Por: Bruna Belmont - 05/03/2021
“Morte violenta de mulheres no Brasil e novas vulnerabilidades: da violência do patriarcado privado à violência do patriarcado público” é o título do livro de Mariana Nóbrega, resultado da sua tese de doutorado defendida em 2020. O livro chamou minha atenção primeiramente pelas “novas vulnerabilidades”. Fiquei curiosa para saber do que se tratavam e como a autora iria construir esse estudo. Também, por saber que a pesquisa da autora envolvia a minha cidade, João Pessoa, e um dos cenários para o contexto da morte das mulheres era justo o bairro em que iniciei minha jornada enquanto professora da rede pública de ensino. Esperava um livro técnico e denso, visto que resultaria de anos de estudos acadêmicos, e estava me preparando para lidar com um assunto tão pesado, contudo, desde o início, fui fisgada pela precisão e simplicidade da linguagem da autora.
Mariana resgata os primeiros estudos sobre mulheres autoras e vítimas de práticas criminosas e nos leva a conhecer a história do feminismo no Brasil, o que me levou a constatar como é insuficiente o meu conhecimento acerca deste tema, ao mesmo tempo me motivando a conhecer mais por meio da vasta bibliografia a qual temos acesso. Uma das autoras estudadas por Mariana é Sylvia Walby, para ajudá-la na compreensão de como o patriarcado deixa de ser privado para ser público e como traz um impacto tremendo na vida das mulheres. Outras pensadoras como Ângela Davis, Ana Paula Portela e Flávia Biroli são referências nos capítulos iniciais.
Ao percorrer cada capítulo, a relevância das informações e o suporte teórico utilizado para fundamentar o seu texto me dava a sensação de que tinha em mãos um rico material sobre os temas de maior importância para se compreender a sociedade atualmente: a emancipação feminina, o patriarcado público, o narcotráfico, a criminalização das drogas, o encarceramento em massa, e o extermínio da população pobre e negra. Pautas essenciais para entender o objetivo central da pesquisa que buscou atualizar os estudos sobre homicídios de mulheres no Brasil, partindo da seguinte indagação: “Tendo em conta as mudanças na forma do patriarcado, nas dinâmicas de classe e de raça, ao se considerar números globais sobre homicídios de mulheres, é possível ainda inferir que os feminicídios são os principais responsáveis por essas cifras?
A partir desse questionamento, a escritora vai explicando como a morte das mulheres está para muito além dos casos tradicionais de feminicídio, tendo em vista as mudanças ocorridas nos últimos anos nos aglomerados urbanos, locais em que o tráfico de drogas se faz presente de maneira massiva. Mariana realizou uma pesquisa documental a partir da análise de inquéritos policiais de homicídios dolosos contra mulheres nas capitais João Pessoa e Porto Alegre ocorridos entre 2013 e 2017. Ela nos mostra que a maioria dos casos de morte de mulheres analisados estava associado ao narcotráfico, resultantes de situações que fugiam aos conflitos domésticos e ataques de cunho sexual. No momento da análise dos dados, parecia que visualizava as minhas alunas e as suas mães e filhas. Sabia, através delas, daquela realidade do bairro de Mandacaru, em João Pessoa, o segundo maior cenário dos homicídios analisados na pesquisa. Há uma capítulo que traz uma breve história de duas das maiores facções da cidade de João Pessoa e lembrei dos alunos que eram envolvidos de alguma forma com estas facções, como uma sina, diante de uma realidade de tamanho desamparo social.
Considero “Morte violenta de mulheres no Brasil e novas vulnerabilidades: da violência do patriarcado privado à violência do patriarcado público” um livro para se ter e consultar sempre que precisar, pois, foi um ponto de partida para ampliar o meu repertório sobre as pautas discutidas e agora entendo ainda mais a urgência de se ampliar o olhar sobre o tema. E como realiza Mariana de forma primorosa em sua pesquisa, em suas próprias palavras: “situar os estudos sobre violências contra as mulheres dentro de dinâmicas contemporâneas do patriarcado, do capitalismo e do racismo.”
Confira a seguir a entrevista realizada pelo IFB em Pauta com a autora Mariana Nóbrega:
IFB em Pauta - Mariana, o seu livro é fruto de um trabalho de pesquisa intenso que vem sendo desenvolvido há alguns anos, mais especificamente no seu doutorado defendido em 2020. Contudo, gostaríamos de saber o que despertou o interesse pelo tema da morte e violência contra mulheres no Brasil. Foi no curso de Direito? É possível identificar um momento em que você reconhece o desejo de pesquisar este tema?
Áudio da autora Mariana Nóbrega:
IFB em Pauta - Reconhecemos a densidade do tema do seu livro e o quanto o trabalho de pesquisa acadêmica necessita de uma intensa dedicação, se tornando parte essencial da vida da/o estudante durante os anos de pesquisa. É notório o quanto você domina o tema e escreve de forma compreensível e com uma certa leveza, mesmo se tratando de um texto originalmente acadêmico e de um assunto tão doloroso. Você pode nos falar um pouco sobre o seu processo de escrita e sobre a sua saúde mental durante este processo?
Áudio da autora Mariana Nóbrega:
IFB em Pauta - Você faz no livro um percurso até chegar ao cenário entre os anos da sua investigação - 2013 a 2017 - em que a violência nos centros urbanos está associada ao tráfico de drogas, à criminalização e encarceramento da população negra, e a morte de mulheres está cada vez mais relacionada ao narcotráfico e às dinâmicas do patriarcado público. Chegamos em 2021 de forma desastrosa, em meio a uma pandemia, e com as desigualdades sociais cada vez mais acentuadas. Mariana, é possível pensar em um cenário positivo para as mulheres? Quais seriam as soluções viáveis para a diminuição da violência e morte das mulheres no Brasil?
Áudio da autora Mariana Nóbrega:
Mariana Nóbrega é doutora em Ciências Criminais pela PUCRS e mestra em Ciências Jurídicas pela UFPB.