Festa do Rosário

Durante o Mês de Novembro, o centro histórico de Curitiba torna-se palco de uma série de ações de valorização e visibilidade da presença negra e da herança cultural afro.

Uma das recomendações da ONU em seu programa de ação para a Década Internacional dos Afrodescendentes, entre 2014 e 2025, é "honrar e preservar a memória histórica de pessoas afrodescendentes".

O ápice da programação cultural no Mês da Consciência Negra há alguns anos tem sido a "FESTA DO ROSÁRIO" e a tradicional lavação das escadarias da antiga Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito.

Ano após ano, esta ação singela, de beleza e alegria, resgatando da invisibilidade a memória de um tempo em que a Irmandade dos Pretos, as coroações de Reis Congos, os batuques e os fandangos eram pulsantes em nossa capital.

Inspiração

Festa inspirada na célebre lavação das escadarias do Bonfim, em Salvador, que atrai milhões de devotos em Salvador e reúne uma multidão em torno de uma programação de cultura e manifestações de fé e de louvor à Nosso Senhor do Bonfim. A tradição nasceu porque os senhores de escravos os mandavam limpar a igreja de Nosso Senhor do Bonfim para a festa. A fim de manter suas tradições religiosas, surgiu o sincretismo, associando divindades cristãs e do candomblé. Assim, a preparação da igreja foi transformada em um ato de louvor à Oxalá, entidade do candomblé que equivale, no catolicismo, à Jesus Cristo. A lavagem começa sempre depois da missa, ao som de muita música e muitos tambores em louvação a Oxalá. Após a lavagem, a festa continua durante o dia todo. Além da Lavagem do Bonfim, existem também a Lavagem da Purificação, Lavagem de São Gonçalo, Lavagem de Itapuã, e outras dentre tantas festas do calendário afro-baiano. Em Paris, há a Lavage da la Madeleine!

Na cosmovisão africana, foi Oxalá quem recebeu de Olorum (Deus) a missão de criar os homens e mulheres. Mas ele deixou alguns mais tempo no forno, outros menos, alguns ficaram maiores, outros menores... Por isso somos todos diferentes! Oxalá é o pai, o senhor da pureza, da brancura, da paz, da união, da fraternidade entre os povos. O mais elevado e mais amado dos orixás, o mais velho, o grande entre os grandes, por isso sua identificação com Jesus Cristo.

Em Curitiba...

Segundo a Velha Guarda da Capoeira Paranaense, se fazia necessário um evento para agregar as culturas de matriz africana na rua.

Com os capoeiras abrindo caminho, surgiu este espaço privilegiado para as manifestações da oralidade, musicalidade e corporeidade inerente à transmissão de conhecimentos nas culturas afro. Herança evidente no gosto pelos versos de improviso, na presença dos tambores (considerados sagrados nas religiões de matriz africana) e no constante movimento do corpo.

Desde 2009, a Festa do Rosário valoriza e dá visibilidade à ancestralidade negra em Curitiba, com a tradicional Lavação das Escadarias da antiga Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito, no centro histórico de Curitiba.

Lavação das escadarias da Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito

A festa começou como um singelo apelo contra a intolerância religiosa praticada contra os adeptos de religiões de matriz africana, na abertura do Festival Paranaense do Samba. Posteriormente, passou a fortalecer o amplo calendário de ações em celebração ao Mês da Consciência Negra.

Em 2011, no Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, o Festival Paranaense do Samba cedeu lugar ao Ciclo de Atividades denominado “Curitiba Afro”, mais abrangente, envolvendo outros elementos da cultura afro.

A lavação das escadarias da antiga Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito tornou-se uma grande festa de rua. Uma festa para agregar as culturas de matriz africana em Curitiba. Uma resposta à demanda surgida no segundo Fórum de Capoeira sobre Ética e Responsabilidade Sócio-cultural e materializada após a visita das mestras sambadeiras do Recôncavo Baiano, por ocasião do Festival Paranaense do Samba.

