto deve cumprir primeiro é obrigado a fazê-lo.
Aquele que transfere qualquer direito transfere também os meios de gozá-lo, na medida em que tal esteja em seu poder. Por exemplo, daquele que transfere uma terra se entende que transfere também a vegetação e tudo o que nela cresce. Também aquele que vende um moinho não pode desviar a corrente que o faz andar. E daqueles que dão a um homem o direito de governar soberanamente se entende que lhe dão também o direito de recolher impostos para pagar a seus soldados, e de designar magistrados para a administração da justiça.
A matéria ou objeto de um pacto é sempre alguma coisa sujeita a DELIBERAÇÃO (porque fazer o pacto é um ato da vontade, quer dizer, um ato, e o último ato, da deliberação), portanto sempre se entende ser alguma coisa futura, e que é CONSIDERADA POSSÍVEL DE CUMPRIR POR AQUELE QUE FAZ O PACTO.
Portanto PROMETER O QUE SE SABE SER IMPOSSÍVEL NÃO É UM PACTO. Mas se só depois se verificar ser impossível o que antes se considerava possível o pacto é válido e, embora não obrigue à própria coisa, obriga ao valor equivalente. Ou então, se também isso for impossível, à tentativa sem fingimentos de cumprir o mais possível; PORQUE A MAIS DO QUE ISTO NINGUÉM PODE SER OBRIGADO.
Os HOMENS FICAM LIBERADOS DE SEUS PACTOS de duas maneiras: ou CUMPRINDO OU SENDO PERDOADOS. Pois o cumprimento é o fim natural da obrigação, e O PERDÃO é a restituição da liberdade, constituindo a retransferência daquele direito em que a obrigação consistia.
Os PACTOS ACEITOS POR MEDO, na condição de simples natureza, SÃO OBRIGATÓRIOS. Portanto os prisioneiros de guerra que se comprometem a pagar seu resgate são obrigados a pagá-lo. E se um príncipe mais fraco assina uma paz desvantajosa com outro mais forte, devido ao medo, é obrigado a respeitá-la, a não ser que surja algum novo e justo motivo de temor para recomeçar a guerra. E mesmo vivendo num Estado, se eu me vir forçado a livrar-me de um ladrão prometendo-lhe dinheiro, sou obrigado a pagá-lo, a não ser que a lei civil disso me dispense. Porque tudo o que posso fazer legitimamente sem obrigação também posso compactuar legitimamente por medo, e O QUE EU COMPACTUAR LEGITIMAMENTE NÃO POSSO LEGITIMAMENTE ROMPER.
Um PACTO ANTERIOR ANULA OUTRO POSTERIOR. Porque um homem que transmitiu hoje seu direito a outro não pode transmiti-lo amanhã a um terceiro, portanto a promessa posterior não transmite direito algum, pois é nula.
Um pacto em que eu me comprometa a não me defender da força pela força é sempre nulo. Porque ninguém pode transferir ou renunciar a seu direito de evitar a morte, os ferimentos ou o cárcere (o que é o único fim da renúncia ao direito), portanto a promessa de não resistir à força não transfere qualquer direito em pacto algum, nem é obrigatória.
UM PACTO NO SENTIDO DE ALGUÉM SE ACUSAR A SI PRÓPRIO, SEM GARANTIA DE PERDÃO, É IGUALMENTE INVÁLIDO. Pois na condição de natureza, em que todo homem é juiz, não há lugar para a acusação, e no estado civil, a acusação é seguida pelo castigo. O mesmo é igualmente verdadeiro da acusação daqueles por causa de cuja condenação se fica na miséria, como a de um pai, uma esposa ou um benfeitor.
O TESTEMUNHO de um tal acusador, SE NÃO FOR PRESTADO VOLUNTARIAMENTE, deve considerar-se corrompido pela natureza, e, portanto, não deve ser aceito; e quando o testemunho de um homem não vai receber crédito, ele não é obrigado a prestá-lo. Também as acusações arrancadas pela tortura não devem ser aceitas como testemunhos. Porque a tortura é para ser usada como meio de conjetura, de esclarecimento num exame posterior e de busca da verdade; nesse caso, o que é confessado contribui para aliviar que é torturado, e não para informar os torturadores. Portanto não deve ser aceito como testemunho suficiente, quer o torturado se liberte graças a uma verdadeira ou a uma falsa acusação, fá-lo pelo direito de preservar sua vida.
Dado que a FORÇA DAS PALAVRAS é demasiado fraca para OBRIGAR OS HOMENS A CUMPRIREM SEUS PACTOS, só é possível conceber, na natureza do homem, duas maneiras de reforça-la. Estas são o MEDO das consequências de faltar à palavra dada, ou o ORGULHO de aparentar não precisar faltar a ela. Este último é uma generosidade (ou orgulho) que é demasiado raro encontrar para se poder contar com ela, sobretudo entre aqueles que procuram a riqueza, a autoridade ou os prazeres sensuais, ou seja, a maior parte da humanidade.
