Crônica - O Meu Tempo
18.12.2019Crônica - O Meu Tempo
18.12.2019Afinal, o que é o tempo ?
“Se não me perguntarem, eu sei o que é. Se tiver de explicar para alguém, não sei. O problema é que o passado não está mais aqui, o futuro ainda não chegou e o presente voa tão rápido que parece não ter extensão alguma. Aliás, se o presente só surge para virar passado, não daria pra dizer que o tempo é uma caminhada rumo à não-existência ?”
Esse pensamento de Santo Agostinho ilustra bem a dificuldade de se conceituar o que venha a ser o tempo. Em nossa sociedade atual, onde transformações ocorrem a alta velocidade, onde o consumo é extremamente valorizado, cabe a pergunta: somos donos do tempo , ou meros escravos dele ?
O professor Júlio César, nos enviou uma crônica de sua autoria, publicada no Espaço do Servidor, da Secretaria Estadual da Educação: O Meu Tempo, que nos leva a uma reflexão sobre o tema.
Nesse período de fechamento do ano letivo e das Festas, fica o convite para a leitura atenta deste texto, para podermos pensar/repensar vários aspectos de nossas vidas e como nosso relacionamento com o tempo tem nos impactado.
Nossos agradecimentos ao professor Júlio César pela generosidade de ter compartilhado conosco sua obra. Desejamos a todos uma excelente leitura !
Crônica: O Meu Tempo
Por Julio Cesar Alves de Araujo - Professor de Língua Portuguesa/Inglês - Miguel Munhoz/DE Sul 2.
Passo o tempo correndo atrás do tempo, tento remir o tempo, economizar tempo, ganhar tempo sem perder tempo. Enquanto faço uma tarefa, já fico planejando outra ação, escolho o feijão, deixo água para ferver na chaleira de apito, que é para avisar que cessou-se uma espécie de ciclo do meu tempo. Lavo o feijão escolhido, mas não pretendo deixar de molho pra amaciar porque não acho que precisa e, sinceramente, não dá tempo...
Engulo algumas palavras porque minha mente já condicionada pela correria do tempo anda mais rápido do que posso escrever, mas graças a Deus e ao corretor ortográfico posso acertar sem prejuízo de sentido, com medo que esse tempo que agora escrevo, passe logo e me sumam as palavras e as ideias. Às vezes elas vêm e minha mente fervilha e o pensamento vai longe, longe... Tão longe que o tempo parece ser pouco e ele sabe, e eu sei, que ele vai precisar voltar a tempo.
Então coloquei o feijão na panela de pressão que parece foi inventada para encurtar o tempo, né? E quando ela "pegar pressão", o tempo (bem mais que o cheiro do feijão cozido) será a medida, será a "deixa" para eu saber que dali a certo tempo precisará lembrar-me de desligar o fogo, e colocar a panela sob água fria (aí por falta de tempo vou estragando a tampa e a borracha da panela) ou suspender o pino pra tirar a pressão, ou deixar despressurizar aos poucos sozinha, mas aí haja tempo!
Pode ser que me ocupe com outra tarefa, afinal o tempo de cozimento é de quarenta e cinco minutos, é um tempo demasiadamente longo, um espaço considerável e que dá pra fazer bastante coisas! Já me esqueci de outras vezes ir lá e desligar o fogo da panela por mera distração, preocupado com o tempo. Já fiquei preso na internet e aí o tempo passou voando... aí passei a reconsiderar meu tempo conectado.
Já tentei controlar o tempo, mas sempre me senti frustrado, e, por melhor que eu calcule, por mais cedo que eu me programe, fico feito uma Dasdores do Presépio de Drummond e chego a acreditar que consegui, às vezes. Envaideço-me e enquanto faço isso perco tempo me admirando e sou vítima do meu sentimento e aí acabo sendo ultrapassado por retardatários, me sinto por último de novo e vejo coisas que acreditava terem sido resolvidas, voltarem como tábuas de um navio afundado, denunciando o desastre, como almofadas de avião que se convertem em "salva-vidas" só que no meu caso "só-que-não", ou seria eu que não saberia reconhecer ajuda?
Será que o tempo me vencerá sempre e sempre estarei a um passo atrás dele? Já me cansei de chegar perto das coisas e sentir o perfume de um tempo que não alcancei. Estou farto de chegar aos lugares quando o "tempo" deles já passou como num fim de festa... Infelizmente, depois de abrir a panela, nem sempre o feijão estava pronto e precisarei de uns minutos a mais para terminar de cozinhá-lo, e mesmo depois de pronto, apenas a parte do cozimento foi concluída, vai ser necessário acertar o sal e adicionar os temperos. E ainda, como em toda comida que eu preparo, será necessário um tempo para o tempero "pegar" e o sabor acentuar-se.
Lá se vão meus planos! Precisarei desmarcar todos os compromissos que fiz comigo mesmo! Vou me odiar, vou me xingar e ficar sem falar para não ter que ouvir minha própria voz. Afinal, vou acabar fracassando com a pessoa mais importante para mim nesse momento:
EU!