Braun e Vitsoe: a inserção do minimalismo na lógica capitalista por Dieter Rams

Por Raiana Fernandes de Moura

Embora um príncipe nepalês, chamado Sakyamuni, tenha optado por abandonar toda a riqueza que possuía em busca da iluminação alguns anos antes de Cristo, os escritores Joshua F. Millburn e Ryan Nicodemus afirmam, no século 21, que o minimalismo é uma ferramenta de libertação da mente. Na arte moderna, o escultor Donald Judd defendia que o excesso de elementos nos objetos tornava a ordenação seu ponto principal, desviando o foco da forma. Finalmente, no Design, a revolução ocorrida em 1919 com a Bauhaus teve como base uma busca acadêmica por menos, resultando em um legado de estética fria e essencialista, mais explorada posteriormente na Escola de Ulm. Logo, mesmo sem evidências de que um influenciou o outro, todos compartilham um objetivo: a simplicidade.

Em contrapartida, a produção em massa e a obsolescência programada são os pilares do modelo econômico vigente - ainda que a consolidação desses conceitos com o American Way of Life tenha levado à uma crise econômica de escala mundial. Além disso, as tendências constroem a ideia do ultrapassado, que leva o consumidor a viver no estado eterno de espera e compra do próximo lançamento, mesmo que seu produto atual pareça recém saído da caixa. De forma excepcional, um alemão conseguiu formar uma moeda com os dois lados mais antagônicos possíveis, tornando-se um grande nome do design industrial.

The Truth About Black Friday, Matt D’Avella, 2018

A história da Empresa Braun começa em 1921, quando Max Braun abre uma pequena manufatura em Frankfurt, produzindo inicialmente peças de rádio e evoluindo para a entrega do aparelho completo. Depois da Segunda Guerra Mundial, foram introduzidos novos produtos no catálogo, mas a verdadeira revolução aconteceu somente após a morte do fundador, com a transferência da liderança para seus filhos Erwin e Artur Braun, que entraram em contato com a finada Escola de Ulm e foram altamente influenciados por seus princípios de funcionalidade e durabilidade. Para tornar a mudança palpável, recrutaram um jovem arquiteto de apenas 23 anos chamado Dieter Rams, o alemão supracitado: sua missão era modernizar o interior da empresa, mas logo mergulhou no design de produtos, debutando com o SK4 Phonogram em 1956 e dando o maior passo de sua carreira ao adaptar o “Less Is More” (Mies Van Der Rohe, 1947, pág.57) à um ambiente que sobrevive da ambição: o mercado.

SK4 Phonogram, Dieter Rams e Hans Gugelot, Braun.

Em 1956, após o SK4, foi estabelecida a imagem corporativa da Braun, com a contribuição de Hans Gugelot (co-criador do produto) e Herbert Hirche (ex-aluno da Bauhaus), “...por meio de uma unidade do conceito tecnológico, de um design de produtos controlado e de uma forte organização dos meios de comunicação que no seu resultado é exemplar” (Bürdek, 2010, pág. 55). Esse conjunto é aprofundado por Dieter Rams em seus dez princípios para o bom design, defendendo que este deve ser inovador, útil, estético, guia, discreto, honesto, durável, preciso, sustentável - tal ponto concretiza o trabalho de Dieter como intencional, algo que, na era do desperdício, é indispensável - e, por fim, menos design.

Durante sua jornada de 40 anos na Braun, Rams desenvolveu cafeteiras, aparelhos de barbear, rádios, equipamentos de audiovisual e muitos outros, sempre reduzindo as características do produto à sua essência para, desse modo, priorizar o usuário, fazer com que ele tenha a voz ativa diante do produto e perceba qual a sua funcionalidade, como afeta o ambiente e até a si próprio, sem ser desviado por caprichos estéticos do autor. Pode-se perceber que cada detalhe tem um propósito, a paleta de cores não causa perturbação visual e, qualquer cor diferente de preto, branco ou cinza era aplicada em pequenas partes, muitas vezes em apenas um botão, o que potencializava o aspecto final, pois “ter pequenos toques de cor torna-se mais colorido do que ter a coisa toda colorida” (Dieter Rams).

