No contexto da improvisação do Jazz, o padrão de performance é os músicos tocarem sem auxílio de notação musical. Obviamente, que se uma melodia de um solo estiver escrita na partitura não se trata de uma improvisação. Aliás, informalmente alguns grupos musicais podem usar deste subterfúgio, na ausência de bons improvisadores, escrevendo o tal de “improfixo”. No máximo a notação trata-se da partitura com o tema escrito e cifrado, nos moldes dos chamados fakebooks (ou livros de improvisação), também conhecidos como songbooks. Um os exemplos mais conhecidos é o RealBook.
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Na cifragem, muitas vezes existe a notação das tensões dos acordes e neste sentido são utilizadas representações das notas, de acordo com o intervalo que fazem com a fundamental do acorde. Conforme segue:
• 2 significa segunda maior
• 4 significa quarta justa
• b5 significa quinta diminuta
• #5 significa quinta aumentada
• 6 significa sexta maior
• 7 significa sétima menor
• Maj7 (ou maj7) significa sétima maior
• b9 significa nona menor
• 9 significa nona maior
• #9 significa décima menor. É isso mesmo: uma décima e não uma nona.
• 11 significa décima primeira justa
• #11 significa décima primeira aumentada
• b13 significa décima terceira menor
• 13 significa décima terceira maior
• sus significa suspensão da terça e substituição pela quarta ou pela nota indicada (por exemplo: Csus, Csus4 ou Csus2)
Observação 1: A diferença entre utilizar-se um acorde com 13 e não com 6 é que quando se utiliza 13 subentende-se que exista uma 7 (sétima menor).
Observação 2: Na notação dos acordes de nona existe uma discrepância muito grande entre a notação brasileira e a americana, como segue:
C9 no Brasil significa dó, mi, sol, ré. Na notação americana, significa dó, mi, sol, sib e ré.
C(aad9), na notação americana é o equivalente a C9 na notação brasileira.
Observação 3: O intervalo de uma tensão não representa, necessariamente, a localização da nota no momento de montar o acorde em si. A montagem das notas é chamada de condução de vozes ou voicing.
Confira alguns exemplos de cifragem e notas resultantes:
G7sus4: sol dó ré fá
Dm(Maj7): ré fá lá dó#
G9: sol si ré fá lá (observe que inclui a sétima menor)
Bm7(b5): si ré fá lá
Bdim7: si ré fá láb (observe que, no caso desta cifragem, a sétima é diminuta)
Bdim: si ré fá (observe que aqui se trata de uma tríade diminuta)
Segundo Aebersold (1992, p. 3), os seguintes elementos são pré-requisitos para se tornar um bom improvisador:
1. “Querer improvisar”
2. “Ouvir jazz – em gravações e execuções ao vivo”
3. “Ter um método de prática - o que e como praticar”
4. “Uma seção rítmica para praticar e improvisar junto”
5. “Auto-estima e disciplina”
Considere esses conselhos do grande mestre do ensino desta arte! É difícil, principalmente para o músico que só toca lendo a partitura, sentir-se à vontade para criar, mas é só uma questão de prática. Não se preocupe com os outros. Desenvolva suas habilidades e lembre-se que cada obstáculo é uma oportunidade.
No jazz, uma lógica para se realizar a improvisação é a seguinte:
1. Verifica-se a tonalidade da música e observa-se sua forma e seu estilo.
2. Confere-se os acordes e sua relação com a melodia.
3. Verifica-se quais escalas podem ser utilizadas em cada acorde.
4. Estas escalas escolhidas serão a fonte básica das notas. Fala-se básica, pois pode-se utilizar notas adicionais, como os cromatismos.
5. Não é necessário utilizar-se de todas as notas disponíveis e nem ter que fazer escalas. É como em uma melodia!
6. As frases são criadas durante a performance, porém, ocasionalmente podem ser utilizados fragmentos melódicos previamente estudados e memorizados pelo solista.
7. Busca-se construir um discurso musical no conjunto das frases para tornar o solo mais interessante.
Na improvisação do Jazz, normalmente se tem um acompanhamento (base) dado, já com os acordes. Então, uma das primeiras necessidades do improvisador é saber quais das 12 notas da escala cromática combinam com os acordes dados.
Na combinação de um acorde com uma escala existem três possibilidades:
1. Notas de acorde. Soam consonantes.
2. Tensões. Soam medianamente dissonantes se forem utilizadas como notas longas, por exemplo.
3. Notas evitadas. Soam extremamente dissonantes se forem utilizadas sem um tratamento como nota de inflexão melódica.
É importante considerar que, conforme o nível de complexidade harmônica e a tonalidade, a caracterização de uma nota como de tensão ou nota evitada pode variar um pouco. O que temos aqui é uma proposta geral. Veja, o vídeo para entender melhor.
