Texts

Corrections

These corrections are necessary for the first printing:

p. 2 In the map, the capital of Acre is Rio Branco, and the the body of water is the Atlantic, not the Gulf of Mexico. There are LOTS MORE errors in the map, unfortunately. I recommend using a different map, like the one provided by the University of Texas library.

p. 10 in photo caption, "repinque" should be spelled "repinique."

p. 12 Figure 1.7 has the wrong musical notation. It should be the notation below. Thanks to Andy Hentz for calling this to my attention.

p. 25 Bezerra da Silva sings "Malandro é Malandro e Mané é Mané" on Rough Guide to Samba, not Zeca Pagodinho.

p. 64 map: replace "Amazonia" with "Amazonas" and replace "Tocantins" with "Maranhão."

p. 92 In the caption to fig. 4.11, Barachinha's name lacks the second 'h'.

Rogério Budasz's review in Music and Letters justly notes that there are many mistakes in the map. He noticed these typos as well: "Pelo Telofone" should be "Pelo Telefone" (p. 7); "cavaló-marinho" should read "cavalo-marinho" (p. 75). Prof. Budasz kindly wrote, "Several songs are presented with complete Portuguese lyrics along with impeccable English translations. Surprising in a book about Brazil by a non-native Portuguese speaker is the small number of misspellings, which testifies to careful copy-editing."

On p. 109, the statement that São Paulo is "the largest city in the region and in all of Latin America" should be amended to read "the largest city in Brazil." On page 121, line 1, "prounciation" should be "pronunciation." On page 122, second line from the bottom, the figure references should read "...Leonardo (see Figure 5.2) and Renato Borghetti (see Figure 5.3)...".

Thanks to Prof. Mario A. Lopez for suggesting these corrections.

O Mangue Beat e a Cultura Popular

I wrote this essay for a proposed volume that would have commemorated the 10th anniversary of (to pick one of the equally unsatisfactory terms) mangue beat. It would have been entitled A Maré Encheu and Renato L. was the organizer. It didn't get funded. I might publish it somewhere else, but for now it will be available here.

The English original follows after the Portuguese translation by André Bueno.

O Mangue Beat e a Cultura Popular

John Murphy

Tradução de André Curiati de Paulo Bueno

Me convidaram para escrever sobre a relação entre Mangue Beat e a cultura popular. Como sou etnomusicólogo e músico, minha discussão sobre a cultura popular enfocará os aspectos musicais da cultura popular, especialmente aqueles aspectos que pude conhecer nos tempos em que morei em Recife. Espero que outros colaboradores deste volume comentem sobre relações do movimento mangue com o teatro, com a dança, as artes plásticas, a literatura e o cinema e vídeo.

Meu envolvimento com música e cultura do Recife e região começou em 1989, quando cheguei para estudar Português, em preparação para fazer a pesquisa sobre cavalo-marinho. O interesse pelo cavalo-marinho veio antes, ao ler sobre bumba-meu-boi e descobrir os trabalhos de Mário de Andrade, na época da graduação na Columbia University. Retornei com minha família e morei no Recife por um ano entre 1990 e 91. Durante esse tempo estive em muitas brincadeiras de cavalo-marinho e outros tipos de música tradicional no Recife e na Zona da Mata Norte, entrevistei muitos artistas e outros envolvidos com a música tradicional, e pesquisei em arquivos de Recife e São Paulo. Nesta época vi Mestre Salustiano e seu grupo familiar apresentando-se no Sítio da Trindade e na Casa da Cultura. E em julho de 2003 cheguei a vê-los, com outros, apresentando-se no Lincoln Center de Nova York - mas isto antecipa minha história. Também experienciei a vida no Recife durante a era pré-Mangue Beat, naquele momento mítico em que "nada estava acontecendo". Estava lá quando apareceu aquele estudo famoso que listava Recife como a quarta pior cidade do mundo para se viver.

Não sou a testemunha mais confiável para o que estava acontecendo naquele ano na música popular. Para me esquivar da sobrecarga de informação e impressões sensoriais—eu conhecia cidades grandes, tendo vivido em Nova York nos quatro anos anteriores, mas Recife era um novo estilo de cidade grande para mim—limitei meu foco para a música tradicional em geral e o cavalo-marinho em particular. Sabia que havia shows de artistas de música popular no Centro de Convenções, mas além disso eu sabia pouco. Não havia Abril pro Rock, nem Rec-Beat, nem a cena acontecendo no Recife antigo. Sem dúvida de que havia muita coisa criativa e interessante se desenrolando. Ouvi um pouco disso no final de minha estada, quando Siba, com quem tinha viajado ao interior para ver e ouvir cavalo-marinho e maracatu rural, visitou minha casa na Várzea com uns amigos que estavam combinando maracatu com thrash metal. Mas eu não estava a par dos que andavam ouvindo rap e dançando break, como Chico Science, ou ouvindo punk, como Fred 04, ou assistindo MTV—que começava a ser transmitida, no tempo em que a MTV ainda mostrava vídeos de música—ou os que procuravam na livraria do aeroporto as últimas revistas de música estrangeiras. Para mim a cena musical do Recife consistia de música tradicional, nas suas formas folclorizadas e "autênticas", forró, algum rock sem interesse e música clássica.

Cheguei a aprender bastante sobre o cavalo-marinho e os contextos cultural, histórico e político que o envolviam, e não muito mais do que isso. Não andava atento para a mudança total de atitudes que estava para acontecer no Recife. Lembrando agora, me pareceu que as únicas pessoas interessadas em cultura popular eram os próprios artistas, como Mestre Salustiano, que sustentava a tradição com grande esforço pessoal; os envolvidos profissionalmente com folclore, como Ariano Suassuna—que me ajudou a iniciar a pesquisa ao escrever uma carta sobre a importância do trabalho de Mestre Salustiano e notando que a rabeca era um instrumento em aparente declínio [Nota: Numa carta de 8 de julho de 1989, ele escreveu: "Atualmente, no Grande Recife, não se pode encontrar grupo de Bumba-meu-boi melhor que o de Mestre Salustiano. As razões que me levam a falar assim são muitas. [...] Em primeiro lugar, existe, no grupo, um tocador de rabeca, fato que vai ficando cada vez mais raro".]— , Leda Alves, Mário Souto Maior e Roberto Benjamin, que usavam sua influência para encaminhar recursos aos brincantes tradicionais, como fizeram Hermilo Borba Filho e outros no passado; artistas com Antonio Carlos Nóbrega e os irmãos Madureira, que se inspiravam na cultura popular em suas criações; o público rural, que cresceu com cavalo-marinho, mamulengo, ciranda, coco, maracatu rural e de nação; um segmento pequeno de classe média, que reconhecia o valor da cultura popular; e diversas platéias urbanas de turistas que encontravam a cultura popular na Casa da Cultura e através de apresentações do Balé Popular do Recife no Centro de Convenções. Não havia, em outras palavras, interesse significativo da parte dos jovens a respeito da cultura popular. Eu sabia que deviam existir jovens que ficaram individualmente fascinados com a cultura popular local, mas não via audiência jovem massiva. Cultura Popular era um interesse de minoria. Esta é uma impressão pessoal, e espero que seja contrastada por outros que também conviveram ali. Quando Siba e eu acompanhamos por toda uma noite de dezembro de 1990 o cavalo-marinho de Inácio Lucindo da Silva em Condado, os únicos jovens presentes que não residiam no local eram os membros da família de Salustiano e amigos. O mesmo é verdadeiro, se bem me recordo, para a primeira noite que passamos num ensaio de maracatu rural na casa de Mestre Batista, em Chã de Camará, perto de Aliança, em Novembro de 1990.