A PAIXÃO com que se pode contar é o medo, o qual pode ter dois objetos extremamente gerais: um é o poder dos espíritos invisíveis, e o outro é o poder dos homens que dessa maneira se pode ofender. O medo do primeiro é, em cada homem, sua própria religião, a qual surge na natureza do homem antes da sociedade civil. Já o segundo não surge antes disso, ou pelo menos não em grau suficiente para levar os homens a cumprirem suas promessas, dado que na condição de simples natureza a desigualdade do poder só é discernida na eventualidade da luta. De modo que ANTES DA ÉPOCA DA SOCIEDADE CIVIL, ou em um caso de interrupção desta pela guerra, NÃO HÁ NADA QUE SEJA CAPAZ DE REFORÇAR QUALQUER PACTO DE PAZ A QUE SE TENHA ANUÍDO, CONTRA AS TENTAÇÕES DA AVAREZA DA AMBIÇÃO, DA CONCUPISCÊNCIA, OU OUTRO DESEJO FORTE, a não ser o medo daquele poder invisível que todos veneram como Deus, e na qualidade de vingador de sua perfídia. Portanto, tudo o que pode ser feito entre dois homens que não estejam sujeitos ao poder civil é jurarem um ao outro pelo Deus que ambos temem, ajuramento ou jura que é uma forma de linguagem acrescentada a uma promessa; pela qual aquele que promete exprime que, caso não a cumpra, renuncia à graça de Deus, ou pede que sobre si mesmo recaia sua vingança.
Observação: fica manifesto também que o juramente nada acrescenta à obrigação. Porque um pacto, caso seja legítimo, vincula aos olhos de Deus, tanto sem o juramento como com ele; e caso ilegítimo não vincula nada, mesmo que seja confirmado por um juramento.
TERCEIRA LEI DE NATUREZA, ORIGEM DA JUSTIÇA E SEUS TIPOS
Daquela lei de natureza pela qual somos obrigados a transferir aos outros aqueles direitos que, ao serem conservados para si próprio, impedem a paz da humanidade, segue-se uma TERCEIRA LEI: QUE OS HOMENS CUMPRAM OS PACTOS QUE CELEBRAREM. Sem esta lei os pactos seriam vãos, e não passariam de palavras vazias; como o direito de todos os homens a todas as coisas continuariam em vigor, permaneceríamos na condição de guerra.
Nesta lei de natureza reside a FONTE E A ORIGEM DA JUSTIÇA. Porque sem um pacto anterior não há transferência de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, consequentemente nenhuma ação pode ser injusta. Mas, DEPOIS DE CELEBRADO UM PACTO, ROMPÊ-LO É INJUSTO. E a definição da INJUSTIÇA não é outra senão o não cumprimento de um pacto. E tudo o que não é injusto é justo.
Para que as palavras “justo” e “injusto” possam ter lugar, é necessária alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento de seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de fortalecer aquela propriedade que os homens adquirirem por contrato mútuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram. E não pode haver tal poder antes de erigir-se um Estado. O mesmo pode deduzir-se também da definição comum da justiça nas Escolas, pois nelas se diz que a JUSTIÇA É A VONTADE CONSTANTE DE DAR A CADA UM O QUE É SEU. Portanto, onde não há o seu, isto é, não há propriedade, não pode haver injustiça. E onde não foi estabelecido um poder coercitivo, isto é, onde não há Estado, não há propriedade, pois, todos os homens têm direito a todas as coisas. Portanto, onde não há Estado nada pode ser injusto. A NATUREZA DA JUSTIÇA CONSISTE NO CUMPRIMENTO DOS PACTOS VÁLIDOS, mas a validade dos pactos só começa com a instituição de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri-los, e é também só aí que começa a haver propriedade.
Os TOLOS dizem em seu foro íntimo (motivos de ordem pessoal) que a justiça é coisa que não existe – no sentido em que se a conservação e a satisfação de cada homem estejam entregues a seu próprio cuidado, não pode haver razão para que cada um deixe de fazer o que supõe conduzir a esse fim, e também, portanto, que fazer ou deixar de fazer, cumprir ou deixar de cumprir os pactos não é contra a razão, nos casos em que contribui para o benefício próprio. Mas perguntam se a justiça, pondo de lado o temor a Deus (porque os mesmos tolos disseram em seu foro íntimo que Deus não existe), não poderá às vezes concordar com aquela mesma razão que dita a cada um seu próprio bem, sobretudo quando ela produz um benefício capaz de colocar um homem numa situação que lhe permite desprezar, não apenas os ultrajes e censuras, mas também o poder dos outros homens. Se o reino de Deus se ganha pela violência, e se ele fosse ganho pela violência injusta, seria contra a razão assim ganha-lo, quando é impossível que daí resulte qualquer dano? E se não é contra a razão não é contra a justiça, caso contrário a justiça não pode ser considerada uma coisa boa. Graças a raciocínios como este, a PERVERSIDADE TRIUNFANTE ADQUIRIU O NOME DE VIRTUDE, e alguns que em todas as outras coisas condenam a violência da fé aprovam-na quando é para conquistar um reino.
