Complementos dativos sem preposição:
Exemplos:
Eu dei o livro o rapaz.
Eu dei o rapaz o livro.
Mostra o carrinho os meninos!
Dá o recado o seu irmão!
Comentários:
São ocorrências coletadas no português falado na Zona da Mata de Minas Gerais, ainda durante a década de 1990. Trata-se de complementos verbais dativos (objetos indiretos) sem a preposição. Foram descritos de forma pioneira por Scher (1996) e analisados mais recentemente por Cavalcante (2009), de quem tomamos os exemplos emprestados.
Referências
Intensificador adjetival:
Exemplos:
Bota bom esse churrasco!
Bota chato aquele filme!
Comentários:
Intensificador adjetival advindo do verbo botar. Parece intensificar o adjetivo em "frases de situação", ou seja, frases sem verbo. Nos parece que uma sequência como *Eu achei bota bom esse churrasco é agramatical (comparar com Bota bom esse churrasco, bem formada).
Referências
??
Marcador interrogativo:
Exemplos:
Tu acha que o João vai conseguir fazer o trabalho será? (Dado de fala, Porto Alegre)
Cadê meu livro será? (Dado de fala, Porto Alegre)
Comentários:
O será parece estar sendo usado como "marcador de pergunta" em final de frase. Nos dados observados até agora (em ocorrências como essas aí dos exemplos), a entoação crescente característica de pergunta recai sobre o elemento "será".
Referências
??
Novas formações de verbos:
Exemplos:
Vou mutar meu microfone. (Dado de fala, Porto Alegre)
Vou upar o documento e depois vocês acessam. (Dado de fala, Brasília)
Comentários:
Ambos novos verbos são transitivos diretos, ambos vindos do inglês (mutar vem de mute e upar vem de upload). Mutar significa "silenciar, desativar o som", ao passo que upar significa disponibilizar arquivos em algum repositório virtual (i.e. fazer um upload). Repare que são tipos verbais bastante "canônicos" em PB: são formados a partir da vogal temática de primeira conjugação (-a-) e são transitivos diretos típicos.
Em mutar, temos mudança de estado do objeto e a alternância causativa parece que funciona bem (O microfone mutou de repente). Com upar, a alternância não é possível (nos parece): *O documento upou.
Ambos permitem passivização (Meu microfone foi mutado, O documento já foi upado).
Referências:
??
Passivas não canônicas (ou passivas possessivas):
Exemplos:
Recentemente, o Prefeito de Canela teve vetado pela Câmara de Vereadores o seu pedido de autorização para viajar à Itália. (http://www.findglocal.com/BR/Canela/349790038437219/Jer%C3%B4nimo-Terra-Rolim-Advocacia, 30/09/13, citado por Alencar (2018))
Comentários:
Esse tipo construção, denominada por Alencar (2018) passiva possessiva, parece ter sido descrita pela primeira vez por Lunguinho (2011), sob o rótulo de passiva não canônica.
Referências:
Você e cê (pronomes):
Exemplos:
Eu vi cê e ela juntos.
Até agora só chegaram cê e ela.
Comentários:
A discussão aqui gira em torno do status do pronome cê. Alguns argumentam que se trata de um clítico, outros um pronome fraco. Nos exemplos acima, cê aparece em duas posições/funções em que ele não pode aparecer sozinho: objeto direto (cf. *eu vi cê ontem) e sujeito posposto (cf. *Até agora só chegou cê). Contudo, quando cê está à esquerda do agrupamento coordenado, a frase fica boa -- à direita não fica: *Eu vi ela e cê juntos e *Até agora só chegaram ela e cê. Em PB, nos parece que a discussão já se inicia na década de 1990 (cf. Vitral 1996) e se desdobra por volta de 2010 com novos testes e com a ideia explorada por Petersen (2008) de que o cê seria um pronome fraco (discutida mais tarde por Vitral & Ramos 2008 e Othero 2013).
Referências:
Dupla passivização:
Exemplos:
(i) “Isso é uma mudança drástica de atitude frente ao que ocorreu em 2008, onde grandes bancos foram permitidos de ser levados à falência”, apontou. (https://www.infomoney.com.br/mercados/xp-e-bofa-revisam-projecoes-e-se-unem-as-expectativas-de-ibovespa-abaixo-dos-100-mil-pontos-em-2020/amp/, 30/03/20)
(ii) Se algo básico como água potável para consumo humano é diuturnamente negligenciado pelas “otoridades”, imagine o resto que ainda não foi permitido de ser publicado nos jornais, oias e grobos. (https://jornalggn.com.br/gestao-publica/a-transicao-catastrofica-do-sistema-cantareira/, 2015)
(iii) A tarefa de órgãos como a Secretaría de Culto de la Nación e de suas duas “Direções” parece salientar a importância de mediadores institucionais em um campo de disputa acerca do que seja “nacional” e que, portanto, necessita da interferência estatal, regulamentando e essencializando conjuntamente a celebrações específicas e a propagandas oficiais, a imagem daquilo que se constitui “genuinamente nacional”, como o catolicismo, ou o que foi “permitido de ser considerado nacional”, como o não-católico. (Tese de doutorado em Antropologia Social de Marcelo Tadvald, p. 88, UFRGS, https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/71939, 2013)
(iv) Este drama é uma série de acontecimentos em que a história contada omite fatos que não foram permitidos de ser revelados. (Tese de doutorado em Ciências da Religião de Maria Cristina de Freitas Bonetti, PUC-Goiás, http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/3618, 2013)
Comentários:
Esses exemplos articulam dois eventos causativos distintos, C1 e C2, expressos por dois particípios passivos que compartilham o mesmo sujeito. No caso de (i), C1 é do tipo "permitir", enquanto C2 é do tipo “ levar à falência”. Em C1, um agente (implícito) deixa ocorrer C2, cujo paciente é expresso pelo sintagma “grandes bancos”.
Os seguintes exemplos constituem, ao meu ver, formas canônicas de expressar esse tipo de estado de coisas:
(a) O governo permitiu que grandes bancos fossem levados à falência.
(b) Permitiu-se que grandes bancos fossem levados à falência.
(c) Foi permitido que grandes bancos fossem levados à falência.
(d) Foi permitida a falência de grandes bancos.
(e) O governo permitiu que a crise levasse grandes bancos à falência.
Em (c), na primeira passiva, no nível da oração matriz, o argumento EVENTO (i.e., a causação da falência dos bancos) é elevado à posição do sujeito do verbo causativo. Na passiva da oração encaixada, o PACIENTE (i.e., grandes bancos) é elevado à posição de sujeito da construção de verbo leve levar à falência. O que torna os exemplos (i)-(iv) interessantes é que o PACIENTE é sujeito tanto do particípio passivo da oração matriz quanto do da da oração encaixada. É como se o PACIENTE encaixado "roubasse" a posição de sujeito do particípio matriz, pertencente, de direito, ao argumento EVENTO. Observe que permitir rege acusativo do constituinte que expressa o EVENTO: O governo permitiu-o. Numa outra variante do verbo, o agente secundário fica no dativo: O governo permitiu aos bancos cobrar taxas mais elevadas.
Referências:
???
(Contribuição de Leonel Figueiredo de Alencar, 24.09.2020)