Quando minha pesquisa foi concluída em 1991, voltei para os E.U.A. para escrever minha dissertação e procurar trabalho. Siba continuou estudando música tradicional intensivamente, e começou a ganhar a grande prática de rabequeiro, vocalista e poeta que continua a mostrar hoje em dia, e veio a formar o Mestre Ambrósio com um grupo de amigos. Ele ajudou a manter-me informado sobre o Recife através de cartas e CDs. No entanto não pude retornar ao Recife até 1996, e este intervalo é a razão principal para que minhas impressões sobre a cena do Recife sejam tão divididas entre o antes e o depois. Este era o tempo da Soparia. Eu estava em Recife quando Afrociberdelia foi lançado. Comecei a saber do Mundo Livre S/A, e a distinguir entre as diferentes contribuições a este novo movimento chamado mangue por CSNZ e MLSA, que sabia serem consideradas as bandas de base do movimento, e Mestre Ambrósio, que sabia ter sido agrupada na imprensa ao mangue mas tinha proposta diferente. Parecia que Recife se transformava de Quarta Pior Cidade Para se Morar do Mundo a principal cena musical do Brasil. Um lugar nenhum na periferia tinha se tornado um centro.

Num ensaio sobre a relação entre Mangue Beat e cultura popular feito por um etnomusicólogo, seria razoável encontrar discussões detalhadas do uso de gêneros específicos de música tradicional em canções específicas de bandas do movimento. Há muito a dizer sobre a presença do coco, maracatu de baque virado e baque solto e embolada na música de CSNZ, sobre o samba filtrado através de Jorge Benjor na música do MLSA, sobre cavalo-marinho, maracatu rural, coco e cantoria na música do Mestre Ambrósio; sobre os instrumentos que ganharam novo destaque através do trabalho das bandas do mangue, como alfaia, cavaquinho, rabeca, sanfona de oito baixos, gaita e os chocalhos dos Caboclinhos; sobre o novo interesse em dançar ciranda e coco, e aquela nova dança circular combativa que é vista em shows hardcore; sobre o despertar de tremenda criatividade lingüística pelo estudo e reprodução de poesia improvisada, timbres vocais e pronúncia regional dos emboladores, mestres de maracatu, toadeiros de cavalo-marinho e poetas populares, como é o caso na arte verbal de Chico Science e Jorge Du Peixe, Fred 04, Siba, cantores do Faces do Subúrbio, Silvério Pessoa, Canibal, Lirinha —e quem publicará a Antologia da Poesia Mangue?—mas este tipo de listagem detalhada de influências da cultura popular ultrapassaria os limites propostos nesta antologia. Outros autores começaram este catálogo. Ver a dissertação de Philip Galinsky para alguns exemplos [Nota: Galinsky, Philip. 2002. Maracatu Atômico: Tradition, Modernity and Postmodernity in the Mangue Movement and the "New Music Scene" of Recife, Pernambuco, Brazil. New York: Routledge]. Para uma discussão do relacionamento do Mestre Ambrósio com a cultura popular, ver meu artigo "Self-Discovery in Brazilian Popular Music: Mestre Ambrósio" [Nota: In Brazilian Popular Music and Globalization, edited by Charles Perrone and Christopher Dunn (University Press of Florida, 2001, pág. 245-57; repr. Routledge 2002).]

Eu considero o relacionamento íntimo entre Mangue Beat e cultura popular, em termos de materiais artísticos e maneiras de trabalhar, como algo familiar a muitos leitores desta coletânea. Se não, você pode escutar simplesmente. Agora surgem muitas gravações da música tradicional que inspirou os artistas do Mangue. O fato dessas gravações existirem é um sinal importante de mudança de atitudes com respeito à cultura popular. Esta mudança nas atitudes, particularmente da maneira que presenciei no Recife, é meu tópico principal.

Voltei a morar no Recife por um ano, em 2000-1, dez anos depois do primeiro ano em que ali vivi. Meu tópico desta vez era o inter-relacionamento de estilos globais e locais na música da nova cena recifense, e a relação entre artistas "alternativos", indústria musical e política cultural. Este é o tema de meu livro em desenvolvimento. Apresentei pequena parte de meus achados no I Encontro da Associação Brasileira de Etnomusicologia em Recife em novembro de 2002. Minha comunicação abordava a pequena presença da música da nova cena na mídia local e as atitudes e práticas que são responsáveis por isso.

O contraste entre meus dois períodos de um ano foi dramático. Dez anos atrás, senti que estava pesquisando uma tradição (cavalo-marinho) com que pouca gente se importava. Em 2001, o cavalo-marinho foi o foco especial da terceira edição do Pernambuco em Concerto, produzido pela África Produções. Grupos de cavalo-marinho como o liderado por Grimário, mestre novo, estavam se apresentando para públicos jovens no Recife Antigo e na UFPE. Quando fui ao interior acompanhar brincadeiras de cavalo-marinho, também encontrei muitos jovens, alguns do Recife e outros do Sul, profundamente interessados em música tradicional, não só como fãs, mas como brincantes. Estes se inspiravam pelo que os pioneiros do Mangue descobriram: que longe de ser remanso estagnado, Recife e áreas circundantes são tremendamente ricos em diversidade musical, e seja combinada com os últimos estilos globais ou cultivada em seu próprio meio, esta diversidade tem potencial para novas criações ilimitadas.

O que experimentei, basicamente, foi o tão falado crescimento da auto-estima, que se deu quando o movimento mangue atraiu tanta atenção para aquele ambiente múltiplo e criativo da cena musical do Recife. Mesmo gente que não gostava da música da nova cena sentiu orgulho da atenção que então se atraiu. Havia música boa acontecendo demais para um indivíduo acompanhar. Havia grandes públicos jovens para festivais, e programas que combinavam novas bandas com os músicos tradicionais que as tinham inspirado. A série anual Acorda Povo, por exemplo, é excelente exemplo do compromisso que os artistas do mangue têm ao trabalhar com jovens do Grande Recife.

Quando iniciei meu trabalho no final dos anos oitenta, sabia de poucos outros pesquisadores estrangeiros que haviam estudado a música de Pernambuco, incluindo Katarina Real [Nota: Katarina Real. 1990. O folklore do Carnaval do Recife. Recife: Editora Massangana.] e Larry Crook. [Nota: Crook, Larry. 1991. Zabumba music from Caruaru, Pernambuco: Musical Style, Gender, and the Interpenetration of Rural and Urban Worlds. Ph.D. dissertation, University of Texas at Austin]. Dez anos depois, havia muitos jovens pesquisadores dos E.U.A. e Europa estudando no Recife, junto a muitos estudiosos brasileiros jovens do próprio Recife e de outras partes do Brasil. Uma variação numa velha piada antropológica: a típica banda mangue inclui um vocalista, um guitarrista, baixista, baterista, duas ou três alfaias, scratch e um etnomusicólogo.

Um sinal dramático da mudança no status de Recife de periferia para centro são os festivais, como o Abril pro Rock e o Rec-Beat, que apresentam bandas locais com artistas conhecidos nacional e internacionalmente. Estes festivais são cruciais porque dão visibilidade a bandas que não contam com muita execução local, por uma série de razões complexas. Eles criaram e ajudaram a manter um senso coletivo de cena local, uma comunidade de músicos, produtores e fãs. A cena é bem ativa no restante do ano, mas a atividade ocorre mais em eventos pequenos, ou em viagens pelo Brasil e exterior. Os festivais do Recife são lembretes regulares do tamanho coletivo da cena da música alternativa, da diversidade de estilos que representa, e da disposição de seus fãs para acompanhar programações longas e variadas. Isto confirma o fato lembrado com freqüência, de que mangue não é um som, um ritmo, um estilo: mangue significa diversidade. No Rec-Beat de 2001, por exemplo, ouvi shows de Otto, Devotos, Faces do Subúrbio, DJ Dolores, Via Sat, Cordel do Fogo Encantado, Silvério Pessoa e muitas outras bandas. O festival Abril pro Rock de 2001 foi também diversificado. Vi shows da Nação Zumbi com Lia de Itamaracá, Mundo Livre S/A, Asian Dub Foundation, O Rappa e Ratos de Porão. Obviamente estas não são todas bandas "mangue"; a questão é a atração dos públicos recifenses de festival por uma gama diversificada de músicas.

Meu interesse no relacionamento entre a nova cena com a indústria musical e a política governamental está ligado a uma vontade de entender como a globalização é vivida localmente. A globalização não é um processo só; é uma onda descontínua que se experimenta de modo diferente pelos indivíduos. O derrame de produtos culturais produzidos em massa é um dos aspectos dela. Outro é a reafirmação daquilo que é local e único. Este segundo aspecto é mais destacado na cena do Recife. Os líderes das bandas principais estão entre os observadores culturais mais informados e articulados que já conheci. Eles desenvolveram filtros sensíveis para consumir uma gama diversificada de música global e informação sem perder sua identidade e senso de raiz, de compromisso com Recife e áreas circundantes e sua cultura que brota. Utilizaram a democratização de tecnologia que acompanha a globalização para espalhar notícias do que acontece em Recife, através de CDs independentes e sites da internet.

