Os professores da educação básica têm sobre si uma grande carga de responsabilidades. São responsáveis pelo processo de alfabetização, que abrirá inumeráveis possibilidades de construção de conhecimentos no desenvolvimento das crianças e adolescentes. São responsáveis pelo ensino de conceitos fundamentais em todas as áreas, a partir do desenvolvimento do raciocínio operacional concreto e formal. Além disso, em quase todo projeto pedagógico, um dos principais objetivos é o desenvolvimento da autonomia, mesmo que não se compreenda bem o profundo significado dessa dimensão. Envolvidos em um palco de exigências contemporâneas do ensino-aprendizagem, há sempre uma constante necessidade de formação ou de reciclagem. Nesse rol de exigências está a inclusão digital, não só porque a linguagem computacional é um dos recursos mais utilizados pela sociedade da informação, mas, também, por ser a informática uma das ferramentas fundamentais para os alunos que, junto com os professores, devem compor a sociedade do conhecimento.
Ao realizar o trabalho de preparação de um curso de introdução à educação e à informática, duas diretrizes serviram de orientação: a primeira é que a educação não deve estar a serviço da tecnologia, mas o contrário - o bom uso de qualquer recurso tecnológico na educação depende do universo de conhecimentos de seu proponente, ou seja, do professor. A segunda diretriz é o fato de que o corpo está envolvido na aprendizagem desse recurso - informática, uma vez que em quase todos os cursos de formação de professores aborda-se o processo intelectual, negligenciando-se que uma grande parte do que se aprende passa pelo corpo. Sendo assim, em todos os encontros buscou-se primar pela reflexão educacional e por uma certa consciência de bem-estar corporal, ambas proposições perpassando o uso instrumental do computador, da forma mais dialógica possível.
Nessa parceria entre os responsáveis pela formação, educadores que se dedicam ao entendimento dos procedimentos da computação ou da informática, aliados aos que tratam da construção de processos artísticos, surgiram algumas estratégias de ação para o desenvolvimento do uso instrumental do computador a serviço da educação básica. Algumas dinâmicas de grupo ou jogos teatrais antes de se abordar a aprendizagem específica dos recursos do computador tiveram a função de acordar o professor cursista para as seguintes perspectivas:
- No processo de ensino-aprendizagem é necessário se dispor “de corpo & alma”. A referência ao ditado popular é uma maneira de compreender a dimensão cognitiva associada ao corpo, ou seja, mesmo quando se trata da formação do próprio educador, ainda que se trate de uma aprendizagem instrumental, é importante ressaltar a imprescindível aliança dos procedimentos motores da ação. Os processos de apreensão intelectual são, também, procedimentos corporais, não só no caso da aprendizagem da informática, mas, sim em todo o contexto educacional.
- Se a inclusão digital exige proficiências específicas e, muitas vezes, o professor cursista sente-se em condições desfavoráveis, haja vista que para muitos a primeira aula é justamente o primeiro contato com o computador, tornasse necessário um trabalho interacionista, ou seja, é necessário partir daquilo que o professor já conhece, em direção ao que ele precisa aprender. Os jogos, as dinâmicas iniciais, as motivações primeiras tiveram esse caráter de descontração; ao mesmo tempo, serviram de aquecimento para o trabalho que estava por vir. O professor possui uma árdua jornada de trabalho; logo, nos trabalhos de formação é imprescindível levar em consideração o prazer de estar refletindo, em grupo, novas possibilidades de aprendizagem. Foi por isso mesmo que foram incluídos alguns procedimentos lúdicos, motores da reflexão.
- Todos sabem que os espaços escolares são permeados por contradições de ordem social, ou política, resultando, por vezes, em espaço de conflito. Nesse sentido, não se pode negar as lacunas estruturais do ensino básico, nem suas conseqüências para os educadores. Logo, as aulas expositivas dialógicas, atreladas ao trabalho no próprio laboratório de informática, constituem oportunidades de reflexão acerca de procedimentos de ruptura ou de mudança para os professores que se entregam à proposta. É comum que se enfrentem resistências nesse processo, por isso a via lúdica pode ser uma boa saída, sem se perder de vista a possibilidade de transposição das aprendizagens, do espaço do curso de introdução para a prática cotidiana do professor, com seus próprios alunos, em contextos sócio educacionais. Quem disse que aprender informática deve ser o exercício de uma técnica solitária e fria entre homem e máquina? Há uma aposta no exercício compartilhado (trabalho em duplas ou coletivo) e contextualizado, uma vez que é propósito do curso a construção de projetos pedagógicos que dialoguem com os reais e atuais interesses ou necessidades da comunidade educativa.
