A região da Mooca tem papel fundamental na formação da cidade de São Paulo e em seu primeiro parque industrial. Localizada estrategicamente próxima a duas rotas comerciais bastante utilizadas no período colonial — a estrada que ligava à cidade de Santos e o Rio Tamanduateí, que servia tanto para navegação quanto para abastecimento —, a área, então composta por terras desocupadas e desvalorizadas devido às precárias condições de saneamento à margem do rio (RUFINONI, 2004 p. 18), logo receberia os trilhos da São Paulo Railway, que fomentariam o surgimento das primeiras fábricas na cidade. 

Após anos de crescimento econômico, seguidos pela queda do PIB, a partir dos anos 1974, o II Plano Nacional de Desenvolvimento adotou medidas para a “desconcentração” das indústrias da capital, promovendo o deslocamento de fábricas para o interior do estado e para outras regiões do país (CLEPS, 2003, p. 69-70). Esse movimento resultou no abandono dos edifícios fabris e no processo de desindustrialização da Mooca — fenômeno que não é exclusivo do estado de São Paulo, mas se repetiu em várias áreas do território nacional.

Com o passar dos anos, esses edifícios abandonados foram sendo descaracterizados e passaram a ser ocupados com funções comuns da vida cotidiana. Diante desse cenário, como ressignificar esses espaços industriais articulando memória histórica, identidade local e novas demandas urbanas, sem que isso resulte na banalização ou apagamento do patrimônio industrial da cidade? 

O movimento de valorização do patrimônio industrial teve início no Reino Unido, no pós-Segunda Guerra Mundial, juntamente com o surgimento do conceito de Arqueologia Industrial, entendida como um estudo que investiga, preserva e valoriza os vestígios físicos e simbólicos da era industrial, como fábricas, máquinas e memórias do trabalho, reconhecendo seu papel na construção da história social e urbana (BUCHANAN, 1972). Diante da ameaça de desaparecimento de sua paisagem industrial, passou-se a atribuir valor aos vestígios da produção fabril (ROSA, 2011, p. 1).

Em 1978, foi criado um órgão internacional dedicado ao estudo da história da técnica, da sociedade e da arquitetura industrial como uma nova vertente do patrimônio cultural: o Comitê Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH). Atuando em colaboração com o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) — entidade vinculada à UNESCO e responsável por orientar a política global de preservação do patrimônio histórico e cultural —, o TICCIH tornou-se uma das principais referências na promoção e condução desses debates (TABOSA, 2018, p. 20).

No Brasil, as práticas de preservação de bens culturais evoluíram em sintonia com as mudanças teóricas internacionais. No início do século XX, o foco era a conservação de monumentos culturais que procuravam afirmar a identidade nacional, destacando manifestações autênticas e desvinculadas da influência europeia. Essa perspectiva foi incorporada pelas políticas do Estado Novo, como demonstra a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e a publicação do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. 

A década de 1970 marcou uma virada decisiva na adoção de um pensamento alinhado à visão teórico-crítica da Carta de Veneza, de 1964, com o consequente abandono das práticas contrárias às diretrizes estabelecidas na Carta de Restauro de Atenas, de 1931 (RUFINONI, 2004, p. 145, 146).

No início do século XXI, o TICCIH publicou a Carta de Nizhny Tagil, após conferência realizada em 2003, com o objetivo de reafirmar a importância da preservação do patrimônio industrial. O documento reconhece o valor histórico e cultural não apenas dos edifícios e estruturas industriais, mas também dos processos produtivos, utensílios, locais e paisagens em que se inserem, assim como das manifestações materiais e imateriais associadas à cultura do trabalho e da indústria (TICCIH, 2003).

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar o potencial de requalificação da antiga Fábrica de Tecidos Labor, considerando sua transformação em equipamento cultural integrado à dinâmica urbana do bairro da Mooca.

Para isso, busca-se investigar o contexto histórico, urbano e industrial do bairro da Mooca, seguido da análise das condições físicas e do entorno imediato, por meio de parâmetros como gabarito, mobilidade, classificação viária, barreiras urbanas, cobertura vegetal e estudo bioclimático. Além disso, serão levantados e analisados estudos de caso nacionais e internacionais relacionados à requalificação de patrimônios industriais com uso cultural, a fim de reunir referências projetuais pertinentes. Por fim, o estudo busca propor diretrizes de intervenção que conciliem a preservação da memória fabril com novos usos culturais e sociais voltados à comunidade.


Roberta Menezes Santos | 190126752Universidade de BrasíliaFaculdade de Arquitetura e UrbanismoTrabalho Final de Graduação 2025/02Orientadora: Flaviana Barreto LiraProfessora convidada: Ana Elisabete Medeiros