Talvez mais importante, eles trabalharam com uma gama larga de patrocinadores privados e governamentais para obter apoio em projetos de gravação e festivais. A globalização é às vezes apresentada como dominação dos mercados locais por produtos uniformes impostos por corporações multinacionais. Ao estudar os patrocínios de festivais, entendi que órgãos privatizados recentemente e companhias de telecomunicação estão entre os que mais patrocinam a cena alternativa do Recife. Anúncios da Celpe, BCP e TIM, por exemplo, são comuns nos festivais. Este apoio vem através da Lei de Incentivo à Cultura, aquela sistemática controvertida com que artistas e produtores obtêm o direito de captar recursos na forma de percentuais de desconto em imposto, que podem ser destinados ao patrocínio de eventos específicos. Mesmo tendo esta lei produzido uma classe de produtores profissionais que usam o sistema para benefício privado, fez acontecerem muito mais projetos do que seria possível de outra maneira.

Um ponto forte de continuidade entre o Mangue Beat e a cultura popular é o papel social do performer. Nos dois cenários o artista está tentando ser algo mais do que um animador. E pode ser visto, nos dois lados, tentando trazer uma forma de verdade pessoal à performance: as toadas improvisadas de Inácio Lucindo entre cenas do cavalo-marinho, as letras imaginativas de Chico Science e Jorge Du Peixe, inspiradas na vida diária em Recife, as palestras de Fred 04 sobre dominação corporativa e a valorização do que é popular e autêntico de verdade. É uma visão pós-moderna da verdade, que se pode tocar tanto em letras de músicas e poesia quanto em estudos científicos. De fato, seria possível considerar o movimento mangue como uma resposta estendida à idéia de que o Recife é um lugar com baixa qualidade de vida, porque as unidades de medida que levaram a essa visão não incluíram o potencial para criatividade cultural. Você preferiria morar numa cidade segura e limpa com uma vida cultural limitada ao que a mídia traz—em outras palavras, sem música ao vivo, sem música tradicional—ou numa cidade em que, apesar dos problemas, há muitas expressões de música tradicional e popular pouco vistas em outros lugares? Muitas pessoas se orientam pela segunda idéia, que Recife representa. A conexão entre turismo e cultura popular é um fato importante nesta discussão, e disso não vou poder dar conta. Turismo depende de beleza natural, história e cultura, e a renovação de interesses e apoios para a cultura popular tem ligação importante com a indústria do turismo no Recife e região.

A revalorização geral da cultura popular inspirada pelo movimento mangue se estende além daqueles estilos tradicionais que as bandas revigoraram. O forró pé-de-serra vinha atraindo muito interesse da parte de público mais jovem durante minha estada em Recife em 2000-1. Na casa de Arlindo dos Oito Baixos, por exemplo, havia todos os domingos forrós que atraíam muitos músicos locais, seus amigos e vizinhos, e uma coleção variada de estudantes e gente de fora.

Há muito mais para ser dito sobre o relacionamento entre o Mangue Beat e a cultura popular, como a nova música do Mundo Livre S/A, "O outro mundo de Xicão Xukuru", que fala de um líder indígena assassinado. Para caber no meu espaço destinado, no entanto, vou completar com observações pessoais que devem reforçar aquela idéia básica: o resultado mais importante, em minha opinião, das colaborações entre participantes do movimento mangue e artistas da cultura popular foi uma mudança de valores, atitudes e auto-estima. Estas mudanças se acompanharam de muitas outras mudanças práticas, como mais oportunidades para tocar e gravar. Mas as mudanças mais fundamentais acontecem na maneira como artistas e públicos se vêem a si mesmos.

Antes do movimento mangue, eu tinha a sensação de que os artistas tradicionais se viam como uma herança morrendo. A pessoa que comunicou esta impressão de modo mais contundente foi o Mestre Batista velho: suas tradições—cavalo-marinho, maracatu rural—estavam em declínio por causa do estilo de vida que as sustentava. Ou seja, a vida rural centrada em trabalho agrícola dando condições não apenas para a sobrevivência, mas para uma margem de lazer que permitia às pessoas cultivarem tradições de música, poesia, dança e vestimenta, estava se tornando coisa do passado. Os trabalhadores rurais que antes trabalhavam nos canaviais em troca de uma casa e espaço para um roçado com que subsistir na entressafra, estavam agora sendo pagos em dinheiro e forçados a viver nas cidades da Zona da Mata Norte, sem acesso a plantio quando não havia serviço. As artes tradicionais estavam atreladas a este processo. Terminei meu estudo de cavalo-marinho em 1991 convencido do valor e riqueza dessa tradição, mas sem confiança em sua duração futura porque parecia haver tão poucos jovens interessados em aprender.

Dez anos depois minhas percepções foram bem diferentes. Brincantes tradicionais ainda lutavam para se manter, é verdade, mas sob outras condições. Havia muito mais brincantes jovens aprendendo música tradicional, e muito mais jovens interessados em ouvir. Os artistas do Mangue Beat demonstraram que é legal conhecer a cultura popular de sua própria área, e mais legal ainda ir além de um simples "resgate" de uma tradição local, por meio de uma nova postura que combina visão da tradição e um gosto bem seletivo de produtos culturais de toda parte.

Músicos tradicionais aceitaram essas mudanças com facilidade surpreendente, ao menos pareciam. Acompanhei o rabequeiro Luiz Paixão numa viagem à Flórida para participar em uma conferência acadêmica sobre música Latinoamericana. Ele parecia tão confortável ali quanto em casa na Mata Norte. Como o vocalista Biu Roque, ele viaja regularmente a São Paulo para gravações e apresentações, muitas vezes arranjadas por Siba. Mesmo o velho Mané Pitunga, rabequeiro e construtor de rabecas, viajou a São Paulo para uma mostra de seu trabalho organizada por Gustavo Pacheco. O rosto de Mestre Salustiano apareceu em cartazes por toda a cidade. Em minha primeira viagem acompanhei suas apresentações para um público modesto na Casa da Cultura e no Sítio da Trindade, e na rua em frente à sua casa. Na minha segunda permanência ele tocou no Rock in Rio. Ele agora tem dois espaços de apresentação próximos a sua casa, faz e vende rabecas, é tema de constantes entrevistas com jornalistas e estudantes, e muitos de seus filhos são também brincantes importantes.

Tomadas em conjunto, essas mudanças de valores, atitudes e auto-imagem reorganizaram meu modo de pensar sobre a cultura popular do Recife e entorno. Em 1990-91 eu a via como excepcionalmente rica, mas ignorada ou desprezada pela grande maioria das pessoas do grande Recife, que em seu lugar consumia música popular nacional e internacional ou TV. Em resumo, Recife parecia uma periferia com algumas tradições orais interessantes mas não muito mais para se admirar. Dez anos depois, penso no Recife como centro de um mundo cultural do qual eu gostaria de fazer parte a longo prazo. Estou bem feliz em ver que o assunto que considerei de interesse de especialistas é agora algo em que muita gente se interessa, não só como consumidores mas como participantes ativos. Uma razão principal para isso é a interação contínua entre músicos inspirados pelo movimento mangue e as muitas tradições vivas de cultura popular.

O Autor

John Murphy é etnomusicólogo, músico (sax tenor), tocador aprendiz da sanfona de oito baixos, e professor aposentado de Jazz Studies na University of North Texas, EUA. Seu email é murphy@unt.edu.

Mangue Beat and Popular Culture

John Murphy

An essay written in Sept. 2003 for the forthcoming book A Maré Encheu, organized by Renato Lins, which documents and commemorates 10 years of the Mangue movement in Brazil. Currently being translated into Portuguese by André Bueno.

I have been invited to write on the relationship between Mangue Beat and popular culture. Since I am an ethnomusicologist and musician, my discussion of popular culture will focus on musical aspects of popular culture, especially those aspects of it that I was able to experience during the times I have lived in Recife. I hope that other contributors to this volume will comment on the relationship between the mangue movement and theater, dance, artes plásticas, literature, and film and video.

