Por: IFB em Pauta, 18/01/2022
A professora Fernanda Ribeiro, doutora em Letras e Linguística pela UFG, atuante na rede dos Institutos Federais há quatorze anos, lançou seu oitavo livro! Em “Dando a Letra”, discute a respeito do ensino de Língua Portuguesa, apresentando “ciclos completos de aulas para quem é professor e para o aluno que gosta de estudar sozinho ou acompanhado”, como explica Fernanda Ribeiro. O IFB em Pauta preparou algumas perguntinhas para que nossos/as leitores/as saibam mais sobre esta brilhante obra:
IFB em Pauta: Professora Fernanda, “Dando a Letra”, já na apresentação, mostra a que veio. Você pode compartilhar conosco como surgiu o argumento do livro e o que te mobilizou a escrevê-lo?
Fernanda Ribeiro: Escrever é uma verdadeira paixão, assim como ensinar. Durante minha prática, gosto de estimular os alunos a escreverem pelo meu exemplo também. Sempre que possível, uso textos meus e coloco no papel práticas que funcionaram didaticamente. Produzo meu material para gerar sintonia com o que vou recebendo e aprendendo com os estudantes. Tenho muita dificuldade com atividades repetidas e de repetir a mesma aula várias vezes, por isso, sempre estou “inventando moda”. Por estar sempre curiosa, estudando sobre assuntos diversos sempre tem coisa nova que quero trazer, falar a respeito. Ao mesmo tempo, gosto de acreditar que essas práticas podem auxiliar outros professores ou pessoas que queiram aprender sem mediação externa. As discussões teóricas na educação nem sempre são sistematicamente traduzidas em modelos práticos que pensam naqueles profissionais da educação sobrecarregados por cargas horárias absurdas. É pensando neles que escrevo também.
IFB em Pauta: Sem papas na língua, você introduz a proposta de forma objetiva e já desenvolve magistralmente uma questão que é um dos maiores problemas do processo de ensino e aprendizagem, o próprio profissional da educação. “O professor é um vaidoso. Sente-se injustiçado por aqueles que não dão a mínima para tudo o que ele sabe. É onde o perigo e o erro se abraçam.” Você se depara com profissionais com este perfil até hoje?
Fernanda Ribeiro: Constantemente. Professor é a profissão mais poderosa de todas e, talvez, por isso, a que os donos do poder mais tentam diminuir. Todavia, é poderosa justamente no lugar onde a vaidade não entra - que é a de construir a autonomia, o amor pelo conhecimento, pela diversidade, pela horizontalização das relações… Deveria haver valorização simbólica, ideológica e prática de nossa profissão. Ainda hoje, nos deparamos com perguntas como “você SÓ dá aula?” e um muxoxo quando contamos o que fazemos da vida. Do outro lado, há aqueles que ingressam pela carreira docente por aquilo que ela deveria combater - egocentrismo, autoritarismo e necessidade de afirmação. Docentes que não admitem o contraditório, que se vangloriam pelos altos índices de reprovação de seus alunos, que fazem de tudo para desestimular aqueles estudantes que precisam de … professor. Para esses, bons alunos são os que “não dão trabalho” e ignoram que estão ali em contato com outras vidas humanas que também têm muito a ensinar. Falta edição também, sabe? Delimitar o que é realmente relevante para o aluno saber. E, definitivamente, nem tudo o que foi importante para nossa formação, é fundamental para as necessidades do outro.
Jornal IFB em Pauta: Professora Fernanda, para quem teve o privilégio de conhecer você, dá para enxergar a Fernanda em cada página do livro. Agora, como você articula os principais temas abordados no livro com a sua atuação como pesquisadora e docente da EPT?
Fernanda Ribeiro: Obrigada pelo “privilégio” kkkkkk. De verdade, sinto-me talhada para o que os institutos federais colocam como missão - integrar os diferentes níveis de ensino, promover verticalização do ensino de forma não-elitista, trazer uma formação significativa em que o ensino técnico não seja adestramento, mas caminho para a autonomia e para a criatividade. A escrita dos meus livros é toda modular, pode-se começar por qualquer capítulo. Apesar de todos conversarem entre si em um mesmo processo, um pode ser lido independente do outro. Sempre criei assim, tanto nos meus textos acadêmicos quanto nos artísticos. Isso favorece uma fluidez inclusive entre níveis de formação, serve para o aluno de ensino médio e para o de graduação e cada um vai receber informações de níveis diferentes no mesmo texto. Quem convive comigo vê que minha fala e minha escrita têm esse tom provocador e apaixonado. Às vezes, até exagerado. Nascem, entretanto, da minha sólida crença de que os institutos são um espaço privilegiado de realmente revolucionar o ensino. E encrenco, de vez em quando, com quem quer nos transformar em arremedos de universidade. Somos mais que isso.
IFB em Pauta: Há um trecho maravilhoso em que é visível a sua concepção de ensino. “A escola existe para criar seres tão confiantes que conseguirão entender que aprender é processo para gerar autonomia e que o conhecimento que sustenta seus pés estará sempre a um passo de ruir e novas construções serão feitas.” Professora Fernanda, na realidade da escola pública, como ensinar de forma crítica, valorizando uma postura ativa do aluno e ao mesmo tempo manter a consistência e encadeamento de conteúdos que são cobrados nos processos seletivos?
Fernanda Ribeiro: Acho que o ensino “panfletário” não ensina. É o mesmo que aquela peça contra as drogas em que os personagens repetem “diga não às drogas” hahahahahahahahahahahahaha. Só consigo revolucionar a vida do estudante se desenvolvo as habilidades que irão condicionar toda sua vida civil. Escrever de acordo com as regras da gramática padrão promoverá acesso a meios formais e de trabalho e de ensino. Interpretar um texto e relacionar as informações com outras fontes são cruciais para a formação de um legítimo senso crítico e não mero repetidor de problematizações superficiais. É possível falar de utilidade do abstrato, que são as habilidades do ensino de linguagens. É um fluxo em que ampliar os potenciais formais de expressão exponenciam a compreensão e expressão de si mesmo. Em uma aula de língua portuguesa em ensino técnico, posso ensinar como elaborar um currículo enquanto compreendemos as forças discriminatórias que podem atuar nesse processo. Há injustiças que doem, mas não se sabe onde. E posso garantir, naquele texto em que falo sobre feminicídio, aprendemos sobre o uso da vírgula, da estruturação semântica de uma frase e do 190. O machista se encrespa com o tema, mas é obrigado a interagir com o texto para aprender sobre interpretação e o que pertence ou não ao que está escrito. É obrigado a formular suas ofensas em um texto que se sustenta. E aí, ele recua. Quem disse que não se pode usar o conteúdo como defesa e como ataque aos que resistem repensar as próprias crenças? Dá trabalho, mas o professor que traz o conteúdo como processo de pensamento e não produto acessível para eleitos, é a verdadeira revolução.
A versão on-line do livro está disponível em:
http://revistaeixo.ifb.edu.br/index.php/editoraifb/issue/view/138