Eliane Robert Moraes Os perigos da literatura: o "caso Sade", ontem e hoje


Em 1956, Jean-Jacques Pauvert respondeu a um processo na justiça francesa, acusado de atentar contra a moral por publicar a obra completa do Marquês de Sade. Iniciada em 1947, a iniciativa pioneira do editor foi considerada “perigosa” por uma Comissão do Livro que formulou a base da argumentação da promotoria ao sustentar que literatura sadiana continha “um fermento detestável e condenável aos bons costumes”. A defesa, por sua vez, valeu-se do depoimento do próprio Pauvert, somado aos de André Breton, Jean Cocteau, Jean Paulham e Georges Bataille.

Esta intervenção pretende examinar tais declarações, tendo em vista uma discussão sobre a atribuição de “perigos” à literatura, notadamente àquela considerada moral e eticamente subversiva. Ganha relevo, nesse caso, o depoimento de Bataille, que apresenta uma concepção de risco distinta daquelas enunciadas pelos censores de Sade, baseada na ideia de que “a literatura deve declarar-se culpada”. Em que pese a distância temporal entre a década de 1950 e os dias atuais, com expressivas mudanças no que tange à sexualidade, esta discussão pode ser de interesse num momento em que a censura volta a assombrar a paisagem sensível por meio de novos agentes que a praticam sob o nome de “cancelamento”.

Eliane Robert Moraes. Crítica literária e professora de Literatura Brasileira na USP – Universidade de São Paulo. No Brasil, traduziu a História do Olho de Georges Bataille e publicou diversos ensaios sobre o imaginário erótico na literatura, entre os quais: O Corpo impossível, Lições de Sade e Perversos, Amantes e Outros Trágicos (Iluminuras). Organizou a Antologia da Poesia Erótica Brasileira (Ateliê, 2015 e, em Portugal, Tinta da China, 2017) e duas coletâneas do conto erótico brasileiro -- O Corpo Descoberto (CEPE, 2018) e O Corpo Desvelado (CEPE, 2022) --, além da Seleta Erótica de Mário de Andrade (Ubu, 2022). Seus livros mais recentes são: A Parte Maldita Brasileira – Literatura. Excesso. Erotismo (Tinta da China, Portugal e Brasil, 2023), e, apenas em Portugal, a Antologia do Conto Erótico Brasileiro, (Tinta da China, 2024).