Para que servem as universidades? Espaços de educação como um todo são lugares que guardam saber e cultura que devem ser exteriorizados. Para tanto, são necessários intensos processos seletivos para determinar quem é apto ou não para uma determinada vaga.
Ao redor do mundo é possível ver como os meios de avaliar o conhecimento e o repertório sociocultural carregado pelos estudantes com interesse no ingresso em universidades são diversos, desde provas, entrevistas, cartas de recomendação, redações, bom histórico escolar, questionários socioeconômicos e até mesmo atividades extracurriculares são bem-vindas.
Tudo isso para reconhecer um estudante pela pessoa que ele significa e representa para o meio em que se encontra; para alguns sistemas isso é o verdadeiro significado de ser um ser social que deveria ocupar um espaço numa instituição de ensino superior, porque estes são capazes de criar e, portanto, evoluir, como líderes com posição de impacto social que precisam de mais apoio.
Mas e quando isso não acontece? Como já disse Raoul Vaneigem, “a obrigação de produzir aliena a paixão de criar”, isso é o que rodeia por exemplo o sistema educacional brasileiro com sua produção robotizada em massa, não de criadores e fomentadores de conhecimento, mas de máquinas copiadoras que perdem o interesse pela inovação.
De acordo com a pesquisa do Melhor Escola, praticamente todo o ensino oferecido nesse período escolar no Brasil segue a metodologia tradicional, colocando o professor como protagonista e contribuindo com a inserção de conhecimento por meio de exercícios, fórmulas, memorização e criação de hábitos. Sendo assim, aplicado com interesse em diversos centros educacionais espalhados pelo país, produzir para fazer avaliações, não necessariamente para que os estudantes se tornem inspirações de impacto social e gerem transformação.
Isso acontece porque aqui se defende que apenas uma prova é a melhor maneira de mensurar a qualidade do ensino médio no país, considerando também que as escolas não estão formando profissionais para lidar com outra situação senão aquela que foi imposta ao estudante que, ao meu ver, ao invés de aprender por aprender e ser um bom profissional, aprende simplesmente para ser aprovado como uma mente pensante criativa trancada em uma caixinha escura.
Já é de conhecimento popular brasileiro que o principal meio de acesso às universidades no país é o Exame Nacional do Ensino Médio(ENEM), uma prova dividida em dois dias e em quatro áreas do conhecimento: Matemática e suas tecnologias, Ciências humanas e suas tecnologias, Ciências da natureza e suas tecnologias e Linguagens, códigos e suas tecnologias.
Ultimamente, é perceptível como esse teste tem evoluído no sentido de que tem tratado sua composição conteudista com cada vez maior interdisciplinaridade, contexto e preocupação social ao exigir, por exemplo, redações com propostas de intervenção atuais desde o ano de 2009 e isenção das taxas de inscrição desde 2001. Contudo, para um exame que avalia o ensino brasileiro como um simulado, seria de se esperar que o conteúdo aplicado aos estudantes e o método avaliativo fossem compatíveis, o que não condiz muitas vezes com a realidade. Não é à toa que, de acordo com o próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), as notas médias do ENEM 2019 por exemplo, caíram em todas as provas objetivas.
Isso coloca em pauta, inclusive, o quão legítimo é o caráter democrático deste exame, quando, por mais acessível e equalitário que ele se disponha a ser com a adesão do sistema de Cotas pelo Siso e a isenção de taxas, ele ainda não é capaz de mensurar com certeza a qualidade ou não do ensino em si, considerando que este é extremamente desigual em todo o país, então seria o ENEM a melhor opção à qual podemos aderir?
Esta prova busca avaliar milhões de estudantes todos os anos e dar notas que supostamente medem o quão bom estudantes são, independente de como estudam, independente do que fazem com seu tempo, independente do tipo de ensino a qual tiveram acesso, de como são suas relações interpessoais, independente da sua saúde psicossocial, de qualquer fator externo que possa afetar a vida desses estudantes que foram obrigados a produzir incessantemente e perder o interesse em todo e qualquer mecanismo de transformação social. Outra reflexão seria o questionamento com relação à compensação trazida pelo sistema de cotas sobre as independências citadas, quão abrangente e inclusivo esse sistema pode ser considerando as grandezas segregantes dentro do sistema educacional? Será que somente as cotas, diminuindo as notas de corte para grupos específicos, seriam capazes sanar as diferenças trazidas pelo contexto social pleno de cada estudante?
Muitos estudantes se deixam definir e se fazem acreditar que são representados por essas notas, mas não são, porque uma prova como essa nunca será capaz de avaliar a grandeza do potencial que essas pessoas têm. A inteligência de alguém não pode ser calculada por meio de comparações oportunistas dentro de um sistema desigual.
A pergunta é… qual a razão para matar o que há de mais rico, criativo e inspirador que uma pessoa possui a custo de uma nota que nunca vai defini-la?