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Não é simples subsidiar combustíveis

Não é simples subsidiar combustíveis - Por Marcos Mendes  - De Marcos Mendes, pesquisador associado ao Insper, para a XP Investimentos

O Governo Federal está cogitando implementar um subsídio para reduzir o preço dos combustíveis, fortemente impactado pela escalada do preço internacional. Seria importante prestar atenção à experiência recente de subvenção ao óleo diesel, utilizada em decorrência da greve dos caminhoneiros, em 2018. Foram muitos os problemas criados e, ao final, o programa só não foi prorrogado porque, por sorte, o fim dos seis meses de vigência da subvenção se deu em momento de baixa dos preços.

O modelo adotado

A base de cálculo para pagamento da subvenção foi o preço do diesel no mercado internacional mais custos de transporte e seguro, chamado de “preço de comercialização”. Foi preciso escolher um dos diferentes preços internacionais e arbitrar um valor médio de seguro e frete.

No início de cada mês era fixado um “preço de referência” igual ao “preço de comercialização” daquele dia menos R$ 0,30. O “preço de referência” ficava fixo ao longo de todo o mês, sendo reajustado no primeiro dia útil de cada mês, sempre pela fórmula “preço de comercialização do dia menos R$ 0,30.

As distribuidoras ou importadores que vendessem diesel por um preço igual ou menor que o “preço de referência” teriam direito a receber a subvenção.

A participação era voluntária, quem quisesse vender mais caro que o “preço de referência” não estava proibido por lei, mas não receberia a subvenção. O preço do diesel na bomba não foi congelado. A expectativa era de que distribuidores e importadores repassariam o desconto aos postos, e esses, aos consumidores. O pagamento da subvenção era feito uma vez por mês, após checagem das notas fiscais eletrônicas de venda pela ANP.

Os problemas

Em um país de grandes dimensões, não existe um único “preço de comercialização” do diesel. A Petrobras e os importadores trabalham com centenas de preços que consideram: o grau de competição nos pontos de venda entre Petrobras e importadores, diferentes qualidades de diesel, diferentes tipos de contrato (prazo, volume, etc.), preços preferenciais para grandes clientes, modalidade de transporte e respectivo custo de frete (oleoduto ou caminhões).

Ao fixar um único “preço de comercialização” – que, em si, já era uma média dos preços externos, dos diferentes valores de fretes e seguros externos-, a política passou a distorcer preços de mercado, pagando subvenções elevadas para os casos em que o preço de mercado era mais baixo, e não cobrindo as situações de preços mais altos.

Para mitigar a situação, foram criadas quatro regiões arbitrárias, cada uma com seu preço de comercialização, para pelo menos levar em conta os diferentes custos de frete. Obviamente isso não foi suficiente para anular as distorções.

Um exemplo da dificuldade da intervenção pública em lidar com todas as situações específicas está no caso do diesel marítimo. Esse é um produto diferente do diesel rodoviário. As empresas que atuam nesse mercado são de menor porte e não tinham capital de giro suficiente para esperar um mês até receber a subvenção e cobrir o prejuízo de venda abaixo do preço de custo.

Logo no início do programa de subvenção, a Petrobras – que recebia a subvenção - tomou o mercado dessas empresas menores, colocando-as à porta da falência. Foi preciso fazer uma Medida Provisória, às pressas, para excluir o diesel marítimo da subvenção. Mas isso criava outro risco: o uso do diesel rodoviário subvencionado em embarcações, o que implicava risco de explosões e incêndios.

Havia também o caso de distribuidoras que importavam diesel através de traders, em vez de fazê-lo diretamente. A forma como foi escrita a lei não incluía essas importações, o que também precisou ser corrigido ao longo do processo.

Isso abriu uma segunda discussão: caberia ou não o pagamento retroativo, desde o começo do programa, de modalidades incluídas posteriormente? Houve até mesmo um pleito forte de distribuidoras que alegavam terem sido constrangidas pelo governo, em momento de forte tensão política, a vender abaixo do preço de mercado antes do início da subvenção. Por isso requeriam o pagamento retroativo.