- Por muitas vezes, neste trabalho, o professor do ensino básico é nomeado educador, que poderia ressaltar uma certa tendência de leitura psicanalítica, aquela de construir perfis a partir do universo das palavras, ou dos significantes... Desse modo, vale lembrar que os professores estão envolvidos com processos de ação que por sua vez envolvem os problemas da existência na medida em que o ensino-aprendizagem implica tanto o saber como a dor de não saber. Tanto a presença quanto a falta de conhecimento colocam o sujeito diante da falta fundamental, aquela que angustia, mas que também move, para novos e diferentes espaços. Se assim é, também esta modesta proposta educativa, voltada para a iniciação desses educadores, não poderia fugir à regra: para dar os primeiros passos na utilização de recursos da informática na educação, são necessárias disponibilidade, perseverança, criatividade e, sobretudo, autonomia, para que haja efetiva apropriação de saberes, seja nesta proposta ou em qualquer outra área de formação. Vale lembrar que, mesmo com todo esforço no sentido de fazer o corpo do educador presente, intermediando uma aprendizagem técnica com conteúdos educacionais, às vezes de forma lúdica, mesmo assim o aprendizado estará condicionado à dimensão do desejo do sujeito, sobretudo ao desejo de mudar, com tudo que daí possa advir.
Uma vez que o educador tem a oportunidade de suprir uma lacuna de sua formação, o uso de recursos da informática serve para melhor se organizar... O conhecimento das possibilidades da Internet, que serve para se vencer fronteiras e ampliar acervos de informações e conhecimentos, bem possivelmente atrela-se à construção da autonomia e ao exercício da cidadania. O ensino-aprendizagem só pode existir junto ao prazer de pesquisar, trazendo o diálogo com o universo de possíveis saberes que se transformam e resultam em melhorias para a comunidade. Que os educadores desfrutem dos novos sabores, encontrando melhores estratégias de aprender e propor a reconstrução de conhecimentos.
A mescla entre “corpo & alma” e “educação e informática” fez pensar, ainda, nos trabalhos do pintor russo Kandinsky com suas inúmeras cores e formas tão abstratas... Sua diversidade de pequenos elementos coloridos parecem constituir uma polissemia figurativa, lembrando não só a complexidade dos sistemas da informática, seu modo de funcionamento, conciliando microestruturas e macroestruturas, bem como as redes de interação humanas, ainda mais misteriosas. Também em Kandinsky encontra-se a (des) harmonia na diversidade ou na pluralidade de traços, formas e cores, em movimento? Às vezes as formas abstratas parecem simular homens, às vezes máquinas, ou são os olhos subjetivos que desejam movimento que conferem tais sentidos a essas imagens? Tudo isso elucida o universo complexo das relações educacionais, que neste caso pretende ser um impulso para se vencer a inércia, em seus inumeráveis elementos de ação. O fato é que, pelas mãos do artista, essa diversidade encontra equilíbrio – sem negação da diferença de seus componentes –, e beleza, proporcionando agradável apreciação. Desse modo, as imagens do autor foram inspiradoras nessa abordagem do tema. Seria também esse o propósito deste trabalho, inquietação frente à inércia no que diz respeito à aprendizagem do uso de ferramentas da informática, aliadas da educação, bem como o desejo de um agradável encontro entre educadores.
Os termos interacionismo, colaboracionismo e cooperativismo às vezes se confundem sob o ponto de vista de aplicabilidade no âmbito da educação, porém são distintos e complementares na busca de que os alunos possam ser agentes e não simplesmente expectadores passivos no processo de ensino-aprendizagem.
Na sociedade contemporânea, onde o fluxo de informações é demasiadamente grande, há a necessidade de se aplicar estratégias de modo que os alunos possam refletir, (des) (re) construir conhecimento, de forma a aplicar as noções de autonomia e de coletividade, conjuntamente. Além do alto fluxo, pode-se mencionar que a quantidade de informação per capita também é relativamente grande devido à alta disponibilidade proporcionada pelas facilidades de manuseio oferecidas pela tecnologia da informação. Na sociedade contemporânea, o fluxo de informações é imenso, logo há necessidade de estratégias que levem alunos e educadores a refletir, a (re) construir conhecimento de forma pessoal e coletiva.