As palavras justo e injusto, quando são ATRIBUÍDAS A HOMENS, significam uma coisa, e quando são ATRIBUÍDAS A AÇÕES significam outra. Quando são atribuídas a homens indicam a conformidade ou a incompatibilidade entre os costumes e a razão. Mas quando são atribuídas a ações indicam a conformidade ou a incompatibilidade com a razão, não dos costumes, mas de ações determinadas. Portanto, um HOMEM JUSTO é aquele que TOMA O MAIOR CUIDADO POSSÍVEL PARA QUE TODAS AS SUAS AÇÕES SEJAM JUSTAS, e um HOMEM INJUSTO é o QUE DESPREZA ESSE CUIDADO. É mais frequente que em nossa língua esses homens sejam designados pelas palavras HONRADO e INÍQUO, em vez de justo e injusto, embora o significado seja o mesmo. Portanto, UM HOMEM HONRADO NÃO PERDE O DIREITO A ESSE TÍTULO POR CAUSA DE UMA OU ALGUMAS POUCAS AÇÕES INJUSTAS, DERIVADAS DE PAIXÕES REPENTINAS OU DE ERROS SOBRE COISAS OU PESSOAS. NEM UM HOMEM INÍQUO DEIXA DE ASSIM SER CONSIDERADO, POR CAUSA DE AÇÕES QUE FAZ OU DEIXA DE FAZER DEVIDO AO MEDO, POIS SUA VONTADE NÃO É DETERMINADA PELA JUSTIÇA, MAS PELO BENEFÍCIO APARENTE DO QUE FAZ. O que presta às ações humanos o sabor da justiça é uma certa nobreza ou coragem (raras vezes encontrada), em virtude da qual se despreza ficar devendo o bem-estar da vida à fraude ou ao desrespeito das promessas. É essa justiça da conduta que se significa quando se chama VIRTUDE À JUSTIÇA, e VÍCIO À INJUSTIÇA.
Mas a JUSTIÇA DAS AÇÕES não faz que aos homens se chame justos, e sim INOCENTES; e a injustiça das mesmas (também chamada injúria) faz-lhes atribuir apenas o nome de CULPADOS.
Por outro lado, a INJUSTIÇA DE COSTUMES é a disposição ou a aptidão para cometer injúria, e é a injustiça antes de passar aos atos, e sem supor que algum indivíduo determinado haja sido injuriado. Mas a INJUSTIÇA DE UMA AÇÃO (quer dizer, uma injúria) pressupõe que um determinado indivíduo haja sido injuriado, nomeadamente aquele com quem foi celebrado o pacto. Assim, MUITAS VEZES A INJUSTIÇA É FEITA A UM HOMEM, AO MESMO TEMPO QUE O DANO RECAI SOBRE OUTRO. Como quando o senhor ordena a seu servo que dê dinheiro a um estranho: se tal não for feito, a injúria será feita ao senhor, ao qual anteriormente se prometera obedecer, mas o dano recai sobre o estranho, para com o qual não havia obrigação, e que, portanto, não podia ser injuriado. O mesmo se passa no Estado: OS HOMENS PODEM PERDOAR UNS AOS OUTROS SUAS DÍVIDAS, MAS NÃO OS ROUBOS OU OUTRAS VIOLÊNCIAS QUE LHES CAUSEM DANO. PORQUE NÃO PAGAR UMA DÍVIDA É UMA INJÚRIA FEITA A ELES MESMOS, AO PASSO QUE O ROUBO E A VIOLÊNCIA SÃO INJÚRIAS FEITAS À PESSOA DO ESTADO.
Os autores dividem A JUSTIÇA DAS AÇÕES em COMUTATIVA e DISTRIBUTIVA, e dizem que a primeira consiste numa proporção aritmética, e a segunda numa proporção geométrica. Assim, a justiça comutativa é por eles atribuída à igualdade de valor das coisas que são objeto de contrato, e a justiça distributiva à distribuição de benefícios iguais a pessoas de mérito igual. Como se fosse injustiça vender mais caro do que se comprou, ou dar a um homem mais do que ele merece. O valor de todas as coisas contratadas é medido pelo apetite dos contratantes, portanto o valor justo é aquele que eles acham conveniente oferecer. E o MÉRITO (sem contar o que ocorre num pacto, onde o cumprimento por uma das partes merece o cumprimento da outra parte, e cai sobre a alçada da justiça comutativa, não da distributiva) não é devido por justiça, É RECOMPENSADO APENAS PELA GRAÇA. Portanto esta distinção não é correta, no sentido em que costumava ser exposta. Para falar com propriedade, A JUSTIÇA COMUTATIVA É A JUSTIÇA DE UM CONTRATANTE, OU SEJA, O CUMPRIMENTO DOS PACTOS, NA COMPRA E NA VENDA E NO ALUGUEL OU SUA ACEITAÇÃO, AO EMPRESTAR OU TOMAR EMPRESTADO, NA TROCA, NA PERMUTA E OUTROS ATOS DE CONTRATO.
A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA É A JUSTIÇA DE UM ÁRBITRO, ISTO É, O ATO DE DEFINIR O QUE É JUSTO. Pelo qual (merecendo a confiança dos que o escolheram como árbitro), se ele corresponder a essa confiança, se diz que distribuiu a cada um o que lhe era devido. Com efeito, esta é uma distribuição justa, e pode ser chamada (embora impropriamente) justiça distributiva. Mais próprio seria chamar-lhe EQUIDADE, a qual é também uma lei de natureza.
QUARTA, QUINTA, SEXTA, SÉTIMA, OITAVA, NOVA E DÉCIMA LEIS DE NATUREZA
Tal como a justiça depende de um pacto antecedente, assim também a gratidão depende de uma graça antecedente, quer dizer, de uma dádiva antecedente. É esta a QUARTA LEI DE NATUREZA, que pode ser assim formulada: QUE QUEM RECEBEU BENEFÍCIO DE OUTRO HOMEM, POR SIMPLES GRAÇA, SE ESFORCE PARA QUE O DOADOR NÃO VENHA A TER MOTIVO RAZOÁVEL PARA ARREPENDER-SE DE SUA BOA VONTADE. Pois quem dá fá-lo tendo em mira um benefício próprio (no caso, pela boa fé, seria o simples prazer de ver a outra pessoa feliz; porém, pode ser também por questões duvidosas de corrupção, obtenção de vantagens), porque a dádiva é voluntária, e o objeto de todos os atos voluntários é sempre o benefício de cada um. SE ESTA EXPECTATIVA FOR FRUSTRADA, NÃO PODERÁ HAVER BENEVOLÊNCIA NEM CONFIANÇA, NEM, CONSEQUENTEMENTE, AJUDA MÚTUA, OU RECONCILIAÇÃO ENTRE UM HOMEM E OUTRO. Nesse caso não poderão sair da condição de guerra, a qual é contrária à lei primeira e fundamental da natureza, que ordena aos homens que procurem a paz. O desrespeito a esta lei chama-se INGRATIDÃO, e tem com a graça a mesma relação que há entre a injustiça e a obrigação por contrato.