My involvement with the music and culture of Recife and surrounding areas began in 1989, when I arrived to study Portuguese in preparation for doing research on cavalo-marinho (I had become interested in cavalo-marinho after reading about bumba-meu-boi and discovering the works of Mário de Andrade as a graduate student at Columbia University). I returned with my family and lived in Recife for a year in 1990-1991. During this time I attended many performances of cavalo-marinho and other kinds of traditional music in Recife and in the Zona da Mata Norte, interviewed many artists and others involved with traditional music, and did archival research in Recife and São Paulo. During that time saw Mestre Salustiano and his family group perform cavalo-marinho at the Sítio Trindade and the Casa da Cultura. In July 2003 I saw him (and many others) perform at Lincoln Center in New York City—but that is getting ahead of my story. I also experienced life in Recife during pre-Mangue Beat era, that mythical time—in what has become the standard narrative—when Nothing Was Happening. I was living in Recife when the famous report appeared that listed Recife as the fourth worst city to live in in the world.

I am not the most reliable witness for what has happening in popular music during that year. In order to cope with the flood of information and sensory impressions (I knew about large cities, having lived in New York City during the previous four years, but Recife was a new style of large city for me), I limited my focus to traditional music in general and cavalo-marinho in particular. I knew there were shows by popular music artists at the Centro de Convenções, but beyond that I knew little. There was no Abril pro Rock, no Rec-Beat, no scene happening in Recife Antigo. No doubt there was much that interesting and creative going on. I heard about some of it at the end of my stay, when Siba, with whom I had traveled to the interior during my research to hear cavalo-marinho and maracatu rural, visited my house in Várzea with some friends who were combining maracatu with thrash metal. But I was not aware of the people who were listening to rap and break-dancing, like Chico, or listening to punk, like Fred04, or watching MTV, which was beginning to be broadcast around that time (back when MTV still showed music videos), or scouting the bookstore at the airport for the latest music magazines from abroad. For me the Recife music scene consisted of traditional music, in its folklorized and "authentic" forms, forró, some uninteresting rock, and classical music.

I ended up learning a lot about cavalo-marinho and the cultural, historical, and political contexts that it was enmeshed in—and not much else. I was not aware of the total change in attitudes that was soon to happen in Recife. Back then, it seemed to me that the only people who were interested in popular culture were of course the artists themselves, like Mestre Salustiano, who sustained the tradition by great personal effort; those professionally involved in folklore, like Ariano Suassuna (who helped me get started in my research by writing a letter about the importance of Mestre Salustiano's work and noting that the rabeca was an instrument apparently in decline [Nota: Numa carta de 8 julho 1989, ele escreveu: "Atualmente, no Grande Recife, não se pode encontrar grupo de Bumba-meu-Boi melhor do que o do Mestre Salustiano. As razões que me leva, a falar assim são muitos. […] Em primeiro lugar, existe, no grupo, um tocador de rabeca, fato que vai ficando cada vez mais raro".]), Leda Alves, Mário Souto Maior, and Roberto Benjamin, who used their influence to direct resources to the traditional performers, just as Hermilo Borba Filho and many others had in the past; artists like Antonio Carlos Nôbrega, Antonio José Madureira, and Antúlio Madureira, who were inspired in their artistry by popular culture; the rural audiences, who grew up with cavalo-marinho, mamulengo, ciranda, coco, and maracatu rural e de nação; a small segment of the middle class, who recognized the value of popular culture; and diverse urban audiences of tourists and others who encountered popular culture at the Casa da Cultura and through performances by the Balé Popular do Recife at the Centro de Convenções. There wasn't, in other words, any significant interest on the part of the youth of the city in popular culture that I could see publicly. I knew there must have been individual young people who became fascinated with local popular culture, but there was no mass youth audience. Popular culture was a minority interest. This is a personal impression that I expect other witnesses to contradict. When Siba and I stayed up all night in December 1990 watching O Cavalo-Marinho de Inácio Lucindo da Silva in Condado, the only other younger people there who weren't local residents were members of Mestre Salustiano's family and their friends. The same is true (as far as I can remember) of the first night we spent at a rehearsal of maracatu rural at the house of Mestre Batista, in Chã de Camará, near Aliança, in November 1990.

When my research was finished in 1991, I returned to the U.S. to write my dissertation and look for a job. Siba continued to study traditional music intensively, and began to acquire the great facility as a rabequeiro, vocalist, and poet that he continues to show today, and eventually formed Mestre Ambrósio with a group of friends. He helped me keep informed about developments in Recife through letters and CDs. I was not able to return to Recife until 1996, however, and this gap is the main reason why my impressions of the Recife scene are so sharply divided between Before and After. This was the time of the Soparia. I was in Recife when Afrociberdelia was released. I began to be aware of Mundo Livre S/A, and to begin to distinguish between the different contributions made to this new movement called mangue by CSNZ and MLSA (who I knew were considered the core bands of the movement) and Mestre Ambrósio (who I knew got grouped together with everything mangue in the press but had a different approach [uma proposta diferente]). It seemed like Recife had been transformed from Quarta Pior Cidade Para Se Morar Do Mundo into the most happening musical scene in Brazil. A nowhere on the periphery had become a center.

In an essay on the relationship between Mangue Beat and cultura popular by an ethnomusicologist, it would be reasonable to find detailed discussions of the use of specific genres of traditional music in specific songs by bands that are part of the mangue movement. There is much to say about the presence of coco, maracatu de baque virado e de baque solto, and embolada in the music of CSNZ, about the samba filtered through Jorge Benjor in the music of MLSA, about cavalo-marinho, maracatu rural, coco, and cantoria in the music of Mestre Ambrósio; about the instruments that have gained new prominence through the work of mangue bands: alfaia, cavaquinho, rabeca, sanfona de oito baixos, a gaita e os chocalhos dos Caboclinhos; about the renewed interest in dancing ciranda and coco, and that new circling-fighting dance that is seen at hardcore shows; about the unleashing of tremendous linguistic creativity by studying and emulating the improvised poetry, vocal timbres, and regional pronunciations dos emboladores, dos mestres de maracatu, dos toadeiros de cavalo-marinho, dos poetas populares—think of the verbal artistry of Chico Science e Jorge do Peixe (check spelling), Fred04, Siba, (singers of Faces do Subúrbio), Silvério Pessoa, Canibal, Lirinha (who will publish the Anthology of Mangue Poetry?)—but this kind of detailed listing of influences of cultura popular would go beyond the space I have been given in this anthology. Other authors have begun this catalog. See Philip Galinsky's dissertation for some examples [Nota: Galinsky, Philip. 2002. Maracatu Atômico: Tradition, Modernity, and Postmodernity in the Mangue Movement and the "New Music Scene"of Recife, Pernambuco, Brazil. New York: Routledge.]. For a discussion of Mestre Ambrósio's relationship with popular culture, see my article, "Self-Discovery in Brazilian Popular Music: Mestre Ambrósio" [Nota: In Brazilian Popular Music and Globalization, edited by Charles Perrone and Christopher Dunn (University Press of Florida, 2001, pp. 245-57; repr. Routledge 2002).]

I consider the close relationship between Mangue Beat and cultura popular in terms of artistic materials and ways of working to be familiar to many readers of this anthology. If not, you can simply listen. Now there many recordings of the traditional musics that Mangue artists have been inspired by. The fact that these recordings exist is one important sign of a change in attitudes with respect to popular culture. This change in attitudes, particularly the way I have witnessed it in Recife, is my main topic.

I returned to Recife to live for a year in 2000-1, ten years after the first year I had lived there. My topic this time was the interrelationship of global and local styles in the music of the nova cena recifense, and the relationship between "alternative" artists and the music business and the politics of culture. This is the subject of my book in progress. I presented a small part of my findings at O I Encontro da Associação Brasileira de Etnomusicologia in Recife in November, 2002. My paper dealt with the small presence of the music of the nova cena in the local media and the attitudes and practices that are responsible for this.

