Bauhaus: idealismo e demonização

Por Katherine Louyse de Lima Varela

Com a Belle Époque, a sociedade européia do fim do século XIX passava por diversas transformações artísticas e culturais. A ascensão do primeiro grande estilo, o Art Nouveau – chamado Jugendstil nos países germânicos –, remodelou as artes decorativas e arquitetura da época. Entretanto, o estilo se tornou ultrapassado durante o século XX porque as pessoas procuravam mais simplicidade e geometria nas formas. A Bauhaus surgiu ao meio dessa sagaz busca de evidenciar a modernidade através das artes, idealizando e revolucionando o design e a arquitetura em todo o mundo e, destarte, sendo considerada uma das maiores referências para o design contemporâneo. Ainda assim, a Bauhaus só chegou a receber seu renome após uma breve e extremamente impactante história. Por um lado, irritou os nazistas e soviéticos stalinistas pelo seu idealismo utópico e revolucionário, e por outro, inspirou inúmeras escolas de artes, design e arquitetura por décadas a fio.

Oskar Schlemmer, Selo da Bauhaus de Weimar, “Profile”, 1922 © Oskar Schlemmer Archive and Theatre Estate (imagem retirada do livro “Bauhaus 1919-1933 Weimar-Dessau”, de Siebenbrodt e Schöbe)

Em 1919 fundou-se a Staatliche Bauhaus Weimar, na capital da República Federal de Weimar – a Alemanha pós-Primeira Grande Guerra –, como resultado da fusão de uma escola de artes aplicadas, de Henry van de Velde, com uma escola de artes plásticas. A Bauhaus contava com um corpo acadêmico formado por diversos artistas de vanguarda e tinha fundamentos baseados na Gesamtkunstwerk, que consistia na junção de todas as artes. Para Walter Gropius, diretor da escola na sua criação, a união das áreas artísticas com a área de produção técnica iria revolucionar a maneira de produzir e, assim, levar a arte para as massas populares. “A meta da atividade de projeto na Bauhaus era a de criar produtos para camadas mais amplas da população, que fossem acessíveis e tivessem alto grau de funcionalidade.” (BÜRDEK, 2005, pág. 31)

Mestres da Bauhaus no telhado do prédio da escola, 4 de dezembro de 1926 (e-d:Josef Albers, Hinnerk Scheper, Georg Muche, László Moholy-Nagy, Herbert Bayer, Joost Schmidt, Walter Gropius, Marcel Breuer, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Lyonel Feininger, Gunta Stölzl, Oskar Schlemmer)

A produção artística dentro da Bauhaus se baseava na auto-experimentação dos alunos e em oficinas de diferentes materiais, os quais eram usados para elaborar produtos funcionais e alcançáveis para a população. No geral, a avant-garde européia moldou a pedagogia bauhausiana, uma vez que, além de seus ideais progressistas, o seu corpo acadêmico era formado por vários artistas vanguardistas e abstracionistas como Wassily Kandinsky, Paul Klee, László Moholy-Nagy, Johannes Itten e Georg Muche. Logo, a produção dentro da escola também era influenciada por esses estilos artísticos, buscava trazer geometria e cores simples, sempre muito apegada ao minimalismo. “Pode-se argumentar que o ponto de maior influência dos movimentos vanguardistas em matéria de design tenha sido justamente na área de ensino [...]” (CARDOSO, 2008, pág. 130)

Agregada ao modernismo da instituição e à sua síntese estética-social, a escola também possuía ideais libertários fortes, sempre buscando incluir diferentes tendências e culturas ao cotidiano acadêmico para, assim, construir conhecimento vasto em comum. Como foi falado até aqui, a Bauhaus era completamente vinculada a um idealismo fervoroso, buscou a democratização da arte, arquitetura e design e tentou, na prática, aplicar isso no Império Alemão. A chance desses princípios utópicos revolucionarem a sociedade pós-guerra atraiu inúmeras pessoas de toda a Europa, todas trazendo consigo diferentes visões para contribuir ainda mais com as metas adotadas pela Bauhaus.