Este é um tópico, de certa maneira, polêmico. Isso porque alguns improvisadores tendem a considerar ou não a tonalidade na escolha das notas para um acorde. Por exemplo: Para o músico Y, se você disser para ele improvisar sobre um acorde de BbMaj7 ele vai simplesmente tocar uma escala. Para o músico Z ele vai lhe perguntar: “mas em que tom está o trecho?”. Para este músico, se você falar que o trecho está em dó maior então ele vai pensar: “então vou tocar uma escala lídia de sib (sib dó ré mi fá sol lá) já que em dó maior o mi é natural”. Ou, se você falar que o trecho está em sib maior ele vai pensar: “então eu vou tocar uma escala maior de sib (sib dó ré mib fá sol lá) já que em sib maior o mi é bemol e quero que soe bastante diatônico este trecho”.
Veja algumas ponderações sobre o tema a seguir.
Considerando a tonalidade e o acorde:
Garante-se que as notas utilizadas combinem tanto com o tipo de acorde quanto com a tonalidade do trecho.
A sonoridade fica mais natural, como em uma composição original, sem a marca de que o improvisador está utilizando algum recurso estranho à harmonia original.
Requer um maior domínio teórico harmônico do músico.
Dependendo do estilo musical, a tonalidade não é importante, não é evidenciada ou não existe. Tornando desnecessária ou mesmo indesejada esta abordagem.
Exige bastante do improvisador iniciante, o que acaba desmotivando-o.
Considerando apenas o acorde:
As notas utilizadas podem, ocasionalmente, conflitar com a tonalidade do trecho. Trazendo elementos não diatônicos à melodia.
A sonoridade fica mais artificial no momento da improvisação em relação à quando estava soando apenas o tema original da peça.
Requer um menor domínio teórico harmônico do músico.
Dependendo do estilo musical é uma abordagem preferível pois a maioria dos solos naqueles estilos são criados assim. Ou seja, é uma forma idiomática de escolher as notas em alguns estilos.
Exige menos do improvisador iniciante, o que acaba motivando-o.
Traz elementos sonoros diferenciados (notas interessantes, fora das monótonas notas diatônicas) o que abrilhanta o solo.
Qual caminho a seguir? Bom, neste guia iremos considerar as duas abordagens. O importante é o músico saber que existem, qual as forças e fraquezas de cada uma delas e quando devem ser aplicadas.
Existe uma questão terminológica que confunde muitos estudantes, principalmente por informações imprecisas advindas da internet que é entender a utilização do termo tônica e fundamental.
O termo “tônica” se aplica para duas coisas:
1. Nome da nota tônica de uma tonalidade. Por exemplo, em uma música em dó maior a tônica é a nota dó. E só isso, não existe outra tônica da tonalidade. Exceto que ocorra uma modulação para outro tom, então a tônica será outra.
2. Nome da nota do primeiro grau de uma escala qualquer. Por exemplo, na escala de dó maior a tônica é a nota dó, na escala de sol mixolídio a tônica é a nota sol, na escala de ré dórico a tônica é ré.
O termo “fundamental”, diferente do termo tônica, significa sempre apenas uma coisa, a primeira nota do acorde, a nota que dá nome ao acorde. Assim para CMaj7 temos como fundamental a nota dó. Para Dm7, temos como fundamental a nota ré. Em Abm7/Gb temos como fundamental a nota láb.
A confusão ocorre quando se estuda improvisação pois neste tipo de estudo, para cada acorde (com fundamental, terça, quinta e sétima) se associa uma escala e esta escala possui uma tônica. Então o estudante acaba confundindo o termo fundamental com tônica. Isso gera expressões teórico musicais erradas como a seguinte: “Dó é a tônica de CMaj7”. Na verdade, dó é a tônica da escala de dó maior que se usa para realizar improvisações sobre este acorde. O certo seria o seguinte: “Dó é a fundamental de CMaj7 e a tônica da escala de dó maior, utilizada sobre este acorde. Além disso, se por coincidência estou em uma música na tonalidade de dó (maior ou menor, ou em uma música modal em dó), a nota dó e a tônica”.
Este tópico é oposto ao anterior. Aqui o músico não quer saber qual o acorde e sim apenas o tom da música. Em alguns estilos musicais esta abordagem funciona muito bem e é até idiomática. Contudo, dependendo da harmonia da peça, pode gerar muitos problemas a ponto que o improvisador ser considerado alguém preguiçoso em seus estudos. Irei dar dois exemplos:
Exemplo 1. Um improvisador resolve utilizar apenas a escala pentatônica de dó maior (dó ré mi sol lá) para uma peça em dó maior. A harmonia da peça é: C | F | C | G7 | C |Dm7| G7 | C ||. Neste caso irá dar tudo certo.