Barthes, em sua clássica Aula, lembra que para aprender é necessário desaprender, em uma referência aos processos contínuos de linguagem. Por isso mesmo, a dimensão da cognição não se limita à decodificação de significados, mas refere-se ao deslize de significantes, que reconfiguram, a todo tempo, a realidade. Nesse sentido, aprender é re-significar o real, restando sempre a incompletude ou o desejo de aprender.
Atualmente, as escolas vêm sendo equipadas com recursos audiovisuais e de informática. Isso obriga a desaprender certos procedimentos didáticos para inventar outros com a possibilidade de se utilizar novas tecnologias da informação e da comunicação (NTICs), ou seja, ampliam-se as possibilidades de leitura e contato com a realidade. Somente os recursos tecnológicos não bastam para se lançar na profusão de significados que auxiliam na busca de entendimento da realidade, que está sempre diante de nós, cada vez mais próxima e ao mesmo tempo distante... É imprescindível a presença de educadores sensíveis para o aprofundamento de reflexões e o desenvolvimento de novos posicionamentos ou ações diante da realidade. Em resumo, somente novas tecnologias não bastam para se educar sujeitos críticos e capazes de analisar a profusão de informações contemporâneas.
A condição para aprender está relacionada aos processos cognitivos e afetivos que possibilitam aos sujeitos recriar os conhecimentos, já que os processos de comunicação conscientes são envolvidos por processos inconscientes, ultrapassando as relações de causa e efeito, tão ingênuas para se pensar a educação. Ou seja, o professor ensina e nem sempre o aluno aprende. Há mais complexidade e riqueza no ato de educar do que poderiam supor os procedimentos de inovação tecnológica, que por si só são insuficientes para influir nos processos de construção sociocultural. Nesse sentido, o que está em jogo não é a aprendizagem de uma técnica, mas a apropriação de um sistema de linguagem, sempre aquém ou além de nós mesmos.
A existência de recursos tecnológicos permite coletar e fazer uso das informações com maior facilidade e eficiência, ou seja, torna-se possível capturar, armazenar, organizar, pesquisar, recuperar e transmitir saberes com maior dinamismo. As ferramentas tecnológicas para auxiliar na veiculação da informação e sua possível transformação em conhecimento permitem reproduzir ou reconfigurar as informações de uma forma mais rápida, mais rica, facilitando melhor entendimento e compreensão da realidade encontrada, auxiliando nas ações e tomadas de decisão. Os recursos tecnológicos podem ser classificados segundo sua funcionalidade, dentre as quais podem ser destacadas: ferramentas para análise, avaliação e transformação; ferramentas para interação e comunicação interpessoal e ferramentas para o suporte à aprendizagem.
As ferramentas tecnológicas utilizadas para analisar, avaliar e transformar a informação em conhecimento permitem formatar as informações de acordo com o público-alvo. Desta forma, consegue-se melhor entendimento e compreensão da realidade transmitida, além de um auxílio nas tomadas de decisão e ação.
Por sua vez, as ferramentas tecnológicas de interação e comunicação interpessoal são aquelas que ampliam o estabelecimento e manutenção dos contatos. Elas atuam de maneira síncrona – pessoas interagindo no mesmo espaço-tempo, simultaneamente (como, por exemplo, nas salas de bate-papo) ou assíncrona, ou seja, interação realizada não simultaneamente (como, por exemplo, no e-mail). Essas ferramentas podem ser úteis na formação de redes de informação e comunicação, na formação de comunidades virtuais de interesses afins para que possa haver a discussão de ideias, teorias, ideologias ou até mesmo simples pontos de vista. O que se discute entre os educadores é que o mundo estaria, então, interligado por novas redes de interação favorecidas pelas NTICs (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação). Contudo, o contraditório conceito de globalização se confunde com um mundo, ainda, apenas “televisionado”, ou seja, na verdade não há uma profunda compreensão da multiplicidade cultural e os inumeráveis sistemas de linguagem ou de conhecimento. Os jogos internacionais de poder ainda se interpõem aos diferentes saberes e à profundidade das conseqüências das desigualdades sociais, uma vez que o poder de saber não se reveste do poder de mudar.
