A Bauhaus: Histórico, Influências e Inferências

Por Artur Cesar Ramos de Castro

A intenção e pretensão deste pequeno texto é a de realçar como determinadas ideias relativas ao Design se propagam através do tempo e como elas são afetadas pelas injunções políticas ao longo da História. O enfoque aqui é o caso específico da Bauhaus como “herdeira ideológica” do movimento Arts and Crafts. Apresenta-se também um exemplo desta herança no caso do Brasil.


Aspectos Históricos: o ambiente político no surgimento da Bauhaus

Quando já se evidenciava a derrota da Alemanha na primeira guerra mundial, e antes mesmo que esta se consumasse, o Kaiser abdica de seu governo e forma-se a República de Weimar. Em condições extremamente desfavoráveis para a Alemanha é assinado o assim chamado Tratado de Versailles. Este tratado, considerado humilhante para os alemães, impõe-lhes pesadas perdas, inclusive territoriais, e como consequência “expõe a jovem e instável república aos perigos das oposições de esquerda e de direita”. (Lupton, pg. 41)

É nesse clima político, onde cresce a perseguição aos socialistas e comunistas , que é fundada em 1918 a Bauhaus. Judeus e comunistas eram considerados culpados pela derrota do exército alemão. Walter Gropius, que havia servido como soldado na guerra, assume a direção da existente Escola de Artes e Ofícios de Weimar.

Antes da guerra a Alemanha se transformara na nação mais industrializada da Europa. Havia um clima de orgulho nacional e as artes prosperavam, bem como a política. Era lá que ficava a sede do maior partido socialista da Europa. Com a derrota na guerra toda essa pujança desaparece e as forças políticas de direita assumem cada vez mais o domínio político, os republicanos perdem progressivamente seu espaço. Nesse clima de insegurança, os partidários do antigo regime apoiam aquelas forças, o que acaba alçando Hitler ao poder em 1933.

Desde o início a Bauhaus foi associada às forças de esquerda, e as críticas ao “aspecto social” da Bauhaus – a sua proximidade ideológica com o socialismo - refletiam-se até mesmo no estilo expressionista dos trabalhos formais iniciais da Bauhaus, já que “esse público conservador associava o expressionismo ao comunismo soviético”. (Lupton, pg. 24)

Poe fim, é esta animosidade contra os socialistas que acaba por determinar seu fechamento pelo governo alemão. É fato histórico que a ascensão de Hitler ao poder foi patrocinada pelos industriais alemães, temerosos com o avanço dos comunistas e seu apoio recebido da vitoriosa revolução russa de 1917.


De William Morris (1834 – 1896) a Walter Gropius (1883 – 1969)

Para se compreender o viés político de Gropius e sua ligação com o ideal de uma ressurgência do “espírito alemão” de antes da primeira guerra mundial é importante reconhecer, e compreender como se deu, sua ligação e, de certa forma, sua herança histórica do movimento Arts and Crafts.

Morris, assim como Gropius, era um socialista.

Há uma continuidade entre o movimento Arts and Crafts, notadamente Morris, e os modernistas do início do século XX, conexão esta mais diretamente relacionada no campo do design com a Bauhaus. Não no aspecto estilístico ou estético, mas em termos de uma visão “funcionalista” comum, em que a beleza resultaria de uma “representação verdadeira em função dos materiais, processos de construção e utilização dos objetos” (Weingarden, pg. 8).

Embora, ao contrário de Gropius, Morris se inspirasse em um “revival” medieval, é notável a transmissão, entre essas duas gerações de designers, da idéia de uma estética funcionalista, bem como de um propósito de reforma social através do design.


O legado de valores e métodos de Morris e sua apropriação pelos modernistas

Na Inglaterra vitoriana havia uma tradição de se relacionar as artes decorativas e arquitetura medievais com uma forma “natural e piedosa” de vida. Esta visão foi traduzida em práticas revivalistas por nomes como A.W Pugin e J. Ruskin. Esses artistas propunham um retorno àquela estética como “antídoto” contra a degradação dos valores induzidas pela Reforma e pela industrialização. Ruskin evoluiu em direção a uma crítica feroz ao capitalismo industrial via uma argumentação estética. Esta atitude iria influenciar os artistas da época, tendo decisiva influência na criação do movimento Arts and Crafts.