A QUINTA LEI DE NATUREZA é a COMPLACÊNCIA, quer dizer: QUE CADA UM SE ESFORCE POR ACOMODAR-SE/RELAXAR COM OS OUTROS. Para compreender esta lei é preciso levar em conta que na aptidão dos homens para a sociedade existe uma certa DIVERSIDADE DE NATUREZA, derivada da diversidade de suas afeções.
De maneira semelhante ao que verificamos em construções, onde se juntam pedras/tijolos para construção de um edifício, e onde os construtores põem de lado como inaproveitáveis certas pedras que apresentam um nível de irregularidade/aspereza – pois estas que apresentam aspereza tiram às outras mais espaço do que o que elas mesmas ocupam, literalmente falando, e devido a sua dureza, não são fáceis de aplanar – assim também aqueles que, devido à ASPEREZA de sua natureza, SE ESFORÇAREM POR GUARDAR AQUELAS COISAS QUE PARA ELAS SÃO SUPÉRFLUAS E PARA OS OUTROS SÃO NECESSÁRIAS, e devido à obstinação de suas paixões não puderam ser corrigidos, deverão ser abandonados ou expulsos da sociedade, como HOSTIS a ela.
Pois sendo de esperar que cada homem, não apenas por direito, mas também pela necessidade de sua natureza, se esforce o mais que possa por conseguir o que é necessário para sua conservação, todo aquele que a tal se oponha, por causa de coisas supérfluas, é CULPADO DA GUERRA que daí venha a resultar, e, portanto, age contrariamente à lei fundamental de natureza que ordena procurar a paz. Aos que respeitam esta lei pode chamar-se SOCIÁVEIS (os latinos chamavam-lhes commodi), e aos que não o fazem OBSTINADOS, INSOCIÁVEIS, REFRATÁRIOS OU INTRATÁVEIS.
A SEXTA LEI DE NATUREZA é que NO TEMPO FUTURO SE PERDOEM AS OFENSAS PASSADAS, àqueles que se arrependem ou que desejam o perdão, para que assim seja GARANTIDA A PAZ. Porém, para aqueles que perseveram em sua HOSTILIDADE, não se arrependem, nem se importam com os malefícios causados, e assim, não têm nem mesmo desejo de perdão; neste caso, o perdão em si perde seu sentido, torna-se meramente uma CONCESSÃO PARA TENTATIVA DE PAZ, embora o resultado possa ser o medo – pois não garante que o outro hostil cometa injúria novamente, o que é sinal de AVERSÃO PELA PAZ, o que é contrário a lei de natureza.
A SÉTIMA LEI DE NATUREZA é que na VINGANÇA (isto é, a retribuição do mal com o mal) OS HOMENS NÃO OLHEM À IMPORTÂNCIA DO MAL PASSADO, MAS SÓ À IMPORTÂNCIA DO BEM FUTURO, isto é, não deve-se vingar por males sofridos no passado, mas a retribuição do mal com o mal só deve ser exercida TENDO EM VISTA A MALES QUE PODERÃO SER EVITADOS NO FUTURO, OU EM OUTRAS PALAVRAS, NUM BENEFÍCIO REAL FUTURO. Sendo então, esta lei nos proíbe aplicar castigo com qualquer intenção que não seja a correção do ofensor ou o exemplo para os outros (este segundo ponto pode ser questionável no âmbito de lei natural). Pois esta lei é consequência da que lhe é anterior, a qual ordena o perdão em vista da segurança do tempo futuro. Além do mais, a vingança que não visa ao exemplo ou ao proveito vindouro, é um TRIUNFO ou GLORIFICAÇÃO, com base no DANO CAUSADO AO OUTRO QUE NÃO TENDE PARA FIM ALGUM (pois o fim é sempre alguma coisa vindoura). Ora, glorificar-se sem tender a um fim é VANGLÓRIA, e contrário à razão, e causar dano sem razão tende a provocar a guerra, o que é contrário a lei de natureza. E geralmente se designa pelo nome de CRUELDADE.
E dado que todos os sinais de ódio ou desprezo tendem a provocar a luta, a ponto de a maior parte dos homens preferirem arriscar a vida a ficar sem vingança, podemos formular em oitavo lugar, como OITAVA LEI DE NATUREZA, o seguinte preceito: QUE NINGUÉM POR ATOS, PALAVRAS, ATITUDE OU GESTO DECLARE ÓDIO OU DESPREZO PELO OUTRO. Ao desrespeito a esta lei se chama geralmente CONTUMÉLIA (AFRONTA INJURIOSA E HUMILHANTE).
