Não sou como as outras

Eu não era como as outras meninas. Eu acho que nunca fui. Eu me olhava no

espelho e via uma menina de óculos e espinhas, uma cicatriz ao lado do olho.

Tomei dois pontos. Uma queda na escola. Além de ser a esquisita, eu era a

esquisita que vivia correndo e batendo em todo mundo. Eu ficava olhando

enquanto minhas amigas adolescentes namoravam.

Eu não beijei ninguém até os treze anos, e olhe que isso era bem tarde, já

naquela época. Eu não sabia de muita coisa da vida e até hoje eu não sei. E

esse espelho não me diz nada, não esclarece nada. Há uma névoa pairando

sobre a minha cabeça. Eu sou uma mulher sombria, eu fui uma adolescente

sombria.

Há coisas que eu guardei só para mim e só pouquíssimas pessoas sabem. Eu

gosto do que vejo hoje no espelho. É melhor do que o que eu via há alguns

anos. Minha aparência havia melhorado, mas eu estava ainda ferida pelo

tempo, pela vida, por tudo. Eu sabia que precisava cicatrizar. Mas bem lá no

fundo havia ainda em mim marcas da passado que não se tratariam. Não

sarariam jamais.

Bem, eu continuo esquisita, é o que eu quero dizer. A minha esquisitice nada

tem a ver com a a aparência. É a conclusão que chego. Escuto vozes que vem

de mim mesma e não as compreendo. Eu sou a mocinha mais vilã, eu sou a

mulher com cara de bruxa, eu sou a ovelha rebelde, eu sou a caladona com um

livro na mão. É o que eu sou, é quem eu sou. Ambígua, paradoxal, complexa,

inquieta. Sim, eu não sou como as outras meninas.


Rafaela Valverde