A força simbólica da lavação da antiga Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito é imensa. Além da metáfora de purificação contida no ato da lavação, a louvação a Nossa Senhora do Rosário também representa uma “benção” para a riqueza artística, a poesia, a música, a alegria em nossa cidade. Como padroeira das culturas populares, lhe pedimos as bênçãos para o afoxé, o samba, a capoeira, o Jongo, o maracatú, o frevo, a congada, o tambor de crioula, o côco, a embolada, a ciranda, o reizado, o fandango, o choro, as escolas de samba, o partido alto, o samba lamento, a gafieira, a contação de histórias, as danças de São Gonçalo, as Folias de Reis e tantas outras ilustres desconhecidas em nossa terra paranaense, batuques que surgiram no caldeirão inter-étnico que foi o Brasil colônia. Apagados por legislações racistas e eugenistas...

A festa da Consciência

A festa convida à reflexão sobre a história da Igreja do Rosário, construída pelos negros para os negros e que abrigava a antiga irmandade de São Benedito e duas Congadas, antes da abolição.

A busca desta história apagada pelas políticas eugenistas paranistas é repleta de subsídios para a comunidade afrocuritibana reencontrar os traços de uma identidade forjada na união, na perseverança, no trabalho e na religiosidade, na garra e no axé/n’guzo!

Na lavação das Escadarias da antiga Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito, as diversas linguagens e preceitos religiosos se (re) encontram em nome do fundamento comum às religiões: amor e respeito. Em torno do símbolo sagrado da água, fonte da vida, sobre a qual desde o princípio paira o Divino Espírito Santo. Regidos pela linguagem universal da música, com cantos sagrados de diversas tradições.

Em 2013, a Câmara de Vereadores aprovou sua inclusão no calendário oficial de eventos do Município, por sua beleza, singeleza e alegria contagiante.

Com o passar do tempo, a festa tornou-se uma prova de fé, uma ação de valorização e auto-identificação positiva do povo de santo do Paraná que, sem distinção de cor, credo, gênero, independente da sua origem, espalha axé (vitalidade) para a cidade toda, honrando a memória da nossa ancestralidade negra todo dia 20 de novembro - Dia da Consciência Negra.

Mais do que nunca o nosso brado de paz e de respeito será ouvido. As diversas manifestações de ódio e intolerância que temos testemunhado não poderá ser mais forte do que a voz de quem deseja e constrói paz e respeito dia a dia.

Tendo como anfitriões líderes religiosos de diversas vertentes, artistas e preservadores das culturas populares, o Ato Inter-religioso que precede a lavação, é um momento de partilha e de fé, bem como um grito contra a injustiça cometida dia após dia por aqueles que incitam o ódio contra as religiões de matriz africana nas mídias.


A Igreja do Rosário

A Igreja do Rosário, em Curitiba, inicialmente chamada de Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito, foi patrocinada, projetada e construída por pessoas negras, em 1737, organizadas em irmandades. Construída em estilo colonial, era maior e mais imponente que a igreja matriz, bem mais simples, construída em madeira onde os/as negros/as não podiam entrar. Foi a segunda igreja construída na capital paranaense e, entre 1875 e 1893, serviu de igreja matriz enquanto a nova catedral era construída. Em 1931 a antiga igreja foi demolida, dando lugar a igreja atual inaugurada em 1946, já sob a responsabilidade da igreja católica.

As Religiões de Matriz Africana

A valorização e reconhecimento do sagrado africano em espaço público é uma postura política e uma tomada de consciência. Desde 2003 a inserção da História e Cultura Africana e Afrobrasileira nos diversos níveis e esferas da educação passa por dificuldades geradas pelas formas diferentes de racismo: velado, estrutural e institucional.

Para os educadores, esta festa é um forte subsídios para apoio e compreensão na aplicação da Lei 10.639 em sala de aula. Principalmente para desmistificar o discurso intolerante e excludente de instituições religiosas que incitam ao ódio contra a História e Cultura Africana e Afrobrasileira.