The contrast between my two years was dramatic. Ten years earlier, I felt like I was researching a tradition (cavalo-marinho) that few people cared about. In 2001, cavalo-marinho was the special focus of the third edition of Pernambuco em Concerto, produced by Africa Produções. Cavalo-marinho groups like the one led by Grimário, a young mestre, performed for young audiences in Recife Antigo, and at the UFPE. When I went to the country to see performances of cavalo-marinho, I met lots of young people, some from Recife, some from the South, who were deeply interested in traditional music, not merely as fans but as performers. These young people were inspired by what the Mangue pioneers had discovered: that far from being a stagnant backwater, Recife and its surrounding areas were tremendously rich in musical diversity, and whether it was combined with the latest global styles or cultivated on its own, this diversity had the potential for endless new creations.

What I experienced, in short, was the much-discussed increase in self-esteem [auto-estima] that was created when the mangue movement attracted so much national and international attention to the highly diverse and creative Recife music scene. Even people who didn't like the music of the nova cena were proud of the attention it attracted. There was too much good music happening for any one individual to take in. There were large, youthful audiences for festivals and single programs that combined new bands with the traditional musicians who had inspired them. The yearly Acorda Povo series, for example, is an excellent example of the commitment that mangue artists have to working with young people in Grande Recife.

When I began my research in the late 1980s, I knew a few other foreign scholars who had studied the music of Pernambuco, including Katarina Real [Nota: Katarina Real. 1990. O folklore do Carnaval do Recife. Recife: Editora Massangana.] and Larry Crook. [Nota: Crook, Larry. 1991. Zabumba music from Caruaru, Pernambuco: Musical Style, Gender, and the Interpenetration of Rural and Urban Worlds. Ph.D. dissertation, University of Texas at Austin.] Ten years later, there were many young researchers from the U.S. and Europe studying in Recife, who joined many young Brazilian scholars from Recife itself and other parts of Brazil. A variation on an old anthropological joke: the average mangue band includes a vocalist, guitarist, bassist, drummer, two or three alfaias, o scratch—and an ethnomusicologist.

One dramatic sign of the change in Recife's status from periphery to center are the festivals, such as Abril pro Rock and Rec-Beat, that feature local bands along with nationally- and internationally-known artists. These festivals are crucial because they provide exposure to bands that do not receive much local airplay for a variety of complex reasons. They have created and helped to maintain a collective sense of a local scene, a community of musicians, producers, and fans. The scene is very active during the rest of the year, but most of the activity happens in small events, or on tours elsewhere in Brazil or abroad. The Recife festivals are regular reminders of the collective size of the alternative music scene, the diversity of styles it represents, and the willingness of its fans to listen to long and highly diverse programs. This confirms the frequently-noted fact that mangue is not one sound, one rhythm, one style: mangue means diversity. At Rec-Beat in 2001, for example, I heard shows by Otto, Devotos, Faces do Subúrbio, DJ Dolores, Via Sat, Cordel do Fogo Encantado, Silvério Pessoa, e muitos outras bandas. The Abril pro Rock festival of 2001 was just as diverse. I saw shows by Nação Zumbi (com Lia de Itamaracá), Mundo Livre S/A, Asian Dub Foundation, O Rappa, and Ratos de Porão. Obviously, these are not all "mangue" bands; the point is that Recife festival audiences are interested in a diverse range of musics.

My interest in the relationship of the nova cena to the music industry and government policy is related to an interest in understanding how globalization is experienced locally. Globalization is not one process; it's an uneven trend that is experienced differently by each individual. The spread of mass-produced cultural products is one aspect of it. Another is the reaffirmation of what is local and unique. This second aspect is more prominent in the Recife scene. The leaders of the main bands are some of the most informed and articulate cultural observers I have ever met. They have developed sensitive filters in order to consume a highly diverse range of global music and information without losing their identity and their sense of rootedness and commitment to Recife and surrounding areas and the culture that grows there. They have used the democratization of technology that has accompanied globalization to spread news of what happens in Recife by means of independent CDs and web sites.

Perhaps most importantly, they have worked with a wide range of corporate and government sponsors to get support for recording projects and festivals. Globalization is sometimes presented as the domination of local markets by uniform products imposed by multinational corporations. By studying the sponsorship of festivals, I learned that recently-privatized utilities and new telecommunications companies are among the leading sponsors of festivals that help sustain Recife's alternative scene. Banners advertising Celpe, BCP, and Tim, for example, are common at festivals. This support comes by means of the Sistema de Incentivo à Cultura, that controversial system by which artists and producers earn the right to secure funds [captar recursos] in the form of tax payments that can be designated to support specific events. Even though this system has produced a class of professional producers who use the system for private benefit, it has made many more projects happen than would be possible otherwise.

A strong point of continuity between o Mangue Beat e a cultura popular is the social role of the performer. In both arenas, the artist is trying to be something more than merely an entertainer. Both can be seen as trying to bring a personal form of truth to the performance: Inácio Lucindo's improvised toadas between scenes of cavalo-marinho, Chico Science and Jorge du Peixe's imaginative lyrics inspired by everyday life in Recife, Fred 04's palestras about corporate domination and the valorization of what is truly popular and authentic. It's a postmodern kind of truth, which can be conveyed just as much in song lyrics and poetry as it can in scientific studies. In fact, one could consider the mangue movement as an extended response of the idea that Recife is a place with a low quality of life, because the units of measurement that led to the designation did not include the potential for cultural creativity. Would you rather live in a safe, clean city with a cultural life limited to what the mass media brings (no live music, no traditional music, in other words), or a city that, despite its problems, is full of traditional and popular musical expression that can't be found anywhere else? Many people are drawn by the latter idea, which Recife represents. The connection between tourism and popular culture is an important thread in this discussion that I will not be able to pursue. Tourism depends on natural beauty, history, and culture, and the renewal of interest in and support for popular culture has important connections with the tourist industry in Recife and surrounding areas.

The general revalorization of popular culture inspired by the mangue movement extends beyond those traditional styles that the new bands have drawn on. Forró pé-de-serra was attracting much interest on the part of younger audiences during my stay in Recife in 2000-1. At the house of Arlindo dos Oito Baixos, for example, there were weekly Sunday evening forró parties that drew many local musicians, their friends and neighbors, and a diverse collection of students and foreign visitors.

There is much more to be said about the relationship between o Mangue Beat e a cultura popular, such as the new song by Mundo Livre S/A, "O outro MMundo de Xicão Xukuru," which speaks about an assassinated Indian leader. In order to fit within my assigned space, however, I'll close with some personal observations that are intended to reinforce my main point: the most important result, in my opinion, of the collaborations between participants in the mangue movement and artists of cultura popular has been a change in values, attitudes, and self-esteem. These changes are accompanied by many other practical changes, such as increased opportunities for performance and recording. But the most fundamental changes happen in the way artists and their publics view themselves.

Before the mangue movement, I had the feeling that traditional artists viewed themselves as a dying breed. The person who communicated this impression most forcefully was the late Mestre Batista: his traditions (cavalo-marinho, maracatu rural) were in decline because the way of life that supported them—the rural life centered around agricultural work under conditions that allowed not only for survival but for some margin of leisure that allowed people to cultivate traditions of music, poetry, dance, and costume—was becoming a thing of the past. Rural workers who used to work in the sugar cane fields in exchange for a house and land to farm to get them through the entressafra, were now being paid in money and forced to live in the towns of the Zona da Mata Norte, with no access to land to sustain them when there was no work. The traditional arts were casualties of this process. I ended my study of cavalo-marinho in 1991 convinced of the value and richness of that tradition, but not confident that it would continue far into the future because there seemed to be so few young people interested in learning it.

Ten years later, my perceptions were drastically different. Traditional performers still struggled to sustain themselves, it is true, but they did so under very different conditions. There were many more young performers learning traditional music, and many more young people interested in listening to them. The artists of Mangue Beat had demonstrated that it is cool to know about the cultura popular of your own area, and even cooler to go beyond a simple "rescue" [resgate] of a local tradition by making a new personal statement that combines an awareness with tradition with a highly-selective taste for cultural products from everywhere.

