A construção da política pelos pilares da Bauhaus

Por Leticia de Medeiros Vieira

“O Design deve ser pensado como uma atividade global, desdobrando-se em muitas facetas, mas ao mesmo tempo, múltiplos aspectos da vida humana.” (CARDOSO, 2008, pg. 133)

Ao observar a citação de CARDOSO (2008), podemos ver que as raízes da escola de Bauhaus tinham como objetivo central o olhar ao coletivo, trazendo necessidades e projetos voltados à sociedade, evoluindo conforme as mesmas. Isso, vindo de um contexto histórico de guerras e repressão, Bauhaus fundou uma grande resistência socialista, em cima do silêncio que insistentemente tentavam colocar sobre as vontades da comunidade, como CARDOSO (2008, pg. 132) reafirma na fala “Bauhaus esteve no centro dos acontecimentos políticos, sendo até mesmo fechada no Nazismo”. Arrisco-me a dizer que, essa foi uma das primeiras formas de luta política que vimos no ramo da arte.

Fechada diversas vezes no pós-guerra, a Bauhaus sobrevivia a Alemanha nazista escondendo-se dentre prédios sem registros, sendo reprimida diversas vezes. Infelizmente fechada em 1933, a escola tenta se recompor em Berlim mas logo encerra suas atividades, por pressão do Nazismo. Porém, dentro do legado da mesma, nascia a vontade de lutar em prol da democracia, usando do veículo da arte feita por escultores, pintores, escritores, para levar a mensagem ao mundo, como afirma BÜRDEK (1991, pg. 10) “A emigração política dos estudantes e docentes da Bauhaus conduziu a um desenvolvimento de pesquisa, ensino e prática deste conceito inovador pelo mundo afora”.

Abro então um parênteses sobre uma indagação recorrente no ramo artístico, Design é arte? E se não é, qual a influência de uma para a outra? Digo eu, que ambas andaram de mãos dadas por um tempo, onde a diferença é que o Design tem como propósito projetos planejados ao coletivo (ou pelo menos é o que vemos nas raízes da Bauhaus) e a arte é uma expressão própria sobre algo.

Podemos trazer essa comparação à obra de Marcel Duchamp, intitulada “Fonte”, onde em 1917, Duchamp sendo pioneiro no Dadaísmo, trouxe para uma exposição de arte, um urinol e apresentou como uma obra de arte assim como todas as que estavam ao seu redor. Muito criticada pelo conselho que o mesmo fazia parte, alguns membros indagaram Duchamp sobre a obra “Pode ser um objeto muito útil em seu lugar, mas seu lugar não é em uma exposição de arte e ele não é, de forma alguma, uma obra de arte”.

Mais tarde, Marcel justificou sua obra dizendo: “Eu estava chamando a atenção das pessoas para o fato de que a arte é uma miragem. Uma miragem, exatamente como um oásis aparece no deserto. É muito bonito, até que, claro, você está morrendo de sede. Mas você não morre no campo da arte. A miragem é sólida”

(Imagem 1 disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-urinol-duchamp.phtml);

(Imagem 2 disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp);

Após ver essa utopia do início da Bauhaus, posteriormente vemos a utilidade do Design se perdendo para o sentido da arte política, assim como o Urinol de Duchamp foi para a exposição. Entramos assim aos poucos no olho do capitalismo, onde o sistema econômico começa cada vez mais a tomar força juntamente com suas máquinas e indústrias, influenciando nas mínimas decisões do ser humano, e como o Design é construído em cima das vontades dos mesmos, os projetos foram adaptando-se para algo mais lucrativo e chamativo ao olhar dos grandes. Aos poucos começamos a deixar de lado o pensamento de que o Design é feito do Ser Humano para o Ser Humano, apagando a ideia nascida das salas repletas de mulheres e estrangeiros, esquecendo do socialismo fundado dentre os pilares da escola de Bauhaus.

Acredito que o caminho que desviou essa conjuntura de luta foi no momento em que vemos a transição do Design sendo vendido juntamente com o social ao seu redor, seguindo o fluxo das indústrias e projetando máquinas para seu contexto, aumentando o espaço para que o Designer fosse visto como uma profissão juntamente com novos empregos gerados na Industrialização, relembrando a fala de BÜRDEK (1991, pg.19) “O preenchimento de necessidades básicas de uma população: mais ampla o seu objetivo, maior de seu trabalho”, separando assim o Design da Arte.

Ao evoluir do Design, podemos ver a Bauhaus de origem se esquecendo diante dos nossos olhos, onde no auge do Vanguardismo no início do século XX, o Design se volta à valores estéticos de produção de maquinário, ao uso de maior matemática e da racionalidade (como figuras geométricas e o uso do GRID);

Posteriormente, na Art Nouveau, a arquitetura toma espaço tentando trazer uma forma mais humana e orgânica às máquinas, trazendo estilos à natureza. Esse pequeno resgate aos valores humanos, andava em paralelo com a ideia de adaptar o mundo à mecanização, onde mais uma vez vemos o instinto da Bauhaus nos gritar ao fundo, mas sem sucesso.