Mesmo com o surgimento de diversos movimentos artísticos que influenciaram o design de produtos ao longo dos anos, a presença de Dieter na empresa manteve sua imagem minimalista de modo bastante sólido, mas, com a chegada da sua aposentadoria em 1997, o catálogo da Braun foi alterado para adequar-se aos moldes da cultura pop explorados com sucesso por outras empresas, que “...inundaram o mercado das lojas e butiques” (Bürdek, 2010, pág. 57).

“Eu imagino que a empresa ficou feliz por eu ter atingido idade de aposentadoria, já que o ‘less but better’ (menos porém melhor) ninguém mais aguentava ouvir”.

(Dieter Rams, 2001, pág. 57)

Dieter Rams, por Gary Hustwit.

Entretanto, em 1959, Dieter Rams passa a trabalhar também para a marca inglesa Vistoe, aumentando as possibilidades de venda dos rádios da Braun, onde conseguiu explorar as habilidades de carpintaria herdadas do avô, Heinrich Rams, conhecido por fazer móveis tradicionais com acabamento refinado, resultado adquirido através de grande atenção aos detalhes e o esforço para manter a simplicidade. Para a Vistoe, criou poltronas e um sistema de estantes e prateleiras de alumínio, a icônica 606 Universal Shelving System, uma grande materialização do conceito de design inteligente, baseado no consumidor: no site da marca, pode-se acrescentar somente as partes que satisfazem uma necessidade, como prateleiras, mesas, módulos com gavetas e acessórios de escritório diversos, além da quantidade. Mais uma vez, Dieter mostra que a revolução não se limita à aparência do objeto, mas também contempla a experiência que se tem ao inseri-lo no cotidiano. Dessa forma, questiona os padrões de relacionamento usuário-produto, já que a lógica capitalista trabalha em prol da exploração completa do comprador e essa montagem independente coloca este em uma posição ativa na compra - o controle está em suas mãos.

Ademais, a preocupação com a durabilidade é o ponto mais fascinante. No livro Objetos de Desejo, Adrian Forty comenta sobre os Garretmasters, marceneiros informais que, mal pagos por grandes lojas de varejo, utilizavam um material de baixa qualidade e o cobriam com folheados de madeira para maquiar a mobília, pois só a venda importava. Essa dinâmica ainda pode ser vista, já que objetos duráveis quebram o ciclo estimulante de compra - descarte - compra. Grandes empresas como a Braun e a Vistoe são o maior pesadelo do capitalismo porque mostram que não é necessário apelar para meios tão baixos de produção para obter lucro e que a responsabilidade ambiental é urgente, por isso o trabalho de Dieter Rams ultrapassa os limites do Design.

606 Universal Shelving System, Dieter Rams, Vistoe.

Em síntese, Dieter Rams criou dezenas de produtos em diversas categorias e tornou-se uma peça fundamental na história do movimento funcionalista, ao mesmo tempo que este o influenciou. Aos 88 anos, continua trabalhando na Vistoe, pensando em novas formas de desenvolver o simples, e seu portfólio completo encontra-se no acervo do Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York. Hoje, seus produtos continuam em produção, os que apresentam um atraso relacionado à tecnologia são procurados por colecionadores, fato que comprova o caráter atemporal de todas as suas criações, e o seu legado pode ser reconhecido em diversos profissionais e empresas, como Jony Ive, designer da Apple e fã de carteirinha de Rams.

Dieter Rams, por Abisag Tüllmann.

Dieter Rams, via Graphic Novel

Referências

BÜRDEK, Bernhard. Design: História, Teoria e Prática do Design de Produtos (1991).

GOMPERTZ, William. Isso é Arte? (Edição Brasileira, 2013).

BELING, Guilherme. Livro-homenagem: Dieter Rams - História e influência no Design (2019) - https://issuu.com/guilhermebehling/docs/livro_-_dieter_rams

Site da Vistoe - https://www.vitsoe.com/eu

MILLBURN, Joshua; NICODEMUS, Ryan. What Is Minimalism? - https://www.theminimalists.com/minimalism/

FORTY, Adrian. Objetos de Desejo (1986).

As referências das imagens constam no rodapé destas.

Ficha Técnica

Texto desenvolvido por Raiana Fernandes de Moura para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).