Do Amor (Que Tive)

Giovanna Cezar

Digamos que exista amor à primeira vista, o fogo de uma vida inteira concebido num único olhar. E o que carregaria esse olhar? Um mistério, talvez. A ponta de uma curiosidade, o verdadeiro caos do coração arrebatado, corpo cheio de nervosismo, mente inebriada pelo prazer do desconhecido. Talvez não o amor plenamente realizado, nem o amor amadurecido pela rotina, mas a pequena semente da curiosidade. A curiosidade inicial que se torna afeição. A afeição distante que se torna paixão. A paixão que cresce e toma tudo o que encontra, que nos faz nos entregar e então amar completamente.

Sim, o amor que transborda por um olhar, o olhar que me despertou para um mundo novo. Segunda, sete horas da manhã, aula de Matemática. Eu já tinha idade para reconhecer as faíscas em meu peito, mas ainda não tinha nome para aquele mistério em forma de garoto. Nada além de um acidente, não fazia parte dos planos. Estava apenas buscando um rosto familiar naquele mar de desconhecidos e você calhou de estar minha na linha de visão.

Primeira cadeira, terceira fileira da direita para a esquerda. Seus olhos castanhos encontraram os meus como se não soubessem lidar com a atenção súbita. Você se encolheu, virou a cabeça, ocupou as mãos e fingiu não ter notado minha presença. Mas eu continuei a observá-lo.

Não podia parar.

Você não era bonito, não na concepção perfeita de beleza. Não tinha um rosto harmônico, mas algo no conjunto de seus traços fazia sentido, como versos sem rima ou métrica. Seus olhos refletiam uma sobriedade adulta, mas ao mesmo tempo eram leves como os olhos de um menino. Sua boca era coisa fina, duvidosa, desenhada como o arco do cupido. Seria uma bela boca numa bela mulher, mas no seu rosto de moleque parecia piada de mau gosto. O cabelo, aquela massa de fios escuros, lisos e grossos, era um charme à parte — convite aos afagos, perpétua tentação aos dedos e mãos.

Cinco segundos.

O susto passou, mas seu rosto permaneceu gravado em minha memória. Voltei-me para o caderno, para o estojo, para o livro. Tentei acompanhar a aula, fazer minhas equações. Meus olhos, no entanto, o procuraram de novo. Eu já havia me interessado por outros garotos, mas nada havia me preparado para aquela intensidade de sentimentos.

Sentia que em você residiam todas as chances de felicidade, completude e paixão. Pois você tinha um jeito, um jeito tal. Intocável. Máximo. Único. Parecia dizer que era feito de alguma coisa melhor. Um pequeno rei em seu castelo. Cinco segundos, e eu me dei conta de que queria conhecê-lo, queria saber o que havia por trás de seus olhos. Cinco segundos, e eu já havia determinado que adentraria seu castelo.

Queria eu ter podido fazer algo naquele dia. Entre nós dois havia cinco cadeiras e uma eternidade de silêncios. Bem poderia me aproximar, mas não sabia como. Seus amigos não eram os meus amigos, seu universo era estrangeiro. Eu o observei durante toda uma aula, meus olhos procurando os seus, meus lábios ensaiando as palavras que eu diria caso eu, caso você, caso algum de nós encontrasse uma desculpa para dizer — como vai?

No entanto, cinquenta minutos se arrastaram, horas intermináveis da minha agonia. Nada assimilei das aulas de Filosofia, Química e História. Não pensei em mais nada até o fim do dia. Cheguei em casa com o caderno limpo, zero aprendizado. Dois meses depois, fiquei de recuperação em Matemática.

Ainda assim, rendi-me ao seu encanto. Até hoje me recordo de seus detalhes mais mundanos. Como, por exemplo, o cheiro da sua colônia, a cor do seu casaco favorito, as feições do seu rosto e o jeito que você sorria. Ah... Seu sorriso. Seus olhos se encolhiam, o nariz se contorcia, seus dentes apareciam, ligeiramente tortos. Você sorria com todo o corpo, desde as mãos até os dedos, o estômago e as costas, como se um pulso de energia o invadisse e contagiasse o ambiente ao seu redor.

Você nunca sorria sozinho.