Dando um pulo para os dias de hoje, vemos o Design Capitalista. Ao entrar no contexto do Design Contemporâneo, precisamos fazer uma breve recapitulação sobre o que, e para quem o Designer se volta ao construir um projeto. O objetivo central, é trazer juntamente com o bem estar, as necessidades e “Trends” adotadas pelo social ao seu redor, em paralelo com o futuro desse projeto e como ele poderia ser aplicado no mercado, junto com seus resultados e lucros. Com isso, historicamente fomos esquecendo que somos seres políticos, afastando cada vez mais o sentido original do Design. Esquecemos de tomar responsabilidade de que somos o centro da influência sobre o coletivo, ao mesmo tempo que ele é sobre nós. Somos o centro da informação e dos produtos, estamos a todo o redor.

O livro “Ruined By Design” de Mike Monteiro, nos dá esse lembrete de que o ser Designer é um ato político e democratico, e ao apagar isso da nossa história é abraçar a superficialidade do Design que gira em torno do “Trends” e do lucro, apagando a história de luta da Bauhaus. O próprio título põe em nossos ombros o peso do nosso papel diante o social, na tradução literal do português “Arruinado pelo Design: Como o Design destruiu o mundo, e o que podemos fazer para conserta-lo”. Nele temos o estalo mental de que somos seres humanos, muito além de prestadores de serviço, softwares de produção e máquinas a todo vapor. Temos influência sobre o que o nosso serviço irá impactar e isso deve ser a prioridade no Briefing inicial de qualquer projeto, pensar como isso irá ter um legado posteriormente, a influência social. O autor reúne um Código de Ética para Designers, leitura obrigatória para todos que começaram no ramo e os mais experientes. Nele podemos ver tópicos como na tradução de Ibraim César (disponível em: https://github.com/mmmonteiro/designethics/blob/master/pt_BR.md):

“Designers são parte de uma comunidade profissional.

Você faz parte de uma comunidade profissional, e a forma como você faz o seu trabalho e se portar profissionalmente afeta a todos nessa comunidade. Da mesma forma como as marés altas afetam todos os barcos, cagar na praia afeta todos os banhistas. Se você for desonesto com um cliente ou empregador, o designer depois de você pagará o preço por isso. Se você trabalha de graça, o designer depois de você terá isso como expectativa do cliente. Se você não oferecer resistência a fazer trabalhos ruins, o designer depois de você terá o dobro do trabalho para fazer isso.

Enquanto um designer tem uma obrigação ética de ganhar seu sustento fazendo o melhor das suas habilidades e oportunidades, fazer isso às custas de outros na mesma área de atuação é um desserviço a todos nós. Nunca puxe o tapete a outro designer para alcançar as suas próprias metas. Isso inclui “melhorias públicas” do trabalho de outra pessoa, trabalhos não remunerados e plágios.

Um designer busca fortalecer a comunidade, não dividi-la.”

(Original disponível em: https://deardesignstudent.com/a-designers-code-of-ethics-f4a88aca9e95)

(Imagem 1 disponível em: https://ler.amazon.com.br/kp/embed?asin=B07PS16XY9&preview=newtab&linkCode=kpe&ref_=cm_sw_r_kb_dp_ZHZP62XNNTP4WZTKCNFR)

(Imagem 2 disponível em: https://abookapart.com/products/design-is-a-job)

“Ruined By Design” (disponível em: https://ler.amazon.com.br/kp/embed?asin=B07PS16XY9&preview=newtab&linkCode=kpe&ref_=cm_sw_r_kb_dp_ZHZP62XNNTP4WZTKCNFR)

Precisamos resgatar a memória do ser político que o Design nos possibilita ser. Observar a história de resistência da Bauhaus apenas em livros de conceitos não basta, temos que agir e ter consciência da responsabilidade, do nosso lugar na democracia e no poder de fala que temos. Estamos em todo lugar, somos a influência do nosso todo, temos como profissão refletir o que vem pela frente. Pensar no coletivo é pensar em política. Pensar em política é pensar em Design.

Referências

CARDOSO, F. Uma introdução à história do Design, Ed.3, Editora: Edgard Blucher Ltda, 2008;

BÜRDEK, B. Design: história, teoria e prática do design de produtos, Editora: Edgard Blücher, 2006;

MONTEIRO, M. Ruined By Design, Editora: Mule Design, 2019;

Ficha Técnica

Texto desenvolvido por Leticia de Medeiros Vieira para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).