Traditional musicians accepted these changes with surprising ease—or seemed to. I accompanied rabequeiro Luiz Paixão on a trip to Florida to participate in an academic conference on Latin American music. He seemed just as comfortable there as he was back home in the Zona da Mata Norte. Like singer Biu Roque, he regularly travels to São Paulo for recordings and performances, most often arranged by Siba. Even the late Mané Pitunga, rabequeiro and maker of rabecas, traveled to São Paulo for an exhibition of his work that was organized by Gustavo Pacheco. Mestre Salustiano's face appeared on billboards all over the city. On my first trip I watched him perform to small audiences at the Casa da Cultura, at Sítio Trindade, and in the street in front of his house. During my second trip, he performed at Rock in Rio. He now has two performance spaces near his house, makes and sells rabecas, and is the subject of constant inquiries by journalists and students, and many of his children are important performers as well.

Taken together, these changes in values, attitudes, and self-image have totally revised the way I think about cultural popular in and around Recife. In 1990-1 I thought of it as exceptionally rich, but ignored or put down [ignorada, desprezada] by the great majority of people in grande Recife, who mostly ignored it in order to consume national and international pop music or TV. In short, Recife seemed like a periphery with some interesting oral traditions but not much else to admire. Ten years later, I think of Recife as the center of a cultural world that I would very much like to be part of over the long term. I am very happy to see that what I had once considered a topic that was of interest to a group of specialists is now something that many people are interested in, not merely as consumers but as active participants. A principal reason for this is the continuing interaction between musicians inspired by the mangue movement and the many living traditions of popular culture.

The Author

John Murphy is an ethnomusicologist, musician (tenor sax), apprentice player of the eight-bass button accordion, and retired professor of jazz studies at the University of North Texas.

Um Nordeste Alternativo: A nova cena do Recife (An Alternative Northeast: The new music scene of Recife)

Paper presented at the first conference of the Brazilian Ethnomusicology Association in Recife in November, 2002.

Um Nordeste Alternativo: A nova cena do Recife

John Murphy, University of North Texas

Trabalho apresentado no I Encontro da Associação Brasileira de Etnomusicologia, Recife, Novembro de 2002

Tendo pesquisado a música tradicional da Zona da Mata Norte, principalmente o cavalo-marinho, antes do início do movimento mangue, e tendo seguido o seu desenvolvimento de longe, voltei ao Recife em 2000 e 2001 para pesquisar a relação entre o regional, o nacional, e o internacional na música da nova cena. Estava querendo também questionar os termos do debate, vendo, por exemplo, o interesse na globalização como um aspecto local das elites acadêmicas. Assisti a eventos que representavam todos os segmentos da chamada cena alternativa, e tentei falar com membros de todos os grupos que participam dela: artistias, públicos, produtores, patrocindores, jornalistas, e lojistas, para melhor entender as idéias e os interesses de quem trabalha para levar a cena alternativa à frente.

Os resultadas da minha pesquisa podem ser caracterizados como um grupo de discursos ou de textos: textos musicais, entrevistas, artigos, notas de capa de disco, documentos internos de empresas, e conversas, experiências, e eventos musicais que transformei em textos. Se trata de uma textualidade heterofônica, onde os discuros concordam e discordam, onde eles usam as mesmas palavras—"qualidade," por exemplo—em sentidos opostos. Os atores da cena trabalham dentro de, e muitas vezes contra, estruturas de vários tipos: o mercado fonográfico, o sistema de radio FM, o sistema de incentivo à cultura, o sistema de classificação da Ordem Brasileiro dos Músicos, e a mídia de jornal e de revistas especializadas. Quem quiser escrever sobre a cena alternativa trabalha também com uma estrutura disciplinária: no meu caso, a da etnomusicologia, com as suas categories de música tradicional, popular, e erudite, e seus conceitos de cultura, sincretismo, fusão, e misturas híbridas de culturas musicais. É uma estrutura que cria, pelo menos dentro deste pesquisador, o sentido ansioso de que qualquer tentative de traduzir a energia e a diversidade da cena em linguagem acadêmica vá acabar descaracterizando-a.

Apesar destas ansiedades, me sinto muito contente em estar com vocês para pensar coletivamente sobre as cenas urbanas novas, e resolvi usar os três temas da nossa sessão temática para falar sobre alguns dos discursos que emergem da minha pesquisa. Vou terminar com algumas palavras sobre a questão de em que sentidos a nova cena pernambucana fornece idéias que podemos usar para pensar "um nordeste alternativo."

Meu primeiro caso tem a ver com a idéia de música "regional" e como se articula ou não com as de música "nacional" ou "internacional." Em novembro de 2000 eu consegui, através do gerente de uma loja de discos no centro do Recife, a Aky Discos, que fazia parte da maior rede do Nordeste, a lista dos CDs mais vendidos durante o mês de outubro no Recife, Caruaru, e Petrolina. Com muita gentileza, o gerente indicou o estilo de cada CD, ligeiramente, sem hesitação. Vou deixar uma pausa para vocês descobrirem o fato que achei esquisito na sua classificação.

Os Mais Vendidos, 01/10/00 – 30/10/00 Loja de discos no Recife Centro MPB (18) Jorge Vercilo (1), Gilberto Gil (4), Marisa Monte (7), Jura Figueiredo (8), Djavan (23), Benito de Paula (25), Simone (29, 78), Renato Vargas (43), Zeca Baleiro (51), Gonzaguinha (54), Zé Ramalho (56, 83), Alceu Valença (65), O Som do Barzinho, vol. 4 (71), Nana Caymmi (72), Fagner (93), Emílio Santiago (94), Paulo Diniz (99), Geraldo Azevedo (100) Pagode (13) Belo (3), Jorge Aragão (5), Art Popular (14), Exaltasamba (22, 24), Noite Ilustrada (26, 44), Pique Brasileiro (28), Os Travessos (31), Grupo Molejo (34), Leci Brandão (36), Zeca Pagodinho (40), Alcione (70), Ginga e Malícia (73), Os Melhores do Ano vol. 2 (95) Brega (11) Banda Labaredas (2, 17), Banda Paixão Brasileira (6), Paulo Márcio (10), Robson Ricardo e seus Teclados (15), Banda Camelô (16), Banda Lumina (20), Reginaldo Rossi (21), Banda Só Brega (35), Banda Calypso (42), Banda Chamas de Paixão (62), Augusto Cesar (75) Rock Nacional (6) Leonardo (39), Legião Urbana (59), Engenheiros do Hawaii (60), Renato Russo (67), Fábio Jr. (76), Wando (86) Forró (5) Caviar com Rapadura (12), Eliane (33), Frank Aguiar (58), Banda Magníficos (68), João Bandeira (90) Pop Nacional (5) KLB (13), Sandy e Júnior (18, 27, 66, 91), Lulu Santos (82), RPM (84), Edson Cordeiro (92) Regional (5) Chico Science & Nação Zumbi (19), Ivanildo Vila Nova (38), Caju e Castanha (45), Marrom Brasileiro (80), Jeison Wallace (89) Axé (4) É o Tchan (41), Araketu (63), Terra Samba (85), As Meninas (88) Sertaneja (3) Zezé di Camargo e Luciano (52), Chitaozinho e Xororó (74) Pop Internacional (3) Britney Spears (64), N Sync (81), Backstreet Boys (87) Coletânea Nacional (de Novela) (3) Laços de Família (30), Uga Uga (49), Suave Veneno (77) Velha Guarda (2) Altemar Dutra (50), Nubia Lafayette (69) Infantil (2) Eliana (32, 53), Xuxa (48) Jovem Guarda (2) The Fevers (55), The Pop’s (61) CD Presente (9, 37) Rock Internacional (1) Red Hot Chili Peppers (11) Coletânea Internacional (1) Pecado Capital Internacional (97) Dance Internacional (1) Aqua (46) Piada (1) Zé Lezin da Paraíba (47, 96) Reggae (1) Edson Gomes (79) Religioso (1) Padre Marcelo Rossi (57) Sem categoria Peppino di Capri (98) A banda cujo CD de estreia o jornalista Marco Frenette, escrevendo na revista Bravo deste mês (Nov. 2002), chama de "o primeiro album de rock brasileiro," a banda que Ben Ratliff, do New York Times, chamou de "the greatest rock band in the world" (a maior banda de rock do mundo), numa crítica do festival Abril pro Rock de 2001, foi colocado na categoria "regional" e não a de "rock nacional."