“Para a maioria dos que participaram, o significado maior da escola esteve na possibilidade de fazer uso da arquitetura e do design para construir uma sociedade melhor, mais justa e plenamente internacional, sem os conflitos de nacionalidade e raça que então dominavam o cenário político.” (CARDOSO, 2008, pág. 134)

Agregada ao modernismo da instituição e à sua síntese estética-social, a escola também possuía ideais libertários fortes, sempre buscando incluir diferentes tendências e culturas ao cotidiano acadêmico para, assim, construir conhecimento vasto em comum. Como foi falado até aqui, a Bauhaus era completamente vinculada a um idealismo fervoroso, buscou a democratização da arte, arquitetura e design e tentou, na prática, aplicar isso no Império Alemão. A chance desses princípios utópicos revolucionarem a sociedade pós-guerra atraiu inúmeras pessoas de toda a Europa, todas trazendo consigo diferentes visões para contribuir ainda mais com as metas adotadas pela Bauhaus.

Infelizmente, o nobre sonho da Bauhaus de construir uma sociedade melhor se fazia bastante impossível de acontecer ao meio da grande polarização política da época, a instituição tentava sobreviver com o seu caráter estatal e orientação socialista, trocando sua sede da capital de Weimar para Dessau em 1925 para receber apoio financeiro do governo. Mas mesmo assim, a escola não deixava de ser um gigantesco incômodo para alguns grupos políticos de direita e extrema-direita.

“A contradição manifesta entre a sua condição de instituição estatal e idéias libertárias da maioria dos seus membros já surte uma idéia da natureza dos conflitos que marcaram essa escola durante a sua curta existência.” (CARDOSO, 2008, pg. 130)

Iwao Yamawaki, The Attack on the Bauhaus, colagem, 1932 (imagem retirada do livro “Bauhaus 1919-1933 Weimar-Dessau”, de Siebenbrodt e Schöbe)

O Partido Nacional-Socialista era um dos grupos contrários à Bauhaus que ganhava cada vez mais apoio entre o povo e emergia gradativamente dentro do governo alemão. Oficialmente, os nazistas pintaram uma imagem demonizada de que a Bauhaus era parte da terrível doença a qual assolava a República Federal de Weimar, sendo associada à judeus, aos comunistas, ao “Bolchevismo Cultural” e praticamente tudo considerado ultrajante pelo partido. Em 1932, os nazistas fizeram uma visita ao campus e dias depois foi sugerido o fechamento da escola, os alunos protestaram mas infelizmente seus clamores foram em vão. A Bauhaus de Dessau foi desintegrada. Naquele ponto, a instituição se arrastava tentando sobreviver de qualquer forma possível, ao mesmo tempo que recusava-se a virar ferramenta de propaganda nazista, Mies van der Rohe tentou em última instância migrar a Bauhaus como organização privada para Berlim, apenas para um ano depois – após Adolf Hitler se tornar Chanceler do Terceiro Reich e Führer – o governo vasculhar o prédio em busca de materiais de viés comunista e depois extinguir a instituição completamente após seus breves quinze anos de existência.

Portões do campo de concentração de Buchenwald, por Franz Ehrlich; fotografia por Richard Blanshard. Disponível em: https://www.abc.net.au/news/2019-03-30/nazis-shut-down-the-bauhaus-but-design-school-legacy-lived-on/10947778

