“É assim que acaba”, livro de Colleen Hoover
Por Karen Reis, 18/10/2021
A personagem principal é Lily, uma jovem formada em marketing, que se mudou de uma cidadezinha do Maine para Boston, e abriu a própria floricultura. Ela se apaixona por um neurocirurgião e de repente se vê em um relacionamento conturbado. De acordo com descrição do Amazon Books “o romance mais pessoal da carreira de Colleen Hoover (...) aborda alguns tabus da sociedade para explorar a complexidade das relações tóxicas, e como o amor e o abuso muitas vezes coexistem em uma confusão de sentimentos.”
(Alerta de spoiler!) Após a leitura deste obra, é possível compreender a complexidade de denunciar um abuso. Ao falar sobre violência doméstica, às vezes nos deparamos com opiniões controversas, evidenciando que uma esmagadora maioria acaba deslegitimando as vítimas. O livro definitivamente é um “tapa na cara” das pessoas que persistem com esse tipo de argumento. Desde o início da leitura nos solidarizamos com a protagonista e isso nos ajuda a entender as dificuldades de uma mulher em situação de violência. Na obra, é a força da personagem e não a sua fraqueza que também nos faz compreender como a saída desse tipo de relação é difícil e perigosa, enquanto o envolvimento é praticamente inevitável. Lily jamais se mostrou uma mulher fraca, pelo contrário, ela sempre foi retratada como uma mulher extremamente instituída, até por ver a própria mãe se envolver em um relacionamento abusivo que a levou a uma morte terrível. Isso não só demonstra que informação nunca é demais, como também demonstra que sem o devido atendimento psicológico, uma mulher em situação de violência será violentada outra vez.
Enquanto isso, a perspectiva desse tipo de relação é colocada na mesa de maneira sublime mostrando aos leitores a realidade de uma relação tóxica, porque ao contrário do que se pensa, ela não começa tóxica ou abusiva, mas se desenvolve dessa maneira enquanto existe dependência emocional e todo tipo de sentimento envolvido. A autora consegue facilmente colocar o leitor no lugar de Lily e, assim, o envolver de tal forma que é quase possível viver a divisão que a protagonista sente no decorrer da história. Como leitora, uma visão como essa só é possível graças à conexão próxima que a própria Colleen tinha com os abusos retratados, já que a história é baseada em uma própria experiência familiar.
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Embora a história não retrate todos os tipos de violência psicológica, moral, patrimonial, física ou sexual de um relacionamento abusivo corriqueiro, ele apresenta inúmeras informações de maneira bem detalhada. Observamos todas as fases e ciclos do abuso acontecendo enquanto vemos o ponto de vista da mulher em situação de violência, o seu sentimento, e esse prisma é importante, considerando a tamanha deslegitimação e também a apatia das mulheres que já saíram desse tipo de relação.
Em muitos momentos, a autora romantiza situações, pensando como a vítima, e essa romantização justamente põe em evidência a dificuldade de se enxergar depois de um abuso. Assim como é difícil enxergar a existência dessas situações do outro lado da dor. Contudo, com o tempo os momentos bons desaparecem para dar lugar à visão do abuso, mas isso não quer dizer que eles não existam. O processo de aceitação da protagonista é tão forte que podemos senti-la caindo em si, enquanto se percebe como vítima, assim como grande parte das mulheres que desconhecem a situação de abuso que vivem.
Na minha opinião, algumas situações são retratadas de maneira até um pouco superficiais, já que existia espaço para discussões ainda mais pesadas, como a profundeza do relacionamento da mãe de Lily. O Plot Twist é um pouco previsível, pensando nos traços singelos e tradicionais de abuso e, além disso, acredito que o personagem Ryle poderia ter sido menos estereotipado, porque talvez exista aquela impressão de que ele é a exceção e não a regra, embora não seja nada disso, o que de fato não diminui a importância do livro em absolutamente nada. É impossível dizer que mulheres em situação de violência doméstica continuam nessa situação porque desejam. Ao ler esta obra nos despimos de todo e qualquer julgamento para sofrer com a realidade triste das nossas estatísticas.