MANIFESTO

JUSTIFICATIVA

Nas últimas décadas, um crescente grupo de pesquisadores, professores e estudantes em formação no campo dos estudos da linguagem, tanto no Brasil quanto no exterior, tem se voltado de forma mais acentuada à educação linguística na infância e, assim, enfrentado os inúmeros percalços e desafios colocados para essa área na atualidade.

Inicialmente, como retratado por Brewster, Ellis e Girard (2002), a respeito da implementação e pesquisas sobre o ensino de línguas em anos iniciais de escolarização no exterior, também em nosso país, contávamos com iniciativas esparsas e que preconizavam a relevância social e acadêmica da área, além de ressaltar seus inúmeros desafios (TONELLI, 2005; ROCHA, 2006, 2010; SILVA; ROCHA; TONELLI, 2010, entre outros). Nessa época, entre os entraves mais proeminentes estavam a escassa oferta do ensino de línguas na infância por escolas da rede pública; a ausência de leis e parâmetros norteadores oficiais que pudessem embasar a implementação do ensino de línguas para crianças (pequenas) de modo mais equânime na rede pública; a visível necessidade de ampliação de estudos que pudessem oferecer subsídios para um processo de ensino, aprendizagem e avaliação mais efetivo nesse contexto; e a urgência de formação adequada para professores nessa área.

Em anos mais recentes, estudos revelam que as privações sofridas nesse âmbito permanecem, sendo ainda um dos maiores desafios a ausência de políticas públicas, no que se refere tanto à implantação e/ou manutenção desse ensino, quanto à especificidade de metodologias e formação de professores (GIMENEZ, 2013; CHAGURI; TONELLI, 2013, 2019).

No entanto, a literatura na área tem crescido e se fortalecido (TONELLI; PÁDUA, 2017), assim como têm sido ampliadas iniciativas de implantação do ensino de línguas em anos iniciais nos contextos de educação pública e privada (TANACA, 2017). Por decorrência, o campo da formação e do trabalho docente nessa área tem também registrado considerável crescimento e despertado interesse por parte de educadores, formadores e pesquisadores (SANTOS; BENEDETTI, 2009; SANTOS, 2005, 2011; VICENTIN, 2013; LIMA 2019; PADUA, 2019).

Ao discutir o ensino de línguas para crianças na América Latina, o trabalho de Miller et al (2019) ecoa as críticas de estudiosos brasileiros, no que se refere, entre outros, ao caráter ainda predominantemente instrumental do ensino de línguas na infância, em seus mais diversos contextos (ROCHA, 2006). A sociedade contemporânea em que vivemos - globalizada, digital, sociopolítica e economicamente complexa, bem como linguística, identitária e culturalmente diversa - adiciona outras demandas urgentes a essa problemática. Entre esses desafios, podemos citar a necessidade de fortalecimento de políticas e processos educativos de cunho formativo e transformador, que possam contribuir para a formação plurilíngue, crítica e cidadã (ROCHA, 2010, 2012; SÃO PEDRO, 2016) dos alunos, além de promover em meio aos espaços escolares, possibilidades de ruptura com discursos homogeneizadores e opressores, das mais variadas ordens.

Nessa perspectiva, em um momento em que nos deparamos com o crescimento acelerado de escolas ditas bilíngues, mostra-se urgente discutirmos a educação bilíngue na Educação Básica, sob um viés crítico, multissemiótico e translíngue (ROCHA; LIBERALI, 2018), a fim de ampararmos as ações no campo do ensino de línguas na infância em um enfoque libertador e transformativo (FREIRE, 2004).

Diante das problematizações apresentadas, o objetivo deste Manifesto é reivindicar políticas públicas que reconheçam a aprendizagem de línguas nos anos iniciais de escolarização como um direito da criança perante a formação cidadã contemporânea e que, por decorrência, instaurem a regulamentação desse ensino e favoreçam a implementação de parâmetros orientadores para o processo educativo, bem como para a formação docente nesse contexto.

Nesse horizonte, um grupo de pesquisadores se reuniu no III Encontro de Professores de Inglês para Crianças (EPIC) & II Seminário de Avaliação de Língua Estrangeira para Crianças, nos dias 20 e 21 de outubro de 2017, na Universidade Estadual de Londrina, com o propósito de reivindicar ações políticas nesse campo. No mencionado evento, foi desenvolvido um primeiro Manifesto, em favor da inclusão de línguas estrangeiras nos anos iniciais da educação Básica.

