DO CÉU À TERRA.
DO CÉU À TERRA.
ADEUS EDUARDO MASSERA.
SEU TEMPO CHEGOU DOM EDUARDO, AGORA CONTA AO PAI ADONAI SUAS PERVERSIDADES, SEUS HORRORES, SEUS GENOCÍDIOS.
CONTA A SEU FILHO O CRISTO, AS TORTURAS, O QUE INFLIGISTE AOS INOCENTES, AOS FRACOS. QUER DIZER, A ESSA GENTE PELA QUAL JESUS CRISTO SE FEZ CRUCIFICAR PARA DEFENDER SEUS DIREITOS.
ADEUS EDUARDO MASSERA. EU SEI O QUE LHE ESPERA.
EU SEI O QUE ESPERA NO MAIS ALEM AOS TIRANOS COMO VOCÊ, AOS ASSASSINOS DA VIDA COMO VOCÊ, AOS ANTICRISTOS COMO VOCÊ.
TERIAM QUE SABER TAMBÉM OS PRÍNCIPES DA IGREJA ARGENTINA, MUITOS DOS QUAIS, QUERIDO DOM EDUARDO, BRINDARAM COM VOCÊ E CELEBRARAM SUAS VITÓRIAS.
DEVERIA SABER O CARDEAL BERGOGLIO O QUE ACONTECE NO MAIS ALÉM, QUANDO NÃO HÁ ARREPENDIMENTO.
ORAR POR SUA ALMA, DOM EDUARDO, CERTAMENTE, MAS SEJA FEITA A VONTADE DO ALTÍSSIMO SENHOR DO CÉU E DA TERRA E GLÓRIA A SUA SUPREMA JUSTIÇA.
PAZ!
DO CÉU À TERRA.
Giorgio Bongiovani.
Estigmatizado.
Palermo - Itália, 09 de Novembro de 2010.
O INFERNO É POUCO.
MASSERA FOI UMA MÁQUINA DE MATAR DENTRO DE OUTRA MAQUINA DE MATAR.
Morreu o Mengele da última ditadura.
(Por Martín Granovsky)
Os resultados do regime tirânico que governou entre 1976 e 1983 também lhe pertencem: fragmentação social, destruição produtiva e massacre. Mas Massera, além disso, quis transcender. Aqui se conta como.
Disse que só estava seguro de uma coisa: “De que quando a crônica se vai desvanecendo porque a história irá se tornando mais nítida, meus filhos e meus netos pronunciarão com orgulho o sobrenome que lhes deixei”. Assim quis se defender há 25 anos Emilio Eduardo Massera no Julgamento das Juntas. Terminou condenado a prisão perpétua e destituído por homicídio agravado, privação ilegítima da liberdade, torturas e roubos. Nascido em Entre Rios - Argentina há 85 anos, o ex-almirante morreu ontem em Buenos Aires enquanto ainda era processado por novas acusações. A história, ao contrário do que queria, foi tornando-se mais nítida.
O indulto de Carlos Saúl Menem o deixou sem a prisão perpétua em 1990. Recuperou a liberdade, mas voltou a ficar privado dela quando em 1998 foi processado por roubo de bebês. As leis de Ponto Final e Obediência Devida impulsionadas por Raúl Alfonsín - o mesmo presidente que terminou na Argentina com o ciclo de anistias ao anular a auto anistía militar e pedir o processamento das juntas - não beneficiaram os ex-comandantes mas sim aos chefes intermediários como Jorge Deita, Alfredo Astiz, Juan Carlos Rolón, Jorge Perrén e Antônio Pernías.
Massera poderia ter falecido ontem sem condenação alguma, mas em 31 de agosto último a Corte Suprema de Justiça confirmou sentenças de tribunais inferiores que haviam falhado sobre a inconstitucionalidade do perdão de Menem. Se o indulto não se ajustava à Constituição, então ficava em pé a condenação original de 09 de dezembro de 1985.
Disse a Corte, que segundo o Direito Internacional deve computar-se obrigação do Estado Argentino não só de investigar, mas também de castigar os delitos aberrantes, dever que não podia estar sujeito a exceções”. O indulto a processados não se ajusta a Direito porque tiraria o dever internacional de investigar. Quanto ao indulto a condenados, como o caso de Massera, segundo a Corte implicaria em escapar da condenação de castigar quando os órgãos judiciais de um Estado encontrasse provas suficientes para decidir.
A máquina de matar.
