Isabel Cadete Novais Presença – Um Movimento e uma Revista à mercê de uma crítica sem fundamento tornada Mito


Antes de José Régio partir para Coimbra (1921) para frequentar a Faculdade de Letras, tivera o privilégio de folhear os dois números da revista Orpheu, os quais desde logo o maravilharam pela excentricidade dos seus conteúdos poéticos. A partir de então, dois nomes ficaram registados no seu espírito: Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.

Durante a estada em Coimbra, Régio dedicou parte do seu estudo às ideias dos modernistas portuguesas, confrontando-as com o que se passava na Europa.

Entre as publicações académicas da década de 20, em Coimbra, apareceu a revista presença – folha de arte e crítica, em março de 1927, tendo como principal mentor José Régio. Os colaboradores constituíam um grupo de estudantes de formação heterogénea, alguns já com experiência em projetos editoriais efémeros e, por isso, determinados a tentar um novo projeto com um ideário consistente no domínio estético, literário e crítico. Na verdade, a folha de arte e crítica, logo à partida, marcou a diferença pela determinação com que definiu esse ideário, bem como pela modernidade do aspeto físico – suportes invulgares e grafismos arrojados, a roçar o gosto expressionista. Apesar de desentendimentos internos, a presença afirmou-se na época como o único órgão estável e com regularidade, ao longo de 13 anos (entre 1927 e 1940), dando à estampa 56 números.

Decidida a dinamizar as letras e as artes nacionais e a divulgar e o que de melhor se produzia no estrangeiro, presença conseguiu desta forma cativar e fixar uma audiência culta e crítica, coisa que não fora conseguida, em 1915, com a Orpheu sensacionalista, em Lisboa. Esse papel de divulgação, que a presença desempenhou em relação aos órficos e em particular a Fernando Pessoa, foi essencial para o reconhecimento do valor da geração da Orpheu.

Mas, nem todos os críticos encararam esse movimento da mesma forma, como foi o caso de Eduardo Lourenço no polémico ensaio, “Presença ou a contra-revolução do Modernismo”, escrito em dez./1958 e publicado, em 14 e 28/junho/1960, no suplemento «Cultura e Arte» de O Comércio do Porto. Na sua firme convicção de que existia uma «visceral diferença entre Orpheu e presença», Lourenço rejeitou radicalmente qualquer sentido de continuidade ou proximidade entre ambas, opondo-se a admitir o movimento presencista como um segundo modernismo, considerou-o uma contra-revolução, traduzida num invés ao Modernismo.

Republicado ao longo de quatro décadas, ainda que com ligeiras alterações, demonstrativas duma argumentação controversa e pouco consistente, o ensaio influenciou várias gerações de estudiosos (e continua a influenciar) na forma como moldou negativamente as suas ideias sobre o modernismo português, em particular a geração da presença.

O que é paradoxal é que foi preciso chegar ao ano de 2002 para que o laureado filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço tomasse coragem para confessar que o polémico artigo não passou de um “ato” irrefletido, escrito sem nunca ter folheado tanto Orpheu como a Presença, desconhecendo em absoluto os seus conteúdos e que só veio a tomar contacto com as revistas através das edições fac-similadas, publicadas na década de noventa.


Isabel Cadete Novais. Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, Mestre e Doutora em Literatura e Cultura Portuguesa, pela Universidade Nova de Lisboa, na especialidade Génese Literária. Iniciou os estudos em José Régio na Casa José Régio, em Vila do Conde, 1987. Em 1993, integrou a equipa para o Estudo e Edição dos Manuscritos de José Régio e coordenou “in loco” os trabalhos (projeto de 3 anos, cofinanciado pela JNICT e Instituto Camões). Integrou durante 12 anos, como investigadora requisitada, o Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea (Divisão de Reservados) da Biblioteca Nacional de Portugal, onde realizou tratamento de espólios literários e participou em exposições e publicações. Desde a fundação do Centro de Estudos Regianos de Vila do Conde, em 1994, foi mentora e coordenadora do seu Boletim, hoje Revista Estudos Regianos. Autora de vários estudos e exposições sobre José Régio, dá apoio a investigadores regianos nacionais e estrangeiros e tem participado em palestras, conferências, e congressos internacionais. Atualmente, desempenha o cargo de Presidente da Direção do CER - Entidade de Utilidade Pública.