PONTOS A SEREM CONSIDERADOS

  • A importância de promover uma educação linguística, também na infância, capaz de atender às demandas sociais, educativas e culturais inerentes à vida contemporânea;


  • O expressivo aumento, registrado por estudos e pesquisas brasileiros, no que se refere à oferta de ensino de línguas estrangeiras/adicionais para crianças nos contextos de ensino público e privado;


  • Resultados de estudos e pesquisas brasileiros e de vários outros países têm apresentado a importância do ensino de línguas estrangeiras/adicionais para crianças no desenvolvimento/reconhecimento da formação social/cultural, linguística e humanizadora da criança;


  • A necessidade de formação em pré-serviço e em serviço específica para o exercício da profissão com o público em questão;


  • O caráter desafiador da inclusão de línguas estrangeiras/adicionais para crianças e da formação docente sem a existência de políticas públicas;


  • A ausência de disciplinas de línguas estrangeiras/adicionais nas matrizes curriculares nos anos iniciais de escolarização em âmbito público priva o alunado de um conhecimento altamente valorizado socialmente e presente em escolas da rede privada, promovendo, portanto, a desigualdade social e educacional. Por decorrência, negligenciar a importância do ensino de línguas estrangeiras/adicionais para crianças é um equívoco do poder público;


  • A necessidade de estimular políticas públicas que possam oportunizar às crianças a inclusão pelo conhecimento de línguas estrangeiras/adicionais diante do contexto da globalização;


  • A relevância de criar condições que permitam aos futuros professores de línguas estrangeiras/adicionais vislumbrar caminhos que possam levá-los a desenvolver as capacidades necessárias para atender às demandas da educação formal contemporânea e, assim, colaborar qualitativamente para que as crianças tenham acesso ao estudo de linguagens pertinentes à inclusão social;


  • A viabilidade e importância de ampliar e tornar acessível o letramento social, partindo do fato de que as línguas adicionais estão significativamente presentes no uso cotidiano, seja nomeando os bens de consumo ou na linguagem da tecnologia e acesso aos estudos científicos;


  • A urgência de implantarmos oficialmente o ensino de línguas nos anos iniciais de escolarização, principalmente nos contextos públicos educacionais e, assim, regulamentarmos e criarmos condições para o desenvolvimento de orientações oficiais para esse ensino;


  • A urgência do fortalecimento de uma relação colaborativa entre Universidade/Escola/Poder público diante da institucionalização e manutenção do ensino de línguas estrangeiras/adicionais nos anos iniciais de escolarização.

REIVINDICAÇÕES

  1. Articular a criação de condições legais e institucionalizadas para a oferta de línguas estrangeiras/adicionais para crianças nos contextos de ensino público e privado.


  1. Fomentar a inclusão de formação em pré-serviço e em serviço específica para o exercício da profissão com o público-alvo.


  1. Fomentar a ampliação de pesquisas que discutam a formação de professores pesquisadores e os especializem para uma atuação transformadora em seu contexto de trabalho.


  1. Incentivar o desenvolvimento de mais pesquisas e estudos sobre o processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras/adicionais para crianças, levando-se em conta seus diferentes segmentos - material didático; avaliação; currículo; propostas didáticas, também em sua interface com as tecnologias educacionais.


  1. Demandar a elaboração de uma política educacional para o ensino de línguas estrangeiras/adicionais para crianças, por meio de debate envolvendo associações de professores de línguas e associações existentes na área das linguagens, em nível municipal, estadual e nacional, bem como a participação de diferentes segmentos da sociedade (escola, pais, pesquisadores, poder público, etc).


  1. Demandar a elaboração de uma política educacional para o ensino de línguas estrangeiras/adicionais para crianças, com a participação das comunidades envolvidas nesses contextos.


  1. Reconhecer, oficialmente, os cursos de Letras e suas respectivas habilitações como os responsáveis pela formação linguístico-pedagógica do profissional que atuará no ensino de línguas adicionais nos anos iniciais de escolarização.


  1. Oportunizar a atuação de graduandos dos cursos de Letras e suas respectivas habilitações em Programas como PIBID e Residência Pedagógica, bem como no estágio curricular supervisionado,inserindo-os como campo de formação para o ensino de línguas adicionais na infância.


  1. Incentivar a proposição e manutenção de projetos/programas de formação em serviço aos profissionais que atuam com esta clientela específica.


  1. Estabelecer diálogos profícuos entre poder público, universidades e escolas para viabilizar formas de atender à demandas futuras com maior solidez.

LEIA O DOCUMENTO NA ÍNTEGRA, ACESSANDO:

Assinam este manifesto:

Profa. Dra. Claudia Hilsdorf Rocha

IEL/UNICCAMP - E-LANG/CNPq

Profa. Dra. Juliana Reichert Assunção Tonelli

UEL - FELICE/CNPq

Profa. Dra. Leandra Seganfredo Santos

UNEMAT - GEPLIAS/CNPq

Profa. Dra. Sandra Gattolin

UFSCar - E-LANG/CNPq