Vale ressaltar a este respeito que RACISMO E INTOLERÂNCIA RELIGIOSA SÃO CRIMES – LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. (…) Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa (…)

A primeira forma de organização social dos africanos e afrobrasileiros no Brasil foi a religiosidade. Quando os povos africanos eram sequestrados e trazidos para trabalhos forçados no continente americano, era comum separar as famílias e pessoas de mesma língua, destruir sua identidade e impor a cultura do colonizador. Através dos laços de fé, as irmandades, os pais, mães e parentescos “de santo” proporcionavam às pessoas espaços de resistência, sociabilidade e identificação positiva de si mesmos, protegendo e dando alento a estes homens e mulheres submetidos a condições desumanas de existência.

O respeito às tradições de matriz africana e o fim do racismo andam juntos. Como bem diz Makota Valdina, “enquanto não acabarmos com o racismo, não teremos liberdade religiosa neste país”.

Nossa Senhora do Rosário e São Benedito

A celebração homenageia Nossa Senhora do Rosário, protetora dos dançarinos, artistas, preservadores da cultura popular. No sincretismo, é Oxum, dona da fertilidade e da riqueza. Vale ressaltar que, no ponto de vista africano, a riqueza não é o acúmulo de bens, mas saúde, paz e uma família numerosa e feliz! Historicamente, Oxum foi rainha do povo Ijexá. O toque usado no cortejo, da mesma forma, é chamado Ijexá. Seu nome ficou imortalizado em um rio africano: o Rio Oxum.

A festa homenageia também São Benedito, santo padroeiro dos negros e negras do Brasil, juntamente com São Elesbão, Santa Efigênia, Nossa Senhora do Rosário e não podemos nos esquecer da nossa querida mãe negra, N. S. de Aparecida, padroeira do Brasil. Em todo o país santuários dedicados à Nossa Senhora do Rosário e São Benedito guardam a memória de um tempo que não pode ser esquecido, para não ser repetido.

Durante os séculos coloniais e republicanos, os “batuques e fandangos” hoje reconhecidos como Patrimônios Imateriais da nossa cultura, sofreram proibições e discriminações eugenistas. Por isto rogamos com fé à Nossa Senhora do Rosário e Mamãe Oxum que nos iluminem no resgate da cultura afro usurpada de nosso povo. Para que as leis saiam do papel e ajudem na inclusão da população afro, através das políticas de afirmação positiva, afinal mais de 53% dos brasileiros/as, cerca de 30% da população paranaense (aproximadamente 3 milhões de pessoas) e cerca de 24% da população de Curitiba – a capital mais negra do sul do país (IBGE 2010) é composta por afrodescendentes. Aliás, vale ressaltar que a Humanidade é afrodescendente!

E o Brasil é todo permeado de saberes e sensibilidades oriundos de África. Recebeu grande influência inicialmente dos negros Bantos (Congo/Angola), como o Samba, a Capoeira,o Jongo e a Congada. O Afoxé, por outro lado, é tradição da cultura Nagô (Iorubá). Há muito a ser pesquisado e difundido para maior compreensão do legado africano em nossa cultura.

“Nunca é tarde para voltar atrás e recuperar o que foi esquecido”, diz a linguagem Sankofa.

O cortejo, que antigamente subia a ladeira do Rosário para encomendar as almas na Capela, hoje desce em busca das memórias da sua cultura e dos seus ancestrais.

Domingo, 19/11/2017

A lavação das Escadarias da Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito é precedida de um Culto Inter-religioso, pedindo paz e o fim da intolerância religiosa, e seguida de Cortejo até o Pelourinho de Curitiba, passando pelas sagradas Gameleiras Brancas (Iroco/Kitembo) da praça Tiradentes.

Se a natureza é o maior templo das culturas de matriz africana, a Gameleira Branca representa uma verdadeira Catedral de união com o sagrado.

Após o Cortejo com os Batuqueiros da Fonte da Memória pelo centro histórico de Curitiba, retornaremos ao Memorial para nos deleitarmos com o Festival Vozes do Sagrado, Música Sacra de Todos os Cantos.

Serviço:

Festa do Rosário

Data: 19/11/2017

9h30 Culto Inter-religioso seguido de lavação das escadarias da antiga Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito;

11h Cortejo com os Batuqueiros da Fonte da Memória pelo Centro Histórico de Curitiba;

12h Festival Vozes do Sarado - Música Sacra de Todos os Cantos, no Memorial de Curitiba.


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