Relação entre arte e indústria

Por Fernanda Medeiros de Araújo Leite

Primeiramente é importante entender o contexto histórico que dá origem a uma dos maiores cenários artísticos da história.

A Belle Époque surgiu durante um momento de tensão na europa, quando as maiores potências mundiais entraram num momento de alta prosperidade em preparação para a Primeira Guerra Mundial. Tal prosperidade se refletiu no campo das artes por meio do floreio de livrarias, salas de concertos, boulevards, ateliers, cafés e as galerias de arte em todo o continente com destaque na França, implicando inclusive em um movimento artístico próprio da Belle Époque, o “Art Nouveau”.

Tal movimento, por sua vez, é caracterizado pela presença de padrões lineares sinuosos e formas naturais estilizadas que influenciaram todos os ramos artísticos, indo da pintura até a arquitetura e o design gráfico, este naturalmente, investiu menos em conteúdos simbólicos, se concentrando mais no aspecto decorativo do movimento, dessa forma, através do afastamento do conteúdo narrativo e emocional os designers acabam preparando o terreno para a chegada da arte abstrata no futuro.

Outro ponto importante a ser observado é o desenvolvimento da “Art Nouveau" na Alemanha, lá ele era conhecido como “Jugendstil” (ou “juventude”), este também foi influenciado pelo movimento Arts and Crafts e pela Secessão de Viena. O herdeiro do Jugendstil no campo do design foi a Deutscher Werkbund ou Federação Alemã de Ofícios, um esforço de caráter abertamente nacionalista baseado nas ideias de William Morris, designer influente, fundador do movimento “Arts and Crafts”. A Werkbund surgiu graças a artistas, políticos, arquitetos e industriais que, preocupados com o abismo existente entre artesãos, indústria e artistas, provocaram pela substituição da manufatura durante a Revolução Industrial.

Tal movimento tinha como proposta a união entre arte e indústria e desta forma proporcionar a democratização das artes, como se traduz na frase do livro Hopes and Fears for Art: “não quero arte para alguns, assim como eu não quero educação para alguns ou liberdade para alguns” (Morris, 1882, pg. 1). Porém, diferentemente do movimento Arts and Crafts neste, não vemos uma busca ao retorno nostálgico ao artesanato medieval e sim uma reconciliação entre indústria e arte.

Composta por uma dúzia de designers a Deutscher Werkbund disseminavam a filosofia conhecida como “Gesamkultur” que idealizava uma nova cultura e ambiente reformadas pelo Homem, o progresso social através do uso da máquina, da arte e do artesanato. Nessa ideia, a marca servia uma garantia do padrão de qualidade de seus produtos, oferecendo um rótulo estético. Nesta diretriz o grupo se dividiu em duas linhas de pensamento, uma que defendia a estandardização e a padronização dos produtos, a eliminação de todo ornamento, o desvinculo da individualidade artística e a forma-função, e outra valorizando a expressão individual do artista, este conflito entre ideias ficou conhecido como “Werkbundstreit”.

Tal debate pode ser explicado ao observarmos as raízes do design. De primeira mão temos o Construtivismo Russo, um movimento estético-político que procurava abolir a ideia da arte como um elemento especial, buscando inspiração na industrialização e na sociedade, que na época procurava uma nova maneira de se reconstruir. Os artistas deste movimento buscavam entender a geometria dos objetos, buscando compreender como as formas se encaixam entre si, apresentando forte semelhança ao movimento conhecido como De Stijl ou Neoplasticismo, tais ideais tornaram cada vez mais possível criar soluções coletivistas, deixando de lado a “supremacia do indivíduo” e por sua vez dando espaço para o nascimento do design.

Portanto, podemos observar que “Talvez em função da tradicional proximidade entre o meio das artes plásticas e o de artes gráficas, tais proposições foram assimiladas rapidamente” (Cardoso, 2000, pg. 128) como foi dito no livro “uma introdução à história do design” sendo as raízes do design as artes plásticas, tal debate tornou-se inevitável.

Ainda em tal dualidade, podemos falar não apenas do neoplasticismo mas as vanguardas europeias no geral ( com exceção do surrealismo) passaram a introduzir formas mecânicas abraçando o industrialismo como forma de obter reconhecimento social, um excelente exemplo -em uma perspectiva crítica- de tal aproximação entre a arte e a indústria é "O gesto do artista plástico Marcel Duchamp de enviar um mictório, com o título de “fonte” para a exposição artística de 1917, é igualmente indicativo dessa aproximação da arte com a indústria." (Cardoso, 2000, pg. 128) o autor da obra ainda faz uma satira em uma visita a uma exposição com outros dois artistas plásticos adeptos do industrialismo ao dizer "está tudo acabado para a pintura! quem consegue fazer algo melhor que essa hélice?” (Cardoso, 2000, pg. 128).

