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Abril/2024

Por Márcio Marques

Publicado em 28/04/2024

Maior eleição da história humana decidirá o futuro da Índia

A odisseia eleitoral

Iniciadas em 19 de abril, as eleições para a Lok Sabha, câmara baixa do parlamento indiano, abrem as urnas para que aproximadamente 970 milhões de eleitores possam exercer seu direito ao voto por todo o país. Quase um milhão de postos de votação serão disponibilizados durante as seis semanas de votação até 1º de junho. O anúncio dos resultados é esperado para o dia 4 de junho.

Com uma política que garante ao menos um posto de votação a dois quilômetros de cada eleitor, as autoridades indianas têm conduzido uma jornada homérica para transportar e disponibilizar urnas eletrônicas mesmo nas regiões mais remotas do país. Os 15 milhões de membros das equipes eleitorais têm enfrentado desde escaladas em montanhas nevadas e travessias por florestas e rios infestados de crocodilos, até a visita a idosos em suas próprias casas para assegurar a todos os eleitores a possibilidade de votar. Os gastos envolvidos são estimados em 14 bilhões de dólares e o período eleitoral está dividido em sete etapas, que contemplarão as diferentes regiões do país. A segunda etapa foi encerrada nesta sexta-feira, dia 26, levando eleitores de 13 estados às urnas.

A política por trás dos grandes números

Atualmente com quase 80% de aprovação popular, o primeiro-ministro Narendra Modi é a estrela da campanha de seu partido, o Bharatiya Janata Party (BJP), e busca superar a marca eleitoral de 2019, quando alcançou 303 dos 543 assentos da Lok Sabha. É a câmara baixa do parlamento indiano que decide quem ocupará o cargo de primeiro ministro pelos próximos cinco anos e Modi almeja uma vitória dupla: garantir para si um terceiro mandato e contar com uma maioria de 370 assentos, o que facilitaria futuras reformas constitucionais. A oposição, por outro lado, busca fazer frente à popularidade de Modi com a coalizão de mais de 20 partidos, denominada Aliança Inclusiva Nacional para o Desenvolvimento da Índia (INDIA, em inglês). Esta frente ampla está consolidada sobretudo em torno do nome de Rahul Gandhi, descendente direto de um dos maiores líderes da independência indiana e ex-primeiro-ministro, Jawaharlal Nehru. Embora tenha ampla votação no sul do país, a aliança de oposição amarga baixa popularidade nas regiões mais populosas ao norte, o que tem dificultado um maior equilíbrio eleitoral.

Já há uma década no poder, o governo de Narendra Modi acumula sucessos e controvérsias. A recente guinada da Índia como uma das novas potências do Sul Global e os sólidos avanços econômicos, tecnológicos e industriais proporcionaram à figura de Modi uma forte reputação, sendo celebrado por multidões internamente, bem como por governos e grupos políticos internacionalmente. Feitos como a redução da fome, o forte investimento em infraestrutura e mesmo o desenvolvimento de um sólido programa espacial são frequentemente lembrados como marcas desta “nova Índia” sob o comando do primeiro-ministro. A título de exemplo, a transmissão ao vivo do pouso da sonda indiana Chandrayaan-3 no “lado escuro” da Lua quebrou o recorde de visualizações simultâneas no YouTube com oito milhões de espectadores. Em adição ao sucesso de políticas internas, a Índia sob o governo do BJP tem se posicionado como aliado independente, porém estratégico, das potências ocidentais em sua busca de contenção da influência chinesa na Ásia e globalmente. O mandatário tem repetido frequentemente seus planos de tornar a Índia a terceira maior economia mundial em três anos e uma nação desenvolvida em duas décadas.

Contudo, diversas são as críticas destinadas a Modi e seu governo tanto por opositores quanto por parte significativa da população indiana. Com um crescimento econômico severamente desigual, a Índia ainda acumula quase metade da população mundial em estado de pobreza. Além disso, o desemprego, sobretudo dos trabalhadores mais jovens, tem frustrado um setor do eleitorado que foi fundamental para as duas vitórias eleitorais anteriores. Modi é ainda acusado de promover abertamente discursos de ódio contra a minoria islâmica do país, classificando-a como composta por “infiltrados” e como um peso econômico para a população hidu. O nacionalismo conservador hindu do BJP é visto por muitos como uma ideologia segregacionista e tendente ao autoritarismo de base religiosa. Contribuem para esta crítica a demolição de mesquitas e a construção de faraônicos templos hindus. O primeiro-ministro tem reforçado sua retórica religiosa ao aparecer publicamente em templos e chegando a promover uma retórica de associação direta entre o hinduísmo e a identidade nacional indiana. “Rama (divindade hindu) é a fundação da Índia. Rama é a própria ideia da Índia”, bradou Modi em discurso recente.

Com um forte apoio popular e a construção de uma imagem de “servidor do povo”, que teria abdicado de uma vida familiar e de riquezas para servir a nação indiana, Narendra Modi lidera as pesquisas eleitorais e parece pavimentar o caminho para um terceiro mandato. Contudo, com uma retórica que liga a nacionalidade e a identidade indiana à religião majoritária do país, o atual mandatário acumula controvérsias e opositores, que agora buscam se unificar para fazerem frente aos planos do BJP de domínio do parlamento. Se os esforços da oposição serão frutíferos ou não, ainda é incerto, mas a história do país já está marcada pelo nome do primeiro-ministro, que tem sido considerado por muitos como o responsável pela ascensão de uma nova e poderosa Índia.