Morris dá continuidade a essa tradição, mas a despe de seus aspectos morais “aperfeiçoando as técnicas artesanais medievais, de início como mera reforma estética e posteriormente como atitude política”. (Weingarden, pag. 8)

Morris é um dos fundadores da Liga Socialista na Inglaterra em 1884. É a adesão ao socialismo que o leva a propor uma volta à tradição seguindo o modelo das guildas de artesãos da Idade Média. Neste sentido, Morris coloca-se em posição de continuidade da visão adversa de Ruskin com relação aos efeitos nocivos da industrialização no campo da arte e da organização social.

A visão e a intenção de Morris com essa atitude é – de acordo com as concepções de Karl Marx sobe o trabalho alienado, quando o trabalhador é apenas um vendedor de sua força mecânica, alijado do processo de criação e elaboração integral do produto desse mesmo trabalho – através desse sistema de “valores artesanais”, promover uma transição pacífica do capitalismo ao socialismo. Esta concepção é explicitada em um artigo de 1884, Arte e Socialismo. Esta era a utopia de Morris.

E são esses mesmos “valores” que são apropriados pelos primeiros modernistas quando, mesmo que em um sentido temporal contrário, estes adotam a máquina como ferramenta-símbolo de uma “harmonia social e bem-estar físico”. (Weingarden, pag. 9)


Walter Gropius e a Bauhaus

Gropius foi exposto às ideias de Morris e aos preceitos do Arts and Crafts antes mesmo da guerra. O belga Henry van de Velde, um dos expoentes do A&C e diretor da Escola de Artes de Weimar, indica Gropius como seu sucessor em 1914. Gropius tinha sido também aprendiz nos escritórios de Peter Behrens, participante do A&C na Alemanha nos últimos anos do século XIX.

Podemos considerar assim, desde sua concepção por Gropius, a Bauhaus como uma continuação adaptada aos tempos modernos do Arts and Crafts de Morris, com os mesmos ideais estéticos e políticos e mesma concepção da integração artesão-projeto-produto, nesse caso incorporando a estética modernista, expressionista, bem como seus ideais políticos expressos na concepção de uma arte imersa em produtos de custo acessível e direcionado às massas.

Assim como o Arts and Crafts mudou toda uma concepção artística e inaugurou uma nova fase no design do século XIX, a Bauhaus incorporou os valores estéticos e a atitude vanguardista do modernismo europeu, notadamente o alemão mas não somente este, que emerge logo após a guerra. Embora tenha incorporado os mesmos valores sociais e abordagem artesanal do A&C, sua ruptura com os padrões estéticos da época corre na direção oposta ao “revival” de Morris. É direcionada ao futuro, e a máquina, ao invés de inimiga da arte, é incorporada como ferramenta de criação em um novo ideal estético e instrumento de uma nova sociedade de massas.

As idéias de William Morris não só se propagaram no tempo e frutificaram, como no caso da Bauhaus, como tiveram reflexos no Brasil. A experiência da fábrica-cooperativa Unilabor em São Paulo, nas décadas de 50/60 foi um exemplo concreto, e até certo ponto exitoso, da arte e do design como ferramenta de transformação social. Quanto à interferência da política no ideal artístico e social, a experiência da Unilabor é também testemunho dessa “interação”. Assim como a experiência social da Bauhaus foi encerrada com a ascensão de Hitler ao poder em 1933, a Unilabor também teve suas ações encerradas em 1964, com o golpe militar no Brasil.

Referências

CARDOSO, F. Uma introdução à história do Design, Ed.3, Editora: Edgard Blucher Ltda, 2008;

BÜRDEK, B. Design: história, teoria e prática do design de produtos, Editora: Edgard Blücher, 2006;

LUPTON, E.; MILLER, J. A. (Ed.). O ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a teoria do design. Editorial Gustavo Gili, SL, 2019.

WEINGARDEN, L. S. Aesthetics Politicized: William Morris to the Bauhaus. Journal of Architectural Education, v. 38, n. 3, p. 8-13, 1985.

Ficha Técnica

Texto desenvolvido por Artur Cesar Ramos de Castro para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).