O balé clássico em todo o seu amor e dor
Por Karen Reis - 21/05/2021Existem poucas coisas na vida que fazem dos seres humanos realmente felizes, a arte é uma das maiores. Por meio dela é possível viver inúmeras vidas sem ao menos mudar de lugar, seja lendo, escrevendo, cantando, pintando, esculpindo… toda forma de arte é bem-vinda e extremamente saudável para o corpo e para a alma.
Isso acontece porque a arte é sobre expressão, sobre sentir e sobre se emocionar. Existem situações e sentimentos que somente manifestações artísticas podem ser capazes de demonstrar e exteriorizar como, por exemplo, quando dizemos que o lugar do amor é nos livros, já que algo tão raro é muito pouco experienciado pela humanidade. Então como saber o que é amar, sem nunca ter amado, sem a arte?
O lugar do amor não está só nos livros, embora as páginas de um bom romance possam guardar histórias de amor maravilhosas, ainda há aqueles que têm a sorte de vivê-lo, e para outros que não têm a chance, sempre vão existir mais formas de arte, como a dança em todos os seus ritmos e aspectos.
Um dos estilos de dança mais famosos e antigos do mundo é o balé, que em todas as suas variações tem em seus bailarinos a base sólida da dança. De acordo com os historiadores, a palavra teria nascido no século XVI, mais especificamente na Itália, lugar onde era chamado de “Balletto”, cuja tradução aproximada seria Dança. Ao chegar na França existe uma variação do nome, passando a chamar-se “ballet”.
Esta dança surge em meio ao renascimento, como uma maneira teatral conhecida como pantomima, assim, os atores se expressavam através dos seus movimentos corporais e fisionomia, depois de muito preparo (que até hoje exige muito de todos os bailarinos, mesmo os que não fazem da dança um ofício).
Antes o espetáculo de balé tinha falas e, à medida que evoluiu, foi perdendo essa característica, mas manteve alguns aspectos relativos ao movimento, como a postura ereta, o En Dehors (rotação externa dos membros inferiores), entre outros movimentos, a movimentação circular dos músculos superiores, a verticalidade do corpo, a disciplina, leveza, harmonia e simetria sempre presentes.
O balé chega ao Brasil no Rio de Janeiro com uma bailarina russa chamada Maria Olenewa em janeiro de 1927. Ela criou a Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal que, aos poucos, ajudou a difundir a modalidade pelo país. Com o tempo, esta modalidade artística foi mudando tanto na forma de dançar, como os espetáculos e seus figurinos, cenários e narrativas que eram contadas através da dança. Antigamente as histórias contadas por meio do balé clássico eram conhecidas como apresentações de repertório, um conjunto de atos e cenas que formam uma sinfonia teatral dançante.
Assim como em outras expressões de arte, esta dança provocou inúmeras demonstrações de sentimento que acompanhavam tudo que acontecia no mundo ao redor e seu impacto social, com tópicos como a revolução industrial, as grandes guerras, o imperialismo, a escravidão e muito mais.
Um dos meus balés preferidos e um dos maiores balés de repertório do mundo, é “La Bayadère”. Dividido em três atos e cinco cenas, com música de Ludwig Minkus, coreografias de Marius Petipa, e texto de Marius e Sergei Khudenov, teve estreia mundial em 1877, no Teatro Mariinsky de São Petersburgo. O título significa “a dançarina”, traduzindo do francês, de modo que este apresenta-se como um ballet extremamente regionalista, mais especificamente, trazendo mais da cultura euroasiática.
A dança conta a história da dançarina do templo chamada Nikiya e de seu grande amor, o guerreiro Solor. A narrativa conta que os apaixonados resolvem se unir e fazer de seu amor infinito, jurando eternidade deste diante do fogo sagrado de seu povo. Infelizmente, para o casal, Solor esquece seu juramento e aceita se casar com Gamzatti, a filha rica de Rajá, um homem muito poderoso que estava muito satisfeito com seu guerreiro.
Nikiya descobre e tenta de tudo para impedir que o casamento acontecesse, declarando seu amor por Solor em frente a Gamzatti, mas esta se mostra resiliente e tenta subornar a apaixonada que se vê até mesmo ameaçando inconsequentemente a vida de Gamzatti, erguendo uma adaga, embora sem a intenção de matá-la, o que assusta ambas mas isso não impede a herdeira de se casar com o guerreiro.
No dia do noivado, Nikiya é obrigada a dançar para os noivos e Gamzatti aproveita o momento para se vingar dela, mandando que lhe entregasse uma cesta de flores com uma serpente venenosa, que ataca a bailarina. O sacerdote do templo, Brâmane, que nutria sentimentos por Nikiya, oferece a ela o antídoto, mas ela prefere morrer ao ver seu amor condenado a outra.
Extremamente abatido, Solor sai ao encontro de entorpecentes para se manter longe de sua própria realidade e, depois de fumar ópio, tem uma alucinação com o fantasma da mulher amada e de outras bailarinas apaixonadas, as bailadeiras.
Depois deste momento de fuga, Solor é levado para seu casamento e jura amor eterno a Gamzatti frente ao fogo sagrado, que descontente provoca uma terrível trovoada seguida do desmoronamento do templo, matando todos os presentes. O ballet de repertório termina com o espectro de Nikiya vindo buscar Solor entre os escombros para que a profecia dos dois se realize, vivendo seu amor eternamente.
A viagem à Índia imperial que este ballet proporciona é um dos detalhes sensacionais envolvidos com um enredo forte e expressivo que nos faz refletir sobre os limites humanos, a saúde espiritual, a corrupção, a ganância e, sobretudo, o amor. Não em contraste, mas em sintonia com o luto.