Foi esse sorriso, sei que foi. Eu perdi a capacidade de manter minha mente em ordem. Bendito dia em que olhei nos seus olhos e descobri ter chegado naquela fase em que nos perdemos num sorriso, numa voz, num nome. Dezessete anos. Minha mente havia finalmente despertado para o carnal. Nunca mais voltaria a ver o mundo com inocência. Eis a fase dos eternos serás.

Vivemos um ano inteiro naquele ritual lento de aproximação. Havia dias em que você chegava atrasado na escola, e naqueles minutos de espera silenciosa, eu agonizava as possibilidades mais remotas de sua ausência. Será que você estava doente, será que havia saído da escola, será que eu nunca mais o veria novamente? E então, a porta se abria, e eu o via. Seu rosto cansado, o andar desleixado, o cheiro de colônia, o cabelo ainda molhado do banho. Aquele sorriso, como que a pedir desculpas, aquele jeito de se sentar na carteira como se não se importasse, sua mania de puxar assunto com o professor e pedir caneta e corretivo emprestados. Eu respirava de alívio quando o via.

Mas havia dias em que você não aparecia na aula, e nesses dias meu mundo perdia a cor. Era como se nada mais fizesse sentido, como se minha presença ali e as palavras do professor fossem subitamente inúteis. Sua presença era meu azimute. Com você em meu campo de visão, eu criava cenários em minha cabeça, cenários nos quais eu tomava coragem e me sentava ao seu lado, cenários em que você olhava para trás por razão nenhuma e seus olhos encontravam os meus, como num filme de comédia romântica.

Nesses momentos, eu me enchia de esperança, aquela certeza adolescente de que havia uma ponta de destino em nossa história, de que estávamos destinados a nos amar. Toda música de amor falava sobre nós. Toda coincidência, por menor que fosse, era um sinal de que você era meu. Diante da menor menção de seu nome, eu me constrangia e escondia meu rosto. Temia que minha paixão fosse desnudada diante de olhos impuros, e então fingia odiá-lo. Odiá-lo, em todas as palavras. Odiá-lo em distância, em ignorância, em fuga e em paixão indiscriminada. Em nome do amor, eu me sabotava.

Por isso mesmo, em um ano, toda a comunicação que tivemos foram duas trocas de olhares, um bom dia e um boa tarde. Acredite quando digo que para mim esses momentos foram maiores que um beijo.

Nos vimos pela última vez durante a entrega das provas finais. Vestibular concluído, adeus colégio. Você queria fazer Medicina, eu queria fazer Letras. Já há muitos meses havia me preparado para dar o assunto por encerrado, seguir em frente, conquistar novos amores. Pois você um dia conheceria outras pessoas, pessoas do seu tipo. Um dia você se apaixonaria por alguém, e esse alguém não seria eu. Por isso mesmo, quando te vi na sala de aula, despedi-me no silêncio de uma paixão platônica abandonada. Mas quando me virei para ir embora, senti sua mão no meu ombro. Deus sabe o quanto não desejei aquele momento.

— Ei, você, pode me emprestar uma caneta?

— Azul, vermelha ou preta?

— Azul.

Seus dedos roçaram os meus por dois instantes. Como num filme romântico, eu o observei assinar seu nome. Nunca uma mão esquerda foi tão bela como a sua, nunca vi tanta beleza em unhas roídas e maltratadas. Não consegui entender o que você havia escrito, mas isso não importava.

— Parece letra de médico — eu disse, sorrindo.

— Esse é o objetivo.

Eu ri, você também. Pensei numa piada, mas não cheguei a contá-la. Pois no mesmo minuto, você foi embora e me deixou rindo sozinha. Nunca mais vi nenhum dos dois, nem você, nem a caneta que eu lhe emprestei.

Hoje, dez anos depois, ainda me pergunto se você chegou a passar em Medicina. Nunca mais ouvi notícias suas, nem mesmo dos seus amigos. Mas se posso dizer algo, quero que saiba que não me arrependo de nada. Do amor que tive, guardo as pequenas alegrias de um esbarrão de dedos, uma conversa acidental e uma caneta roubada.

Do Amor (Que Tive)

Giovanna Cezar

Singelo e reflexivo, Do Amor (Que Tive) tem como inspiração o Soneto de Fidelidade, de Vinicius de Moraes. Ao longo de quinze contos, acompanhamos histórias de paixões perdidas, amores efêmeros, amizades verdadeiras e laços familiares quebrados. Este é um livro sobre o amor em suas diversas formas, tempos e estações. Acima de tudo, este é um livro sobre amores finitos.

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