A QUESTÃO DE DECIDIR QUEM É O MELHOR HOMEM NÃO TEM LUGAR NA CONDIÇÃO DE SIMPLES NATUREZA, NA QUAL TODOS OS HOMENS SÃO IGUAIS. Portanto, se a natureza fez todos os homens iguais essa igualdade deve ser reconhecida; e se a natureza fez os homens desiguais, como os homens, dado que se consideram iguais, só em termos igualitários aceitam entrar em condições de paz, essa igualdade deve ser admitida. Por conseguinte, como NONA LEI DE NATUREZA, é proposta esta: QUE CADA HOMEM RECONHEÇA OS OUTROS COMO SEUS IGUAIS POR NATUREZA. A falta a este preceito chama-se ORGULHO.
Desta lei depende uma outra, UMA DÉCIMA LEI NATURAL: QUE AO INICIAREM-SE AS CONDIÇÕES DE PAZ NINGUÉM PRETENDA RESERVAR PARA SI QUALQUER DIREITO QUE NÃO ACEITE QUE SEJA TAMBÉM RESERVADO PARA QUALQUER DOS OUTROS (não se deve desejar monopolizar um direito). Assim como é necessário a todos os homens que buscam a paz renunciar a certos direitos de natureza, quer dizer, perder a liberdade de fazer tudo o que lhes apraz, assim também é necessário para A VIDA DO HOMEM que ALGUNS DESSES DIREITOS SEJAM CONSERVADOS, COMO O DE GOVERNAR O PRÓPRIO CORPO, DESFRUTAR O AR, A ÁGUA, O MOVIMENTO, OS CAMINHOS PARA IR DE UM LUGAR A OUTRO, E TODAS AS OUTRAS COISAS SEM AS QUAIS NÃO SE PODE VIVER, OU NÃO SE PODE VIVER BEM. Se neste caso, ao fazer a paz, alguém exigir para si aquilo que não aceita que seja atribuído aos outros, estará agindo contrariamente à lei precedente, que ordena o reconhecimento da igualdade dos homens, e contrariamente também, portanto, à lei de natureza. Quem respeita esta lei é geralmente chamado MODESTO, e quem não a respeita ARROGANTE e HIPÓCRITA. Os gregos chamavam à violação desta lei pleonexía, isto é, o desejo de mais do que a sua parte.
DÉCIMA PRIMEIRA LEI DE NATUREZA, CONTROVÉRSIAS E JUIZ
E também, se a alguém for confiado servir de juiz entre dois homens, é um preceito da lei de natureza que TRATE A AMBOS EQUITATIVAMENTE. Pois sem isso as controvérsias entre os homens só podem ser decididas pela guerra. Portanto, aquele que for parcial num julgamento estará fazendo todo o possível para afastar os homens do uso de juízes e árbitros, por conseguinte, estará sendo causa de guerra.
A observância desta lei que ordena distribuir equitativamente a cada homem, o que segundo a razão lhe pertence chama-se EQUIDADE ou, conforme citado anteriormente, justiça distributiva. Sua violação chama-se ACEPÇÃO DE PESSOAS, ou até mesmo PRECONCEITO.
E desta deriva uma outra lei, tal por DÉCIMA PRIMEIRA LEI DE NATUREZA: QUE AS COISAS QUE NÃO PODEM SER DIVIDIDAS SEJAM GOZADAS EM COMUM, SE ASSIM PUDER SER; E SE, A QUANTIDADE DA COISA O PERMITIR, SEM LIMITE; CASO CONTRÁRIO, PROPORCIONALMENTE AO NÚMERO DAQUELES QUE A ELA TÊM DIREITO. Caso contrário, a distribuição seria desigual, e contrária à equidade.
Mas há algumas coisas que não podem ser divididas nem gozadas em comum. Para esses casos, a lei de natureza que prescreve a equidade exige que o direito absoluto, ou então (se o uso for alternado) a PRIMEIRA POSSE, sejam determinados por SORTEIO. Porque a distribuição equitativa faz parte da lei de natureza, e é impossível imaginar outras maneiras de fazer uma distribuição equitativa.
Há duas espécies de sorteio, o arbitrário e o natural. O arbitrário é aquele com o qual os competidores concordam; o natural ou é a primogenitura (que os gregos chamavam kleronomía, o que significa dado por sorteio) ou é a PRIMEIRA APROPRIAÇÃO.
Portanto, aquelas coisas que não podem ser gozadas em comum, nem divididas, devem ser adjudicadas ao primeiro possuidor, e em alguns casos ao primogênito, como adquiridas por sorteio.
É também uma lei de natureza que a TODOS AQUELES QUE SERVEM DE MEDIADORES PARA A PAZ SEJA CONCEDIDO SALVO-CONDUTO. Porque a lei que ordena a paz, enquanto fim, ordena a intercessão, como meio. E o meio para a intercessão é o salvo-conduto, ou seja, a autorização e segurança destes mediadores transitarem no determinado território de desavença.
Mas como, por mais desejos de cumprir estas leis que os homens estejam, é não obstante sempre possível que surjam CONTROVÉRSIAS relativas às ações primeiro, se foram ou não foram praticadas, e segundo (caso tenham sido praticadas) se foram ou não foram contrárias à lei, à primeira das quais se chama questão de fato, e à segunda, questão de direito – e, portanto, se as partes em presença não fizerem mutuamente um pacto no sentido de aceitar a sentença de um terceiro, estarão tão longe da paz como antes. Esse outro a cuja sentença se submetem chama-se ÁRBITRO. Portanto, é DA LEI DE NATUREZA QUE AQUELES ENTRE OS QUAIS HÁ CONTROVÉRSIAS SUBMETAM SEU DIREITO AO JULGAMENTO DE UM ÁRBITRO.