Exemplo 2. Um improvisador resolve utilizar apenas a escala pentatônica de dó maior (dó ré mi sol lá) para uma peça em dó maior. A harmonia da peça é: C | F | C G7 | Ab| Eb | Fm | C ||. Neste caso começará bem, mas depois, ele estará tocando coisas que contrariam a harmonia. Soará estranho para o ouvinte leigo e errado para o ouvinte músico.
Ou seja, você pode fazer suas escolhas, mas tem que ter conhecimento dos aspectos envolvidos para que se apresente como um músico preparado.
Na improvisação existem dezenas de aspectos que você pode considerar para que ela seja interessante ao público. A ideia é que você construa melodias atraentes em tempo real. Já vimos alguns aspectos anteriormente como o uso de notas que combinem com os acordes e um bom controle rítmico para que você execute suas frases de forma coerente com o andamento. Todavia, não é só isso! Para criar melodias considere os seguintes nove aspectos:
1. Tessitura: grave, médio, agudo ou variada. Por frase!
2. Extensão das notas: menor que oitava, menor que décima segunda ou ampla. IMPORTANTE! Treine as notas das escalas em toda a extensão do seu instrumento.
3. Direção geral das frases: ascendente, descendente, ondular...
4. Dinâmica: pp, p, mp, mf, f, ff, cresc., decres….
5. Articulações e fraseado: acentos diversos, ligaduras...
6. Velocidade das notas: mais notas ou menos notas por compasso.
7. Silêncio: maior ou menor uso do silêncio (pausas).
8. Tamanho da frase: 1 compasso, 2 compassos, 3, compassos, 4 compassos, etc.
9. Dissonâncias: mais ou menos dissonâncias.
Um dos aspectos que o improvisador deve praticar é dominar uma variedade de possibilidades melódicas para o início de uma frase. A título de ilustração, considere as seguintes possibilidades para cada acorde diferente das bases 7, 8, 9 e 10. Crie frases de 4 compassos, conforme o acorde.
Quanto ao lugar:
1. Iniciar a frase no início do compasso.
2. Iniciar a frase antes do início do compasso.
3. Iniciar a frase após o início do compasso.
Quanto à nota (geralmente as frases iniciam em uma das notas dos acordes):
1. Iniciar a frase na fundamental
2. Iniciar a frase na terça
3. Iniciar a frase na quinta
4. Iniciar a frase na sétima
Então, utilizando as bases seguintes, pratique cada uma das três possibilidades quando ao lugar. Utilize um chorus para cada possibilidade.
Depois, siga da mesma forma utilizando cada uma das quatro possibilidades de início quanto à nota.
Na improvisação um dos elementos que permitem a comunicação entre músico e o ouvinte e contribuem na construção de um discurso musical interessante é o controle de tensão e do relaxamento. Lembrando que a tensão que se fala aqui não são as tensões harmônicas e sim uma tensão no sentido geral do termo.
Então, o que pode gerar mais ou menos tensão em uma improvisação? Considere o que o improvisador pode pensar, em algumas categorias, conforme o quadro:
É claro que cada item independentemente pode não trazer o efeito desejado ou mesmo ser o contrário, dependendo do contexto. Por exemplo, com o parâmetro 6 temos que se existem muitos compassos de pausa isso é uma tensão mínima, mas se isso se estender pode causar uma ansiedade no ouvinte, gerando tensão. Ou seja, use essas ideias para lhe inspirar e não como regra absoluta.
Segundo (Taylor, 2000, p. 24) os seguintes maus hábitos tornam uma improvisação ineficiente:
Ficar continuamente tentando tocar mais agudo, mas rápido e mais forte, indo parar em um beco sem saídas.
Tocar muitas ideias novas, no lugar de desenvolver as ideias que já foram tocadas.
Ficar preso nas mesmas ideias, alturas, rítmicas e expressão (ou à falta dela).
Pense nisso ao improvisar. Grave suas improvisações e depois as ouça, buscando conferir se não está incorrendo em alguns destes maus hábitos.
Uma forma interessante de refrescar seu repertório de ideias é apresentada a seguir.
Escolha uma peça qualquer em áudio de um dos músicos listados a seguir e toque junto, mesmo sem conhecer a música, sem cifra, sem partitura e sem nada. Anime-se e seja ousado. Massageei as orelhas externas, antes. Finja que está na seção de gravação e que ganha por frase tocada.
1. Charles Mingus,
2. Thelonious Monk,
3. Miles Davis,
4. John Coltrane e
5. Ornette Coleman.
Em uma peça tonal a nota tônica tem um papel bastante proeminente. Por isso, muitas vezes, é possível se utilizar a nota tônica da peça, ou de um trecho, como nota de repouso, mesmo se for uma nota evitada. Considere o seguinte exemplo:
C | Em7| F G7 | CMaj7 ||
Neste trecho inteiro o improvisador poderia tocar a nota dó, sem se preocupar em utilizá-la como nota de inflexão melódica, mesmo nos acordes em que ela é uma nota evitada, como no Em7 e no G7.