Sei que se trata somente de uma loja, mas serve como um exemplo de uma estrutura conceitual que foi identificado em diversas entrevistas com artistas da cena como um fator que limita sua participação no mercado nacional: a dificuldade que a música nordestina enfrenta para ser considerada música nacional. A dificuldade fica ainda maior quando a música não seja altamente commercial, ou não conforme os estereótipos da música nordestina.

O segundo tema da sessão pergunta como tem interagido o incremento de produções fonográficas e as transformações da auto-percepção de músicos e público urbano. Minha abordagem a este tema vai se concentrar nas rádios locais e na distribuição de CDs. A auto-percepção dos artistas e do segmento do público que participa da cena está alta quando se fala em termos da qualidade musical, sonora, e gráfica dos CDs, que são regularmente elogiados nos jornais e revistas locais (e às vezes nacionais e internacionais) e nos sites dedicados ao mangue. Os produtos mais recentes mostram que a potencialidade criativa da cena está longe de ser esgotada.

Quando se fala da distribuição dos CDs, a palavra "esgotada" é muito apta. Sejam independents ou lançados por gravadoras nacionais, os discos chegam nas lojas em pequenas quantidades e se esgotam logo. Vinte e cinco cópias do novo disco da Nação Zumbi, por exemplo, lançado pela Trama, chegaram na loja CD Rock, que serve como arquivo público da cena, e foram vendidos no mesmo dia. Eu consegui uma cópia só por aluguel. Elcy Oliveira, o dono da loja, disse recentemente que 80% do seu negócio vem do aluguel de CDs. É comum os artistas procurarem lá cópias dos seus próprios discos que não encontram mais à venda. Durante o Abril pro Rock de 2001, por exemplo, Fred 04 do Mundo Livre S/A procurou o novo CD do grupo, Por Pouco, nas lojas da cidade inteira sem sucesso, e disse que o gerente de uma loja explicou a falta dizendo que a loja estava inadimplente com as gravadoras e não podia mais solicitar CDs.

Quando se fala da presença da música da cena nas radios locais a palavra apta seria "inaudível," ou quase. De todos os assuntos que apareceram nas entrevistas que fiz com artistas, a questão das rádios locais foi o mais comentado. O comentário de Lúcio Maia da Nação Zumbi pode servir como um exemplo:

Sem você tocar em radio, fica complicado você fazer show. Você não entra no mercado e aí fica complicado de você conseguir outras coisas que derivam disso.

A gente não espera pelas radios, entendeu?

É complicado, é muito difícil, entendeu? É por isso que a Nação Zumbi não conseguiu chegar, no Brasil, a um patamar de uma banda bem-sucedida, devido a isso. Sendo que, na Europa, e nos Estados Unidos, a gente sempre fica impressionado que as pessoas falam, "puxa, mas como você não toca em rádio? porque vocês não são sucessos do caralho?"

Devo assinalar logo que a situação melhorou recentemente graças a uma iniciativa do Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, Raul Henry, e o trabalho executivo de Bruno Lisboa, junto com o trabalho de Renato L., Pupilo, Paulo André Pires, e outros. O programa "Sintonize Pernambuco" conseguiu uma hora toda noite na Rádio Universitária para tocar a música da cena, e está atraindo uma audiência fiel; o tamanho da audiência ainda não sei. E há uma nova emissora na cidade, a Rádio Nova Brasil, que vem por satélite do Rio, que toca a música de Chico Science & Nação Zumbi de vez em quando. Meus dados de 2000 e 2001 mostram a ausência quase total da cena nas radios comerciais da cidade, e alguns motives por este fato. Se eu não estiver enganado, a situação nas radios comerciais continua no mesmo jeito.

Se fala muito que o tempo nas radios é comprado pelas gravadoras. O motivo da minha pesquisa nesta area foi verificar se isto realmente acontece, a aprender mais sobre os vários atores involvidos—diretores de programação, locutores, divulgadores, e o gerente do serviço de radio-escuta—e o caráter das idéias e do discurso deles. Consegui duas reportagens de radio-escuta que mostram as músicas mais executadas pelas radios FM do Recife. Durante a semana de 29 de janeiro até 2 de fevereiro, menos de um mês antes do Carnaval e o festival Rec-Beat, a lista das 270 mais executadas mostrou somente 4 da cena. "Alien" dos Devotos tocu 16 vezes, "Meu Esquema" do Mundo Livre S/A, 14, "Cinco Contra Um" da banda punk Matalanamão, 5, e "Daruê Groove" da Via Sat, 4, todas nas emissoras Cidades ou Transamérica. A música mais executada foi "Love By Grace," pela cantora belga Lara Fabian, que se estabeleceu no Canadá como a próxima Celine Dion, e grava pelas gravadoras transnacionais Sony, Columbia, Polygram e Polydor.

Uma lista das mais executadas durante a semana de 21 até 27 de abril, na época do Abril pro Rock, mostra nenhuma banda da cena. Uma lista só para o dia 27 mostra que "Maracatu Atômico" por CSNZ tocou uma vez na Rádio Cidades. A música número 1 foi "Milk and Toast and Honey" por Roxette, um duplo sueco, na EMI.

Isto acontece porque a pesquisa que pesa mais nas radios não é o livro de Zé Teles, Do frevo ao manguebeat, e sim o IBOPE, que classifica a audiência que reside no grande Recife em termos do consumo como classe A até classe E. O diretor de programação da rádio que estava em primeiro lugar na época explicou seu trabalho assim: ficar atento ao IBOPE e fazer algo se o número cair. O gerente de programação da radio que estava em segundo lugar na época faz uma conexão explícita entre estilos musicais e classe socioeconômico.

Atravès de uma pesquisa que nós fizemos, essa pesquisa mostrou que o público que ouve a radio ____, há um ano atrás, era um público não-consumidor. Era um público que não ia ao teatro, não ia ao cinema, não ia ao shopping. Um público extremamente pobre. E com isso a gente não conseguia atrair grandes anunciantes para a radio ____. Então que é que aconteceu? Após essa pesquisa nós tivemos que fazer uma mudança radical na radio. Nós mudamos todos os locutores, nós mudamos toda a plástica da radio, a plástica em termos de vinhetas. A programação musical também sofreu grandes alterações. Nós eliminamos o estilo musical brega, que é muito forte em Pernambuco. E nós hoje somos um radio popular, mas deixamos de ser uma radio popularesca.

Tocamos todos os estilos musicais, todos os gêneros musicais, só não tocamos o brega. Por que? Porque o brega realmente é um produto consumido por uma faixa de público que não interessa pela rádio. É exatamente esse público que não consome…

Esta emissora deixou de tocar a brega brasileira para tocar a brega internacional. A radio vai em busca do seu público em termos do seu nível de consumo. A nova cena atrai um público diversificado de acordo com seu nível de informação.

Um outro diretor de programação usa um discurso de qualidade para justificar suas escolhas.

A nossa programação, ela é voltada para o público A-B, o público adulto. Nossos ouvintes, na maioria eles tem no mínimo o segundo grau ou universitário. Pessoas com poder aquisitivo, com poder de decisão. A nossa programação é voltada para esse público, para esses ouvintes.

A nossa programação ela é basicamente, 70% dela é MPB. Os outros 30% são músicas internacionais.

Dentro dessa programação nacional, a gente procura valorizar muito o artista daqui, da terra, pernambucano, desde que tenha um trabalho de qualidade que se enquadra dentro do perfil da nossa programação."

Exemplos de artistas locais que entram na sua programação? André Rio, Nando Cordel, Jorge Vercilo, Marrom Brasileiro, João Alexandre

A empresa não fecha acordo com gravadora nenhum.

Ele lança um CD, e ele acha que você tem a obrigação de colocar o CD dele na rádio. Ele diz que é pernambucano, que gastou muito, e a radio tem que tocar. Só que normalmente…o artista quando faz um CD, ele acha que é a oitava maravilha do mundo, só porque foi ele que fez. Mas muitas vezes a qualidade é péssima. Só que é ele que está fazendo e não consegue ver isso, e um profissional consegue.

Se o artista produzir um CD de qualidade eu coloco aqui com o maior prazer. Seja ele quem for.

O cara pode ser o maior roqueiro do mundo. Se ele gravar uma música que se enquadra dentro do perfil da ____ eu vou tocar ele aqui.