Impetuoso, sedutor, mulherengo, capaz de imaginar alianças com o socialismo europeu ou de procurar a cooptação de dirigentes montoneros, Massera foi uma máquina de matar e fazer política dentro de outra máquina de matar e fazer política como foi o Processo de Reorganização Nacional que tomou o poder em 24 de março de 1976.
Os estudiosos não se põe de acordo sobre se a máquina maior, a do Processo, se propôs intencionalmente os resultados que alcançou: massacre, fragmentação social, desindustrialização e prejuízo para a agricultura, financiamento, queda da participação dos trabalhadores na renda nacional e de seu poder de negociação na luta pela distribuição dessa renda.
Em um estudo escrito em 1979, o economista Adolfo Canitrot falou de um gigantesco processo de disciplinamento social.
Além das intenções ou de um plano escrito, a transformação social da Argentina fala por si mesma.
Qual é o fenômeno que representa Massera? Possivelmente que, em seu caso, não há dúvidas de que, em paralelo à marcha da ditadura, ele sim era parte de um plano político explícito e intencional.
Tão burocrata da morte como Jorge Vedela ou Orlando Ramón Agosti, seus companheiros da primeira junta da ditadura, o então Almirante Cero, como o chamavam as patotas da Escola de Mecânica da Armada e o sublinhou o jornalista Claudio Uriarte, que titulou desse modo a biografia de Massera, o então chefe da Marinha quis acrescentar um valor extra. Procurou sua projeção como dirigente político a partir da ditadura e, além disso, em meio dela.
Vinha fazendo méritos para isso. Jovem oficial antiperonista antes do golpe de 1955, vinte anos depois chegou a fazer um interlocutor confiável da Isabel Martínez de Perón, presidenta por morte de seu marido Juan Domingo Perón em 1ª de julho de 1974. A essa altura já tinha atado o centro de sua propriedade em um circuito chave do poder a escala mundial: a organização fascista 'Propaganda Dos', que buscou infiltrar-se na maçonaria italiana, e terminou repudiada por ela, e conseguiu o manejo de partes importantes de decisão no Vaticano, a Justiça italiana, os serviços de inteligência e as finanças negras. Os dois pontos de apoio de 'Propaganda Dos' fora da Itália, estavam no Brasil e na Argentina.
Ontem a tarde, recém informado da notícia, o sobrevivente da ESMA Víctor Basterra repetiu outra vez seu incrível relato que prova que nada do anterior é uma fábula. Basterra, submetido a torturas e trabalho escravo na ESMA, contou que foi forçado a preparar quatro passaportes falsos para o Licio Gelli. Gelli era um dos chefes da P-Due. Condecorado por Perón na Argentina a pedido do então chanceler Alberto Vignes, em 1973, Gelli foi a garantia de continuidade para que estruturas de poder mafioso edificadas a fins do governo da Isabel pudessem seguir vigentes no regime que começou em 1976. E o fiador do fiador se chamou, na Argentina, Emilio Eduardo Massera.
Basterra contou ontem sua dor pelo fato de que Massera não morrera na prisão comum e que tivesse morrido sem uma só condenação por roubo de bebês, entre outros acusações que ainda confrontava. Também relatou por que em um momento de sua escravidão decidiu juntar provas. “Já me deixavam sair e eu sabia como lhes violar alguns encriptados, assim fui levando elementos valiosos" disse. Contou Basterra que o decidiu fazer porque em um dado momento seus companheiros lhe disseram: Estes tipos não a vão levar adiante”.
A ESMA foi um dos três grandes campos de concentração da Argentina e o maior controlado pela Armada. Os outros dois estavam sob o comando direto do Exército: A Pérola em Córdoba, e a sede de Institutos Militares em Campo de Maio.
As três forças construíram suas formas próprias de relação com setores civis, e tanto investigadores como militantes políticos e dirigentes de direitos humanos falam cada vez mais de “governo cívico-militar” para referir-se ao regime que governou entre 1976 e 1983. A história desse regime não se ajustaria aos fatos se o suposto pitoresquíssimo de Massera e sua personalidade ofuscaram a teia de poder que incluiu desde relações com grandes empresários a dirigentes do peronismo, o radicalismo, o socialismo democrático e o comunismo, neste caso por decisão própria e impulso da própria União Soviética.
O projeto.
A peculiaridade da construção da Massera se apoiou em alguns rasgos específicos.
Tentou a edificação de um masserismo que, obviamente, o contasse como líder.
