The bright side of the moon | Descrição do projeto
O presente projeto consistiu na análise de “elementos visuais” existentes no meio ambiente (Açores) e sua problematização estética. O meio envolvente foi observado em termos físicos e geográficos, através de uma reinterpretação plástica de elementos naturais como a Lua e os vestígios da atividade vulcânica existente nos Açores. Da análise efetuada, a luz, a forma, o espaço e o tempo, surgem como elementos do trabalho.
Nos Açores e em particular na Ilha de S. Miguel pode-se encontrar um território de alta sismicidade e de média vulcanicidade onde coexistem mecanismos teutónicos e vulcânicos complexos. De entre estes, podemos encontrar cones vulcânicos cuja forma determinou em conjunto com as formas da lunação um ponto de partida formal para a modulação ou inscrição nos trabalhos implicitamente ou explicitamente (conforme os casos) de figuras circulares ou semicirculares. A volumetria existente em alguns trabalhos, determina comportamentos ao nível da observação e da circulação diferenciados por parte do espectador.
Na Lua, a luz solar é refletida pela sua superfície e durante a lunação, a parte iluminada apresenta-se com vários aspectos, consoante as posições relativas do Sol e da Lua em relação à Terra. Os trabalhos desenvolvidos, comportam-se do mesmo modo através de uma variação da luminosidade na sua superfície, dependendo do momento do dia em que é observado pelo espectador. Tal como nos relógios de Sol, as pinturas desenvolvidas criam um sistema de valores de carácter físico que permitem determinar (devido ao movimento síncrono dos seus elementos) uma variável temporal.
Entendendo-se a composição como instrumento estruturador dos elementos desenvolvidos, procurou-se hierarquizá-los de forma a dar ao espectador, uma “leitura” coerente dos objetivos a atingir. Considerando a variável tempo como o elemento mais importante e considerando este elemento susceptível de facilmente ser anulado em virtude de incorporar a luz enquanto veículo interpretativo da variável em causa, esta “delicada natureza” exigiu uma atitude “minimalista” no que respeita a todos os elementos visuais existentes. Elementos constitutivos dos trabalhos apresentados
De suporte quadrangular, o formato escolhido respeita um valor “neutral” pela própria natureza da figura geométrica em causa (de lados iguais), não interferindo na leitura geral dos elementos visuais e promovendo deste modo uma composição central.
Interagindo de forma ativa, o 1º plano manifesta-se de duas formas: Inscrição em alguns trabalhos de formas lineares circulares ou semicirculares a preto e sugestão através de valores volumétricos de formas circulares ou semicirculares através dos sombreamentos resultantes. Apesar de serem elementos de 1º plano, as formas circulares estruturam o 2º plano através do “equilíbrio” que emprestam aos restantes elementos e remetem o espectador para uma poética associada à luz (sombreamentos de 2º plano).
No 2º plano, desempenhando uma função aglomeradora em relação aos restantes elementos, as “filetes” horizontais ou verticais de forma tridimensional assumem-se como elemento omnipresente nas composições apresentadas, desempenhando um papel de “suporte” a volumes ou formas inscritas sobre a sua superfície, interagindo com a luz, refletindo-a ou sombreando-a conforme a “variável tempo” . De notar que a sombra provocada pelo valor tridimensional destes elementos, enquanto parte visível, deve ser interpretada de uma forma pictórica.
Em relação à cor, pela sua própria vocação expressiva, o branco, o preto e os cinzas, evocam facilmente “valores” absolutos, para além de serem neutros e consequentemente respeitarem a “variável tempo”. Do mesmo modo, os cinzas resultantes da sombra provocada pelos elementos tridimensionais assumem um valor plástico determinante na leitura dos trabalhos pois este elemento interage diretamente com os restantes elementos (anulando-os ou destacando-os) e o público.
Filipe Franco
The bright side of the moon | texto por Tomaz Vieira
Tomaz Vieira, pintor
Luar
Estes “luares” de Filipe estão corporizados num processo de recriação de luz. Olho para estas criações instruído pelo conhecimento das obras anteriormente produzidas pelo artista. Mais do que isso, olho-as com todas as referências que vêm desde um passado de três décadas. Refiro a minha memória desse tempo, quando docente de uma turma do nono ano de escolaridade e recordo um jovem criativamente irrequieto, formalmente insatisfeito e de persistentes decisões.