Com a instauração do Grande Reich Alemão e o fim da Bauhaus, uma forte censura e perseguição contra as pessoas ligadas à escola iniciou-se, a maioria acabou emigrando para outros países em busca de maior segurança e liberdade para continuar atuando com ideologias semelhantes às da escola vanguardista. Três anos antes de Hitler assumir o poder, Hannes Meyer, ex-diretor da Bauhaus, havia emigrado junto de alunos para a URSS buscando trabalhar de fato dentro de um país socialista, formando o grupo popularmente conhecido como Rote Bauhausbrigade – Brigada Bauhaus Vermelha, traduzida ao pé da letra. Trabalharam em diversos projetos arquitetônicos em Moscou, todavia, acabaram sendo perseguidos pelo stalinismo crescente na União Soviética que reprimia veementemente a avant-garde estrangeira e nacional em prol do predomínio do realismo socialista. Tanto membros da Rote Bauhausbrigade, quanto ex-alunos da Bauhaus que não conseguiram escapar do Terceiro Reich acabaram sendo levados para campos de concentração e assassinados. Outros, os quais tiveram um pouco mais de sorte, puderam usar de suas habilidades para permanecerem vivos, como foi o caso de Franz Ehrlich, que acabou sendo acusado de ser comunista e se tornou prisioneiro do campo de concentração de Buchenwald. Ehrlich foi mandado elaborar alguns projetos de design para Buchenwald, projetou os portões do campo com letras sans-serif – que eram um retrato do modernismo –, as casas privadas de comandantes da SS e até mesmo um zoológico para os nazistas. “A Bauhaus não era caracterizada por escolas de pensamento preconcebidas ou requisitos de estilos, mas por um alto nível de individualidade e pluralidade.” (SIEBENBRODT; SCHÖBE, 2009, p. 240)

É irônico que, mesmo depois de toda a forte opressão sofrida dentro da Alemanha Nazista e União Soviética, a Staatliche Bauhaus manteve seu legado vivo por muito mais décadas após a Segunda Guerra Mundial. A emigração de seu corpo docente e de seus alunos acabou por levar de vez a ideologia da Bauhaus para terras estrangeiras. Moholy-Nagy fundou em Chicago a The New Bauhaus, Josef Albers se tornou professor do Black Mountain College (E.U.A), Walter Gropius virou diretor do Dpt. de Arquitetura de Harvard, Ludwig Mies van der Rohe também passou a ser diretor do Dpt. de Arquitetura do Armour Institute of Technology – que viria a se tornar o Illinois Institute of Technology –, após a Segunda Guerra o ex-aluno Max Bill fundou e dirigiu a Hochschule für Gestaltung de Ulm. A identidade única e diversa da Bauhaus se espalhara através do mundo e os governos totalitários não tinham os meios de impedir isso. A demonização da Bauhaus foi um completo fracasso, uma vez que o impacto da Bauhaus não se limitou apenas ao século XX e atualmente as suas experiências, ideologias, projetos e inovações se fazem vigentes no ensino e prática do design e da arquitetura através de todo o globo.

“A Bauhaus não pertence apenas à Europa, ela pertence ao mundo inteiro!” (SIEBENBRODT; SCHÖBE, 2009, p. 240)


Referências

BÜRDEK, Bernhard E.. Design: história, teoria e prática do design de produtos. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2005.

CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2008.

SIEBENBRODT, Michael; SCHÖBE, Lutz. Bauhaus 1919-1933 Weimar-Dessau. New York: Parkstone Press, 2009.

TALESNIK, Daniel Adolfo. The Itinerant Red Bauhaus, or the Third Emigration. 2016. 488 f. Tese (Doutorado) - Curso de Arquitetura, Columbia University, New York, 2016. Cap. 3. Disponível em: https://academiccommons.columbia.edu/doi/10.7916/D89S1R24. Acesso em: 28 abr. 2021

GESAMTKUNSTWERK. Disponível em: https://www.theartstory.org/definition/gesamtkunstwerk/#nav. Acesso em: 28 abr. 2021.

BLUEPRINT FOR LIVING. The Nazis shut down the Bauhaus, but the school's legacy lived on in the Third Reich. 2019. Disponível em: https://www.abc.net.au/news/2019-03-30/nazis-shut-down-the-bauhaus-but-design-school-legacy-lived-on/10947778. Acesso em: 28 abr. 2021.

Ficha Técnica

Texto desenvolvido por Katherine Louyse de Lima Varela para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).