Qualidade em termos de quê? A qualidade principalmente técnica.

Você toca algum instrumento? Não, infelizmente, não. Meu sonho era tocar um cavaquinho.

Você tem experiência em estúdio de gravação? Não. Na verdade, esse lado técnico, não.

Ele acha que está valorizando muito os artistas da terra. O problema é que a música da cena não cabe dentro do perfil da sua audiência bem-educada das classes A e B.

Um outro diretor de programação explicou como funciona o acordo entre a gravadora e a emissora (o chamado "jabá").

Às vezes vem brinde. Quando elas não mandam um brinde, elas mandam uma verba, e aí nós compramos o brinde através da verba transmudada. […] De cada gravadora, poderia ser executado, por dia, cinco músicas de cada gravadora. Porque na verdade essas gravadoras, quando elas mandam, ou fecham uma promoção com a gente de cinco músicas, por exemplo, essas músicas, obviamente, elas já vêm como um sucesso. São músicas tão forte. Por exemplo, diria, então tá aqui a nova música da Maria Bethânia, tá? Um exemplo. Mas ele já vem tão forte, que ela já não passa [indecifrável] promoção, porque ela já entra como um sucesso. Por quê é que ela entra como um sucesso? Porque é Maria Bethânia? Não. Porque a música é boa, da Maria Bethânia. Não é verdade? Isto não é uma novidade, o fato de que as gravadoras entram com essa… Não, isto não é novidade porque todas as rádios do Brasil, elas funcionam assim. Todas.

No meu país também.

É, claro. É aquele ditado, né, que uma mão lava a outra. Não é verdade? A rádio precisa de brinde. A emissora de rádio vive de mídias comerciais, não é verdade? Então mídia comerciais que é que tem que fazer? Tem que pagar os funcionários, tem que pagar…em fim, essas coisas. Tem contas a pagar. E o que vem de clientes de propaganda não paga…

Não dá para pagar assim brindes, porque seria muita coisa. Por exemplo: dois televisores por mês que a gente dá. Dois sons, entendeu? Máquina de lavar, mobília de casa. Então, as gravadora querem tocar. Querem tocar? Então manda a verba para comprar o brinde ou então [já traz o brinde(?) (indecifrável)]. Aqui, por exemplo, estou cansado de receber kit de brindes aí, dois mil reais de brinde. Vem muita coisa. Vem panela de pressão, faqueiro, ferro elétrico, som, TV, rádio-gravador, secador de cabelo. Então já vem a kit, com a nota fiscal. Em cima de cinco músicas, por exemplo, cinco produtos musicais.

Cinco músicas?

Daquela gravadora.

Vêm com verba promocional na faixa de dois mil?

Dois mil, três mil. Se varia muito.

Que financia cinco músicas por quanto tempo?

Trinta dias.

Cinco músicas, diariamente, cinco vezes?

Não. Duas execuções musicais por dia. De cada gravadora, duas execuções musicais de cada música das cinco. Ou seja, essa toca duas, essa toca duas, essa toca duas, duas e duas. Então, isto durante um período de trinta dias. Nesse período de trinta dias é renovada a promoção de novo.

E custa para a gravadora na faixa de dois mil até três mil? De dois mil até cinco mil, depende. Depende do mês, que a gravadora tem um certo respaldo, uma certa quantia para fechar. Diz, "Eu tenho uma verba, minha verba de hoje é tanto, é três mil." Aí tudo bem, fecha este mês [?na área de?] três mil. Mas no próximo mês, "Ô, minha verba tá curta, só vai ser dois mil." Então a gente faz, de qualquer jeito. Não tem nenhum problema.

O terceiro tema da sessão tem a ver com o papel nestas transformações de elementos extraídos de tradições musicais rurais. Os artistas da cena dão mais importância à transformação e à criação em vez da celebração ou a imitação das tradições locais, sejam rurais ou urbanas. A presença do maracatu no trabalho de DJDolores e Orquesta Santa Massa, por exemplo, não é simplesmente uma homenagem ou uma citação; é um fruto da colaboração entre DJDolores e Maciel Salustiano. Um outro exemplo seria o grupo do Siba, Fuloresta do Samba, que a gente ouviu ontem neste congresso.

A presença da poesia do sertão, e percussão do sertão e da capital, no trabalho de Cordel do Fogo Encantado é mais um exemplo deste processo. Lirinha, o vocalista principal, foi criado em Arcoverde e aprendeu a tradição oral pelo contato direto com os poetas (e não através dos folhetos). A percussão do Coco de Arcoverde e o pulso do tore da Comunidade Xucuru estão muito presentes no som da banda. Ao mesmo tempo, o percussionista Emerson Calado, também de Arcoverde, traz ao grupo a tradição mais nova do hardcore, do rock pesado. O interessante é que esta combinação é percebido como arcáico por um jornalista do Sul.

A gente se pergunta muito se a gente está preparado para explicar o que a gente está fazendo. Uma das nossas maiores dificuldades, o trabalho que a gente vem fazendo desde o início é de ter uma tendência de criação, de invenção, e procura trabalhar o menos possível a celebração de coisas já existentes.

A criatividade da gente, ela foi sempre estruturada na falta.

Eu acho que é uma formação muito brasileira.

Por ter essa falta a gente tenta, com os elementos que a gente tem, suprir essas faltas.

Essa entrada de uma guitarra, de um baixo, assusta muito a gente porque as coisas vem carregadas com culturas.

Mas a guitarra tem uma cultura, então você chamar um guitarrista, ele não vem só com o instrumento, a guitarra, ele vem com a cultura musical desse instrumento, que aí não é bem o que a gente está procurando hoje. E eu acho muito interessante isso, porque, por exemplo, algumas pessoas dizem que a gente faz um som do passado, um som arcáico, elogiando, algumas críticas assim, Folha de São Paulo, deu agora a nota máxima, a avaliação máxima para o disco da gente. E assim, todo o desenvolver da crítica do Pedro Alexandre Sanches era dizendo assim, que a gente eram meninos que estavam novos, que estavam fazendo um som arcáico, um som do passado. E isso é elogiando, assim, que legal… Eu acho que isso é carregado de um conceito cultural da percussão, é que a percussão é uma coisa que você não pode com a percussão fazer um som moderno, na visão do pessoal. A percussão tem em si uma carga cultural do passado, e a guitarra e o baixo, a guitarra principalmente, têm um som do futuro. É muito interessante isso.

Estas misturas fazem parte da definição da nova cena pernambucana, e elas são aceitas pelos públicos nos festivais e outros eventos no Recife como uma coisa muito natural. Fica mais complicado quando os produtos da cena estão inseridos nos discursos que são orientados por idéias estereotipadas da música nordestina, da música de tradição oral, e da modernidade musical de modo geral. Talvez seja por isso que logo no início da cena as figures principais assumiram contrôle do discurso, criando o conceito "mangue" e a imagem-símbolo da antenna parabólica na lama, e fazendo a conexão com o cíclo do caranguejo.

Em que sentido pode-se dizer que a nova cena pernambucana está mostrando as possibilidades de um nordeste allternativo? O livro de Durval Muniz de Albuquerque, Jr., A Invenção do Nordeste e outras artes, saiu dois anos depois do lançamento do disco Da lama ao caos. Mas eu acho o trabalho da nova cena um dos melhores exemplos de uma reinvenção do nordeste, no sentido de criar um discurso que deixa para trás o conceito limitado do nordeste. Os produtos da cena criam uma visão poética-musical que vai muito além dos estereótipos do nordeste como uma região do passado, ou do folklore. Foi exatamente o espírito punk de "faça você mesmo" que fez nascer, no ano da pesquisa que identificou o Recife como a quarta pior cidade para se morar do mundo, uma cena que se tornou um dos mais importantes na história da música brasileira. O que ficam são as tarefas de conquistar mais espaço no mercado e na mídia, e de mudar os discursos e as estruturas dominantes que marginalizam a música de todos os gêneros que não cabe dentro dos limites estabelecidas pela grande mídia, tarefas com as quais nós, pesquisadores, podemos ajudar.

Obras citadas

Albuquerque, Jr., Durval Muniz. 1999. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana; São Paulo: Cortez Editora.