Existe, ainda, uma categoria de ferramentas tecnológicas, voltadas para o processo de aprendizagem, que se encontra inserida na área da tecnologia da aprendizagem. Tal tecnologia oferece algum suporte ao desenvolvimento cognitivo, ou seja, o conjunto de técnicas destinadas a gerir, no sentido de preservar, atualizar e transmitir o conhecimento, tais como ontologias, mapas conceituais, blogs, redes de interação sociais, e wikis. Tal categoria, entretanto, corre o risco de confundir o processo de reconstrução de saberes com um sistema tecnicista de condicionamento humano. O fato de participar de uma comunidade virtual, por si só, não traz garantias de acesso aos procedimentos de interação nem melhor compreensão da realidade. É preciso verificar até que ponto o narcisismo, um dos mais antigos traços humanos, ou novas formas de opressão e formação de consumidores vão sendo impostos, sob a égide de um pseudoconhecimento revelado em modismos caros, excludentes ou perversos. Um exemplo simples: ter um aparelho celular não pode ser garantia de melhor integração social e muito menos ícone de ascensão econômica. Ou seja, a existência das tecnologias não garante, sem o trabalho do educador, a socialização do acesso às diversas formas de conhecimento oriundas de diversas culturas.
Como mencionado anteriormente, metodologias devem garantir o acesso à informação e, também, garantir a abstração ou reconstrução das informações. Uma estratégia para tornar o processo de ensino-aprendizagem mais eficaz consiste na adoção de metodologias que permitam que as interações (alunos-alunos e alunos-professor) sejam realizadas de forma colaborativa e cooperativa.
Diante disso, pode-se definir, de forma superficial, os termos colaboracionismo e cooperativismo:
- Colaboracionismo: o termo, no caso da educação, exprime a ideia de que as pessoas podem, por intermédio de um processo de comunicação, interagir com outras pessoas de forma a fornecer contribuições, ou seja, colaborar com o processo de aprendizagem dessas pessoas. Neste aspecto, há uma contribuição fechada, de modo que seja transmitida parte ou todas as informações inerentes a determinado conteúdo. Em tal modo de atuação, como o que ocorre na transmissão de um programa de TV, há uma interação unilateral, ou seja, há somente a absorção das mensagens contidas na programação por parte do receptor, cabendo a ele analisar, abstrair e construir o seu conhecimento.
- Cooperativismo: no cooperativismo há a participação de todos os membros da comunidade para a construção, em conjunto, do conhecimento. Cada pessoa pode lançar uma ideia, ouvir as ideias das demais, reformular a sua com base no fluxo de mensagens lançadas no transcurso da discussão. Sendo assim, uma pessoa pode (re) construir dinamicamente a sua opinião frente ao assunto em construção. Esse tipo de interação ocorre em debates, mesas redondas, fóruns virtuais de discussão, onde há a participação efetiva de todos para convergir a um consenso, ou seja, para que o conhecimento possa ser construído cooperativamente.
Segundo este ponto de vista, pode-se incorporar, nas atividades educacionais, as NTICs de forma complementar, de modo a permitir maior participação, motivação, autonomia, segurança e poder de abstração por parte dos alunos para a construção de conhecimento. É necessário, portanto, que tais recursos estejam a serviço da cooperação e não se tornem ícones vazios, inovadores dos procedimentos da velha exclusão econômica, social e cultural.
Aqui neste livro, os preceitos de interação, colaboração e cooperação são abordados nas sugestões de dinâmicas e sugestões de observação ao professor. Desta forma, abre-se um canal de comunicação efetiva entre os envolvidos no processo educacional, fortalecendo o processo de autoria de projetos para a comunidade escolar. Outro ponto a ser ponderado é que, em diversas atividades, há a sugestão para que o próprio aluno possa observar o contexto, abstrair e tirar suas próprias conclusões. Essa metodologia favorece a autonomia, o senso crítico, a recriação de saberes e sua apropriação nas diversas realidades. Isso pode ser apenas o princípio, entretanto, urge vencer a inércia relativa à descrença no educador e iniciar, ainda que simplesmente isso, os processos de mudança.
Texto retirado do livro: Informática e Educação um diálogo essencial
Fernando Cortez Sica e Neide das Graças de Souza Bortolini