Dado que se supõe cada um fazer todas as coisas tendo em vista seu próprio benefício, NINGUÉM PODE SER UM ÁRBITRO ADEQUADO EM CAUSA PRÓPRIA; e como a equidade atribui a cada parte um benefício igual, à falta de árbitro adequado, se um for aceite como juiz o outro também o deve ser; desta maneira a controvérsia, isto é, a causa da guerra, permanece, contra a lei de natureza.
Pela mesma razão, em nenhuma causa alguém pode ser aceite como árbitro, se aparentemente para ela resultar mais proveito, honra ou prazer da vitória de uma das partes do que da outra. Porque nesse caso ele recebeu um SUBORNO (embora um suborno inconfessável e implícito), e ninguém pode ser obrigado a confiar nele. Também neste caso a controvérsia e a condição de guerra permanecem, contra a lei de natureza.
Numa controvérsia de fato, dado que o juiz não pode dar mais crédito a um do que a outro (na ausência de outros argumentos), precisa dar crédito a um terceiro, ou a um terceiro e a um quarto, ou mais. Caso contrário a questão não pode ser decidida, a não ser pela força, contra a lei de natureza.
São estas as leis de natureza que ditam a paz como meio de CONSERVAÇÃO DAS MULTIDÕES HUMANAS, e as únicas que dizem respeito à doutrina da sociedade civil. Há outras coisas que contribuem para a DESTRUIÇÃO DOS INDIVÍDUOS, como a embriaguez, e outras formas de intemperança, as quais, portanto também podem ser contadas entre aquelas coisas que a lei da natureza proíbe. Mas não é necessário referi-las, nem seria pertinente fazê-lo neste lugar.
RESUMO DAS LEIS DE NATUREZA
Embora talvez um tanto óbvia, simples – porém, importante, ESTA DERIVAÇÃO DE LEIS PODE SER TAMBÉM DIFÍCIL DE SER ENTENDIDA E APRECIADA POR TODOS OS HOMENS, dos quais a maior parte está extremamente ocupada na busca do auto sustento, e por outros por serem um tanto quanto NEGLIGENTES para compreendê-las ou aceita-las. Apesar disso, para não permitir que ninguém seja desculpado, ou desorientado, todas estas leis foram sintetizadas em um resumo acessível e inteligível, mesmo para os menos capazes. Esse resumo é: FAZ AOS OUTROS O QUE GOSTARIAS QUE TE FIZESSEM A TI, ou como no ENSINAMENTO MILENAR DE CRISTO, de AMAR AO PRÓXIMO COMO SE AMA A SI MESMO (embora, não possa ser aplicável para casos de pessoas com distúrbios psicóticos, casos de pessoas que apreciam a própria infelicidade, pois no caso, estes vão desejar ao próximo a mesma infelicidade que deseja a si próprios). Isto mostra que para compreender as leis de natureza e aceita-las, caso não pareçam plausíveis, tão somente é necessário pesar e comparar as ações de outros homens (que podem parecer excessivamente pesadas), com suas próprias ações, certificando-se que do seu lado da balança que suas próprias paixões e amor de si nada modifiquem o peso. Então não haverá então nenhuma destas leis de natureza que não lhe pareça perfeitamente razoável.
As leis da natureza obrigam in foro interno (pela consciência íntima pessoal), quer dizer, impõem o desejo de que sejam cumpridas; mas in foro externo, isto é, impondo um desejo de pô-los em prática, nem sempre obrigam. POIS AQUELE QUE FOSSE MODESTO E TRATÁVEL, E CUMPRISSE TODAS AS SUAS PROMESSAS NUMA ÉPOCA E NUM LUGAR ONDE MAIS NINGUÉM ASSIM FIZESSE, TORNAR-SE-IA PRESA FÁCIL PARA OS OUTROS, E INEVITAVELMENTE PROVOCARIA SUA PRÓPRIA RUÍNA, CONTRARIAMENTE AO FUNDAMENTO DE TODAS AS LEIS DE NATUREZA, QUE TENDEM PARA A PRESERVAÇÃO DA NATUREZA. Por outro lado, aquele que, possuindo garantia o suficiente de que os outros observarão para com ele as mesmas leis, mesmo assim não as observa, não procura a paz, mas a guerra, e consequentemente a destruição de sua natureza pela violência.
Todas as leis que obrigam in foro interno podem ser violadas, não apenas por um fato contrário à lei, mas também por um fato conforme a ela, NO CASO DE SEU AUTOR CONSIDERA-LO CONTRÁRIO. Pois, embora neste caso sua ação seja conforme à lei, sua INTENÇÃO é contrária à lei, o que constituiu UMA VIOLAÇÃO QUANDO A OBRIGAÇÃO É IN FORO INTERNO.
AS LEIS DE NATUREZA SÃO IMUTÁVEIS E ETERNAS, POIS A INJUSTIÇA, A INGRATIDÃO, A ARROGÂNCIA, O ORGULHO, A INIQUIDADE, A ACEPÇÃO DE PESSOAS E OS RESTANTES JAMAIS PODEM SER TORNADOS LEGÍTIMOS. POIS JAMAIS PODERÁ OCORRER QUE A GUERRA PRESERVE A VIDA, E A PAZ A DESTRUA.