Agora, Filipe faz parte de uma geração de artistas em fase de confirmar os resultados da respectiva maturidade. Assistir ao “nascimento” de um artista, certamente condiciona uma postura perante a respectiva obra. Quantas vezes o facto de não se estar muito por dentro de um determinado processo “histórico”, poderá estimular a perplexidade expressa numa adesão espontânea, quiçá mais sentida, dos respectivos frutos ou consequências. Assim, outras pessoas poderão ver estas obras em contexto emocional diferente do meu. Por mim, aproveito o privilégio de uma panorâmica particular.
Depois de realizada uma obra, ela passa a ser uma ideia que adquiriu o próprio corpo. Uma vez materialmente separada do artista, tem de ser vista como entidade independente e de acordo com as respectivas intrínsecas potencialidades estéticas. Sabemos que os críticos, os sociólogos e os historiadores “emolduram” o juízo estético em variáveis que podem referenciar a obra em termos alheios à essencial existência dessa mesma obra. Por isso, abstenho-me de, nesta abordagem às obras de Filipe, referir classificações, quer se trate de “ismos” ou de quaisquer outras designações de estilo..
Nos trabalhos da série anterior, denominada “Óxidos”, Filipe estruturou formas de dimensão telúrica evocativas de uma postura contemplativa, acompanhadas de outras que, embora no mesmo contexto formal, podiam ter algo a ver com referências a “design”. A presença destas, junto das demais era como que uma estratégia para não deixar a Terra desabitada. Note-se que essas formas, pela escala e inutilidade funcional, apenas referiam “design” em termos de metáfora.
Os materiais então usados por Filipe incluíam terra do chão desta ilha e lama das caldeiras, num processo de aplicação com resultados muito próprios. Para além do mais, denunciava um ritual no âmbito misterioso daquele estado de espírito que se atinge quando se imprime alma e sentimento na matéria. A obra de Arte, sintetizou alguém com a devida propriedade, resulta de um problema sentido.
Depois de “lidar” com essa entidade feminina, com profundas referências simbólicas de fecundidade e criação que é a Terra, Filipe enfrenta, agora, novamente em “veneração” pelo feminino, a forma lunar enquanto fonte de uma luz única na nossa experiência emocional. A lua já foi adorada, já foi deusa, já foi responsável na projecção de múltiplos sentimentos e, quantas vezes, cúmplice do que quer que lhe possa ter sido proposto, para o bem e para o mal, durante toda a existência da Humanidade.
A ligação da anterior fase de trabalho de Filipe com a actual, tem, para além dessa correlação simbólica de feminilidade, outras tantas referências tanto de ordem formal como de cariz conceptual. Referio-me a aspectos que o artista evoca na estrutura sinóptica do projecto destas obras, por vezes derivados de questões científicas, assim como de questões filosóficas ou do âmbito gestáltico.
Na forma algo peculiar que lhe é própria, disse Bertrand Russel que “A Ciência fala de coisas que estão provadas; a Filosofia fala de coisas que não se conhecem”. ”Quando Einstein falou da curvatura da luz, isso ainda não estava provado, pelo que se tratava de Filosofia e não de Ciência….” Será a Arte exactamente a via de falar do que não se conhece, através de metáforas e de materiais conhecidos ?
A escolha dos materiais com que Filipe constrói estas obras é de um extremo rigor. Só eles podem alcançar objectivos muito bem definidos nas respectivas intenções. A “docilidade” textural e a leveza da chamada “esferovite” permite um corte com a momentânea expressão do percurso da mão que o talhou (quando não talhada com instrumentos de rigor industrial),. No método de execução escolhido por Filipe, a justaposição e ordenação dos elementos com que organiza cada composição, é feita com propósitos rítmicos. Propósitos esses, especialmente dirigidos ao jogo de iluminação a que são submetidas séries de barras paralelas geometricamente irregulares, predominantemente horizontais. O resultado, em termos de uso da luz, como elemento interveniente na composição, processa-se na interacção de porções de matéria iluminada com as respectivas sombras próprias e projectadas. É um conjunto de efeitos que, para além de poder conter algo de lúdico, enquanto factor próprio da criação artística, existe com a definida finalidade expressiva que tem a ver com um compromisso de intenção, isto é, com a temática destas obras. Trata-se de uma postura própria de quem procura uma determinada realidade, não a ilusão de qualquer realidade .
Os recursos oficinais de Filipe são sempre sublinhados pela qualidade da excelente execução das suas obras. Fá-lo agora, uma vez mais, sem qualquer perigo de cair no virtuosismo porque possue a mestria de integrar os materiais numa vivência própria.
Tomaz Borba Vieira
Janeiro de 2007 Moonlight