Este debate se mostrou presente até o fim do movimento e foi essencial para o surgimento do design como é resumido no livro “uma introdução à história do design” ao relatar a experiência dos até então “desenhistas industriais” no campo das artes “Descrente dos ensinamentos tradicionais sobre arte, uma geração de jovens artistas descobria na tecnologia, na indústria e por extensão no design o que prometia em termos de novos padrões para a organização de suas atividades” (Cardoso, 2000, pg. 127). Tal ideal propõe o estudo do design como uma área completa influenciada pelas artes, em oposição a tratá-lo como um subtópico do mundo artístico.

Dentre os fundadores estava também o conhecido como "Mister Werkbund" o designer Peter Behrens, este foi contratado em 1907 pela companhia alemã de eletrônica AEG, para atuar na expressão exterior do caráter interior dos produtos da empresa, sendo o primeiro consultor de marca do mundo, além da primeira aplicação dos ideais do Deutscher Werkbund e o início do design industrial moderno, um exemplo a ser seguido no futuro.

Prédio da AEG projetado por Peter Behrens (fruto de sua participação iniciada em 1907)

Logo da AEG, feita por Peter Behrens (fruto de sua participação iniciada em 1907)

A partir de 1912 a organização passou a publicar um anuário, que incluía artigos com ilustrações com designs dos seus membros e já em 1914 promoveu a Exposição de Colónia, apresentando prédios industriais-modelo, interiores modernos e objectos. A exposição foi interrompida pela Primeira Guerra, porém, ainda assim é considerada um sucesso, dando origem à tradicional Feira KölnMesse. Tal evento desenvolveu ainda mais a Werkbundstreit resultou em uma ruptura no movimento que por sua vez passou a dedicar-se mais à Arquitectura e ao Urbanismo do que ao Design depois da Primeira Guerra.

Cartaz de divulgação da Deutscher Werkbund, feito em 1914.

Tal conflito resultou no nascimento de elites intelectuais em diversas áreas, incluindo no design que, se alimentou do impacto do movimento que disseminou a Gesamkultur nas escolas em cursos preparatórios (design gráfico, de interiores, industrial e arquitectura) por toda a Alemanha, através da participação ativa de seus membros no cenário industrial como, Henry Van de Velde em Weimar e Peter Behrens na Escola de Artes e Ofícios em Düsseldford este foi professor de Walter Gropius, futuro diretor da Bauhaus.

Em tal cenário temos em 1919 o nascimento da Bauhaus em Weimar sob a direção do arquiteto alemão Walter Gropius, a escola inova ao usar um sistema de ensino conhecido como Vorkurs, que pretendia conquistar o aprendizado conquistado pela prática, por meio de um curso preliminar e obrigatório para os alunos e desafiava a combinação de diferentes elementos no processo de criação, forçando o aluno a entender os processos manuais, ligando aquele que será responsável pela idealização do projeto com sua execução, forçando reflexões em relação a viabilidade do projeto, muita além de um olhar “meramente estilístico”.

Prédio principal da Bauhaus, projetado por William Morris em 1926.

Diante do exposto, podemos perceber o design como um produto das artes adaptado à indústria e contexto histórico que clamava por um sistema que implementasse ao produto às necessidades coletivas, a produção no viés econômico, prático e obviamente estético.

Referências

ARTHING, Stephen. Tudo sobre arte: Os movimentos e as obras mais importantes de todos os tempos. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.

GOMPERTZ, Will. Isso é arte?: 150 anos de arte moderna do impressionismo até hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. Rio de Janeiro: Editora Blucher, 2000.

RAPOSO, Daniel. O espírito Deutsche Werkbund na Identidade Corporativa do século XXI. Convergências n.º 1 - Out. , 2008. Disponível em:

http://convergencias.esart.ipcb.pt/?p=article&id=6. Acesso em 27 de abril de 2021.

MORRIS, William. Hopes and Fears for Art. Londres: Tredition Classics, 2012

Ficha Técnica

Texto desenvolvido por Fernanda Medeiros de Araújo Leite para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte -Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).