Essas leis, na medida em que obrigam apenas a um DESEJO e a um ESFORÇO, isto é, um ESFORÇO NÃO FINGIDO E CONSTANTE, são fáceis de obedecer. Pois, na medida em que exigem apenas esforço, aquele que se esforça por cumpri-las está-lhes obedecendo. E aquele que obedece à lei é justo.
E a ciência dessas leis é a verdadeira e única FILOSOFIA MORAL. Porque a filosofia moral não é mais do que a ciência do que é bom e mau, na conservação e na sociedade humana. O BEM e o MAL são nomes que significam nossos APETITES e AVERSÕES, os quais são diferentes conforme os diferentes temperamentos, costumes e doutrinas dos homens. E HOMENS DIVERSOS NÃO DIVERGEM APENAS, EM SEU JULGAMENTO, QUANDO ÀS SENSAÇÕES DO QUE É AGRADÁVEL OU DESAGRADÁVEL AO GOSTO, AO OLFATO, AO OUVIDO, AO TATO E À VISTA, DIVERGEM TAMBÉM QUANTO AO QUE É CONFORME OU DESAGRADÁVEL À RAZÃO, NAS AÇÕES DA VIDA COTIDIANA. Mais, O MESMO HOMEM, EM MOMENTOS DIFERENTES, DIVERGI DE SI MESMO, ÀS VEZES LOUVANDO, ISTO É, CHAMANDO BOM, ÀQUILO MESMO QUE OUTRAS VEZES DESPREZA E A QUE CHAMA DE MAU. Daqui procedem disputas, controvérsias, e finalmente a guerra. Portanto, enquanto os homens se encontram na condição de simples natureza (que é uma condição de guerra) o APETITE PESSOAL é a medida do bem e do mal. Por conseguinte, todos os homens concordam que a PAZ É UMA BOA COISA, e, portanto, que também SÃO BONS O CAMINHO OU MEIOS DA PAZ, OS QUAIS, CONFORME DISCUTIDO ANTES, SÃO A JUSTIÇA, A GRATIDÃO, A MODÉSTIA, A EQUIDADE, A MISERICÓRDIA E AS RESTANTES LEIS DE NATUREZA; que dizer, as VIRTUDES MORAIS; e que seus vícios contrários são maus. Ora a ciência da virtude e do vício é a filosofia moral, portanto, a verdadeira doutrina das leis de natureza é a verdadeira filosofia moral. Mas os autores de filosofia moral, embora reconheçam as mesmas virtudes e vícios, não sabem ver em que consiste sua excelência, não sabem ver que elas são louvadas como meios para uma vida pacífica, sociável e confortável, e fazem-nas consistir numa mediocridade das paixões. Como se não fosse na causa, e sim, no grau de intrepidez, que consiste a força; ou se não fosse na causa, e sim na quantidade de uma dádiva, que consiste a liberdade.
A ESTES DITAMES DA RAZÃO OS HOMENS COSTUMAM DAR O NOME DE LEIS, mas impropriamente. Pois eles são apenas conclusões ou teoremas relativos ao que contribui para a conservação e defesa de cada um. AO PASSO QUE A LEI, EM SENTIDO OPOSTO, É A PALAVRA DAQUELE QUE TEM DIREITO DE MANDO SOBRE OUTROS. No entanto, se considerarmos os mesmos teoremas como transmitidos pela palavra de Deus, que tem direito de mando sobre todas as coisas, nesse caso serão propriamente chamados leis.
DEFINIÇÃO DE PESSOA E DE SEUS TIPOS
Uma PESSOA é aquela cujas PALAVRAS OU AÇÕES SÃO CONSIDERADAS quer como suas próprias, quer como representando as palavras ou ações de outro homem, ou de qualquer outra coisa a que sejam atribuídas, seja com verdade ou por ficção.
Quando elas são consideradas como suas próprias ele se chama uma PESSOA NATURAL. Quando são consideradas como representando as palavras e ações de um outro, chama-se-lhe uma PESSOA FICTÍCIA ou artificial.
A palavra “pessoa” é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem, imitada no palco. E por vezes mais particularmente aquela parte dela que disfarça o rosto, como máscara ou viseira. E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um ATOR, tanto no palco como na conversação corrente. E PERSONIFICAR é representar, seja a si mesmo ou a outro; e daquele que representa outro diz-se que é PORTADOR DE SUA PESSOA, ou que age em seu nome. Recebe designações diversas, conforme as ocasiões: REPRESENTANTE, MANDATÁRIO, LUAR-TENENTE, VIGÁRIO, ADVOGADO, DEPUTADO, PROCURADOR, ATOR, E OUTRAS SEMELHANTES.
Quanto às PESSOAS ARTIFICIAIS, em certos casos algumas de suas palavras e ações pertencem àqueles a quem representam. Nesses casos a pessoa é o ator, e aquele a quem pertencem suas palavras e ações é o AUTOR, casos estes em que o ator age por AUTORIDADE. Porque aquele a quem pertencem bens e posses é chamado PROPRIETÁRIO, em latim Dominus, e em grego Kyrios; quando se trata de ações é chamado autor. E tal como o direito de posse chama domínio, assim também o DIREITO DE FAZER QUALQUER AÇÃO SE CHAMA AUTORIDADE. De modo que por AUTORIDADE SE ENTENDE SEMPRE O DIREITO DE PRATICAR QUALQUER AÇÃO, EFEITO POR AUTORIDADE SIGNIFICA SEMPRE FEITO POR COMISSÃO OU LICENÇA DAQUELE A QUEM PERTENCE O DIREITO.