Igual a outros comandantes, aproximou-se de dirigentes sindicais enquanto o aparelho repressivo terminava com os delegados de fábrica, os dirigentes intermédios e castigava no desaparecimento de Oscar Smith o primeiro desafio dos trabalhadores à ditadura. Mas em seu caso não foi só um cálculo de contenção de protestos operários, mas sim além disso a tentativa de uma articulação para o futuro.
Procurou consolidar uma força própria, o Partido para a Democracia Social.
Como um Josef Mengele da política, tratou de erigir um laboratório. Queria que mediante o terror, a negociação, a perversão e o aproveitamento do humanismo instinto de sobrevivência fosse possível, primeiro, a absorção de conhecimentos sobre o que pensava a guerrilha montonera e, em seguida, a conversão de alguns de seus quadros em quadros próprios. Entretanto, não o conseguiu. Salvo dois ou três casos, os cativos da ESMA submetidos a servidão não se converteram em membros da inteligência da patota e, quando cada um viu chegado o momento, cada sobrevivente se transformou em um testemunho que contribuiu para que a sociedade conhecesse o que tinha ocorrido, quais tinham sido os lugares-tenentes do Almirante Zero e como funcionava por dentro a máquina de matar.
Na distribuição militar de róis a Armada de Massera não obteve o ansiado Ministério de Economia, que o Exército se reservou até garantir um tándem entre Vedela e Martínez de Hoz. Massera conseguiu, pelo contrário, entre outras molas de poder, o controle do Ministério de Bem-estar Social e a Chancelaria. Assassinato do general Omar Actis mediante, Bem-estar Social ficou articulado com o Ente Autárquico Mundial '78, a cargo do almirante Alberto Lacoste. A Chancelaria funcionou como uma prolongação internacional da ESMA.
Os marinhos Oscar Montes e César Guzzetti estiveram a cargo do Ministério de Relações Exteriores quando se desdobrou o Operativo Condor, de colaboração entre as ditaduras da America do Sul em matéria de intercâmbio de informação, de prisioneiros e até de bebês roubados. O número dois, o capitão de navio Gualter Allara, seria contraalmirante de Operações Anfíbias no desembarque que levou a guerra das Malvinas de 1982. Chegado à Chancelaria com a Revolução Libertadora de 1955, Federico Barttfeld foi o bispo da Massera entre um grupo de diplomáticos de carreira. Falecido em 2009, Barttfeld pertencia a P-Due como Massera, Gelli e o então chefe da repressão na Capital Federal e a província de Buenos Aires, o general Carlos Guillermo Suárez Mason. Quando o primeiro embaixador da Junta em Caracas, o radical balbinista Héctor Fidalgo Revistam, foi chamado a Buenos Aires e assassinado, Barttfeld ocupou seu lugar em Caracas. Ali funcionava um Centro Piloto como o de Paris.
Aquela construção que adicionava política mais inteligência militar é a que explica que vestígios de masserismo apareçam na política atual. Terminado o ciclo masserista na Armada - onde, ao reverso de seu colega de Exército Roberto Bendini com o retrato de Vedela, o almirante Jorge Godoy fez desprender o quadro de Massera sem que Néstor Kirchner tivesse que lhe ordenar que procedesse - cada instante reaparecem amostras do poder de Massera em órgãos do Estado democrático. Aconteceu durante o menemismo nada menos que com a Direção de Migrações, dirigida pelo capitão de navio reformado Aurelio Za Za Martínez. Com o Ministério de Educação de Mauricio Macri, ocupado pelo masserista Abel Parentini Posse. E com a embaixada na Venezuela que ocupou por designação de Eduardo Duhalde, Carlos Ruckauf, Esteban Caselli e Martín Redrado o embaixador de carreira Eduardo Sadous. Como jovem diplomático Sadous tinha sido colaborador de Vignes e depois, já em ditadura de Gelli quando este operava na Itália desde a embaixada argentina em Roma.
Outros quadros do masserismo terminaram em negócios privados. Foi o caso do Jorge Radique, sócio do Rodolfo Galimberti até que este morreu, e o do Ricardo Cavallo, que desenvolveu empreendimentos tecnológicos no México até que foi extraditado primeiro a Espanha e finalmente à a Argentina.
Uma parte desses oficiais participou de outra parte do projeto masserista (embora, outra vez, não foi privativo da Marinha mas sim um método compartilhado por outras forças e chefes) que foi a posse de bens de sequestrados. Um dos casos mais ressonantes foi Chácaras de Coria, propriedade de Victorio Cerutti, obrigado a vender seus bens igualmente a seu advogado, Conrado Gómez. Os dois foram seqüestrados em 1977. Em lugar de desvanecer-se, a história é cada vez mais nítida.
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