Esta lógica se aplica também a regiões tonais, por exemplo:
CMaj7 | Em7| Bbm7 | Eb7 | AbMaj7 | Dm7 | G7 | CMaj7 ||
Ou seja, nos compassos 3, 4 e 5, na região de lá bemol maior, o improvisador poderia utilizar com liberdade a nota láb por ser a “tônica” desta região.
Esta lógica é uma ideia geral e deve ser considerada mediante o estilo musical da peça. Nuances de o que é adequado ou não a um estilo advém da experiência, de ouvir e tocar em grupos musicais de estilos específicos.
Uma boa dica é utilizar discografias disponíveis na internet para ampliar sua experiência e entendimento.
Considerando o que foi indicado sobre as escalas pentatônicas e sobre o papel da nota tônica na improvisação é possível, em muitos casos, se improvisar utilizando-se unicamente a escala pentatônica da tonalidade. Por exemplo:
CMaj7 F | Em7 | Dm7 G7 | C ||
Neste trecho todo, poderia ser utilizada a escala pentatônica maior de dó (dó ré mi sol lá) mesmo que, ocasionalmente, resulte em notas evitadas com seria a nota dó em Em7 e em G7.
Então pratique, sobre o seguinte áudio, improvisando com a escala pentatônica maior do tom, que é dó maior. Se seu instrumento for em Bb, o tom é ré maior, se for em Eb, o tom é lá maior).
♫ Experimentando em dó maior [16c3x] | 01 Soul 124
Taylor indica algumas etapas a serem consideradas no processo criativo:
1) Visualize o que você quer criar.
2) Planeje e projete sua criação.
3) Entenda quais são seus materiais de construção e como usá-los.
4) Resolva problemas que surgem no planejamento, projeto e etapas de construção.
5) Analise o que você está criando para fazer melhorias (Taylor, 2000, p. 30)
Uma forma interessante de planejar sua improvisação, baseada em Aebersold (1992), é pensar em um gráfico conforme os compassos da música, como os neste exemplo com a organização de uma improvisação sobre 3 choruses de 32 compassos.
A ideia é pensar que a cada chorus deve haver um clímax, mais para o final (por volta de 70% da duração) que para o começo do trecho, e que a cada chorus haja um clímax maior que o clímax anterior, deixando o clímax máximo para o último chorus.
Segundo Aebersold (1992, p. 6) “transforme-se em uma criança ao tocar”. Corra riscos, mas ouça cuidadosamente.
Segundo Aebersold (1992, p. 47), os seguintes são pontos importantes a serem considerados ao se improvisar:
1. Música é comunicação – o improviso é uma forma especial de comunicar.
2. Não toque tudo o que sabe em cada solo.
3. Ouça o que faz enquanto toca – desenvolva a ideia que você acabou de tocar!
4. Será que o seu solo tem tensão demais – resolução demais?
5. Você divagaria com as palavras da mesma maneira que o faz com as notas?
6. Toda vez que você improvisa, tem a chance de dizer algo. Você diz?
7. Em geral, somos capazes de lembrar o que acabamos de dizer (verbalmente). Você é capaz de lembrar o que acabou de dizer musicalmente?
8. Seu instrumento é apenas um meio de libertar os pensamentos de sua mente.
9. Faça com que suas linhas melódicas CANTEM através de seu instrumento.
Pense neles de busque aplicá-los à sua vida de improvisador.
O professor de piano popular Jonny May, na descrição de um dos seus vídeos[1] sobre licks, comentou o seguinte:
Quer saber qual é um dos maiores mitos quando se trata de improvisação? Como um jovem estudante de jazz, me ensinaram que improvisação significa "composição espontânea". Talvez você tenha ouvido uma definição semelhante. Isso é realmente uma distorção da verdade. Na prática, as linhas improvisadas não são bem "espontaneamente compostas", mas sim, "espontaneamente lembradas". Esta é uma distinção significativa, especialmente porque a linguagem jazz faz paralelos com a língua falada. Os palestrantes não criam espontaneamente palavras ou frases quando falam [...]. Então, se você quer ser um grande improvisador, você realmente precisa aprender alguns licks de piano de jazz (MAY, 2020).
Algumas vezes, durante uma improvisação, o solista pode abrir mão de um interessante recurso que é executar um lick (literalmente, lambida), que é uma frase musical interessante previamente ensaiada, memorizada e transposta para ser aplicada em algum trecho o solo.
[1] Link para o vídeo: https://youtu.be/SZh-cUxBUQs