DESENVOLVENDO MELHOR A IDEIA DE AUTOR E SUAS ESPÉCIES
De onde se segue que, quando o ator faz um PACTO POR AUTORIDADE, obriga através disso o autor, e não menos do que se este mesmo o fizesse, nem fica menos sujeito a todas as consequências do mesmo. Portanto tudo o que acima se disse sobre a natureza dos pactos entre homens em sua capacidade natural, é válido também para os, que são feitos por seus atores, representantes ou procuradores, que possuem autoridade para tal dentro dos limites de sua comissão, mas não além destes.
Portanto, aquele que faz um pacto com o autor ou representante, SEM SABER QUE AUTORIDADE ELE TEM, fá-lo por sua conta e risco. Porque ninguém é obrigado por um pacto do qual não é autor, nem consequentemente por um pacto feito contra ou à margem da autoridade que ele mesmo conferiu.
Quando o ator faz qualquer coisa contra a lei de natureza por ordem do autor, se pelo pacto anterior for obrigado a obedecer-lhe, não é ele e sim o autor que viola a lei de natureza. Pois a ação, embora seja contra a lei de natureza, não é sua; pelo contrário, recusar-se a praticá-la é contra a lei de natureza, que obriga a cumprir os contratos.
E AQUELE QUE FAZ UM PACTO COM O AUTOR, ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO DO ATOR, SEM SABER QUE AUTORIDADE ESTE TEM, SIMPLESMENTE CONFIANDO EM SUA PALAVRA, E NO CASO DE ESTA AUTORIDADE NÃO LHE SER COMUNICADA APÓS SER PEDIDA, DEIXA DE TER OBRIGAÇÃO. Porque o pacto feito com o autor não é válido sem essa GARANTIA. MAS SE AQUELE QUE ASSIM PACTUOU ANTECIPADAMENTE SABIA QUE NÃO PODIA ESPERAR OUTRA GARANTIA SENÃO A PALAVRA DO ATOR, NESTE CASO O PACTO É VÁLIDO, PORQUE AQUI O ATOR SE CONSTITUI A SI MESMO COMO AUTOR. Portanto, do mesmo modo que, quando a autoridade é evidente, o pacto obriga o autor, e não o ator, assim também, quando a autoridade é fingida, ele obriga apenas o ator, pois o único autor é ele próprio.
Poucas são as coisas incapazes de serem representadas por ficção. As COISAS INANIMADAS, como uma igreja, um hospital, uma ponte, podem ser PERSONIFICADAS POR UM REITOR, UM DIRETOR OU UM SUPERVISOR. Mas as coisas inanimadas não podem ser autores, nem, portanto conferir autoridade a seus atores. Todavia, os atores podem ter autoridade para prover a sua conservação, a eles conferida pelos proprietários ou governadores dessas coisas. Portanto, essas coisas não podem ser personificadas enquanto não houver um Estado de governo civil.
De maneira semelhante, as crianças, os imbecis e os loucos, que não têm o uso da razão, podem ser personificados por guardiães ou curadores, mas não podem ser autores (durante esse tempo) de qualquer ação praticada por eles, a não ser que quando tiverem recobrado o uso da razão) venham a considerar razoável essa ação. Mas, enquanto durar a loucura, aquele que tem o direito de governa-los pode conferir autoridade ao guardião. Mas também isto só pode ter lugar num Estado civil, porque antes desse Estado não há domínio de pessoas.
Um ídolo, ou mera ficção do cérebro, pode ser personificado, como o eram os deuses dos pagãos, que eram personificados pelos funcionários para tal nomeados pelo Estado, e tinham posses e outros bens, assim como direitos, que os homens de vez em quando a eles dedicavam e consagravam. Mas os ídolos não podem ser autores, porque um ídolo não é nada. A autoridade provinha do Estado, portanto antes da instituição do governo civil os deuses pagãos não podiam ser personificados.
O verdadeiro Deus pode ser personificado. Conforme efetivamente foi, primeiro por Moisés, que governou os israelitas (que não eram o seu povo, e sim o povo de Deus), não em seu próprio nome, com “Hoc dicit Moyses”, mas em nome de Deus, com “Hoc dicit Dominus”. Em segundo lugar pelo filho do homem, seu próprio filho, nosso abençoado salvador Jesus Cristo, que veio para submeter os judeus e induzir todas as nações a entrarem no reino de seu pai, não sem seu próprio nome, mas em nome de seu pai. Em terceiro lugar pelo Espírito Santo, ou confortador, que falava e atuava nos apóstolos. O qual Espírito Santo era um confortador que não veio por si mesmo, mas foi mandado pelos outros dois, dos quais procedia.
Há duas espécies de autores. O AUTOR DA PRIMEIRA ESPÉCIE é o simplesmente assim chamado, o QUAL ACIMA DEFINI COMO SENDO AQUELE A QUEM PERTENCE, simplesmente, a ação dele próprio ou de um outro. O AUTOR DA SEGUNDA ESPÉCIE é AQUELE A QUEM PERTENCE UMA AÇÃO, OU UM PACTO DE UM OUTRO, CONDICIONALMENTE. Quer dizer, que o realiza se o outro não o faz até, ou antes de um determinado momento. Estes autores condicionais são geralmente chamados FIADORES, em latim “fidejussores e sponsores”; quando especialmente para dívidas, “praedes”; e para comparecimento perante um juiz ou magistrado, “vades”.
REFERÊNCIA
HOBBES, Thomas. Leviatã. Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. (Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva). 3. ed. São Paulo: AbrilCultural, 1983. Col. Os Pensadores.