DIÁLOGO
DIÁLOGO
A seguinte obra, fruto da nossa imaginação, é uma simulação do diálogo entre Bernardo Soares e os heterónimos de Fernando Pessoa. Esperemos que goste.
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O dia teria sido como qualquer outro para Bernardo Soares, se não fosse pela forte precipitação que se fez sentir às 4 da tarde em Lisboa. A chuva surpreendera os Lisboetas naquele dia, e o ajudante de guarda-livros não foi exceção. De modo a escapar ao flagelo da chuva, Bernardo procurou abrigo num pequeno café a caminho da sua casa. Por coincidência, ou obra do destino, neste mesmo dia, naquele mesmo café, abrigava-se também Alberto Caeiro.
* * *
Entra Soares atabalhoadamente naquele café. Alberto e Soares cruzaram o olhar e como bons amigos de curta data, bastou um aperto de mão entre ambos antes de começarem a conversar.
-Faz tanto tempo que não o vejo por cá.
-Pois senhor Bernardo, Lisboa não é cidade para um simples camponês como eu- respondeu calmamente o poeta.
- Pois é amigo. Já viu a chuva que cai sobre nós?
-Nem tudo é dias de sol e a chuva quando falta muito pede-se.
-É verdade, mas chove tanto, tanto.
-Esta tarde a trovoada caiu pelas encostas do céu abaixo como um pedregulho enorme.
-Frases como estas que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito, limpam-me de toda a metafísica que espontaneamente acrescento à vida. Mas então, como tens passado, Alberto?
-Passo bem, li hoje quase duas páginas do livro de um poeta místico.
-E o que achas-te?
-Ri como quem tem chorado muito.
Alberto da uma gargalhada que chama atenção dos restantes clientes do café.
-E tu, o que tens feito Bernardo?
-Tenho sonhado muito. Estou cansado e não entendo o que os sonhos significam.
-Não te preocupes, o único sentido oculto das coisas, é elas não terem sentido oculto nenhum. E o que tens lido recentemente?
-Não leio nada de novo amigo Alberto, tenho um tédio antecipado das páginas desconhecidas.
E enquanto os dois travavam a sua conversa, o Sol abriu -se. Olhou Soares para o seu relógio e viu que era momento de regressar para casa.
-Contento-me, afinal, com muito pouco: o ter cessado a chuva, o haver um Sol bom neste Sul feliz!
-Eu devia estar de regresso a casa. Até a próxima senhor Bernardo.
Levantaram-se os dois, cumprimentaram-se e seguiram as suas vidas.