As dificuldades operacionais foram muitas. Por exemplo, a ANP precisava receber dos governos estaduais a informação de quanto havia sido cobrado de ICMS de cada beneficiário do programa, pois o cálculo da subvenção deveria ser feito sobre o preço antes de impostos. Ocorre que a informação individualizada por contribuinte é sigilosa, e houve grande dificuldade para se superar essa restrição. Foi necessário fazer 27 convênios distintos, com cada uma das unidades da federação, para que o dado fosse disponibilizado. Isso atrasou o pagamento da subvenção, onerando as empresas participantes.

Os técnicos da ANP se sentiram sob o risco de responsabilização pessoal, caso pagassem subvenção indevida. Isso gerou um viés em favor da rejeição dos pedidos de pagamento: qualquer pequena dúvida ou não-conformidade levava à negativa de pagamento, mais uma vez gerando prejuízos às empresas participantes. 

Pela legislação tributária, qualquer subsídio ou subvenção paga a empresas privadas ou de economia mista são consideradas renda sujeita à tributação. Não fazia sentido dar a subvenção com uma mão e tirar uma parte via tributação. Foi necessário, então, criar um sistema de devolução dos valores tributados, tornando o mecanismo ainda mais complexo e sujeito a custo de capital, a depender da demora na restituição tributária.

Em suma, é muito grande o potencial de distorção de preços, destruição de valor, má alocação de recursos, criação de custos operacionais e de transação, judicialização e criação de esqueletos fiscais. Simplesmente não é possível mimetizar a formação de preços feita pelo mercado. O fato de se ter aprendido com as dificuldades descritas não significa que outras não venham a ocorrer.

Lições para o presente

A experiência de 2018 restringiu-se ao óleo diesel. Se a subvenção ora cogitada incluir outros combustíveis, as distorções descritas acima se multiplicarão. E surgirão outras situações inesperadas, específicas dos mercados de gasolina e gás.

Também vale registrar que a decisão de subsidiar o diesel, tomada em 2018, decorreu de uma crise aguda, em que o país estava paralisado por uma greve violenta. Apesar do momento de crise, foi fixado um limite de gastos máximo (R$ 9,5 bilhões em despesas, além da redução de tributos), e esse custo foi compensado, tanto por redução de outras despesas no orçamento quanto pelo corte de benefícios tributários. Além disso havia uma trava no valor do subsídio, que não poderia ser maior que R$ 0,30 por litro. O debate atual parece ignorar compensações e pretender fazer a nova subvenção como um gasto adicional. O custo fiscal não será irrelevante.

 Outro ponto a destacar é que, por sorte, no momento de encerramento do programa (31/12/2018) os preços do petróleo e derivados haviam caído no mercado internacional, o que permitiu fazer uma transição suave: o “preço de comercialização” caiu ao longo do mês de dezembro e chegou ao final desse mês muito próximo do que era o preço de início do mês menos R$ 0,30. Ou seja, o subsídio estava praticamente zerado.

Mas foi sorte. Ao longo dos dois últimos meses, antes de se caracterizar essa trajetória de preços, não faltaram propostas de prorrogação ou de ampliação do subsídio, visando uma transição mais lenta. Esse é um risco que se coloca para o novo programa: nada garante que não entremos em um longo período de preços altos, o que representará custo fiscal elevado e prorrogações de vigência do subsídio. Principalmente se for desenhando um programa sem limitação máxima de valor.

Por fim, a experiência de 2018 foi bem-sucedida quanto ao objetivo de fazer o preço ao consumidor cair. De fato, distribuidoras e postos de combustíveis não ampliaram suas margens e repassaram o subsídio ao consumidor final. Porém, isso se deu em um ambiente de conflagração, em que donos de postos temiam violência e distribuidoras estavam sob o foco da imprensa. Não necessariamente isso acontecerá em uma nova rodada de subvenção, podendo parte do gasto público se transformar em aumento de margem ao longo da cadeia de comercialização.