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A criação da tipografia e a extinção do manuscrito


Introdução

Atualmente, a tipografia está em todo lugar: nas telas dos celulares e computadores, e, também nos cartazes e panfletos das ruas. Este artigo, inclusive, é consequência da tipografia, assim como também são os textos que o embasam. Mas e a escrita à mão? Onde está? Qual o seu lugar no mundo moderno?

Esta redação aborda justamente esses questionamentos e segue a ordem: 1º) a invenção da tipografia; 2º) os progressos da Revolução Industrial; 3º) os dias atuais. No final da leitura, é esperado que novas ideias venham ao leitor sobre a relação inversamente proporcional entre tipografia e manuscrito.


1ª parte: a invenção da tipografia

Na Europa do século XV, o mundo acadêmico aflorava e fertilizava o cenário: alunos e mestres buscavam conhecimento por toda a parte; ou até desejavam produzir seu próprio legado, registrando estudos e aprendizados em texto. Essa fome insaciável dos acadêmicos os fez arrancar das mãos dos escribas o poder da escrita, monopólio deles, até então.



“A classe média letrada emergente e os estudantes

nas universidades em rápida expansão haviam

capturado do clero o monopólio da faculdade de

ler e escrever, criando um novo e vasto mercado

para material de leitura”.

(Meggs, 1983, pg. 91)


Dave Gray


Seguindo a lógica, toda essa demanda suscitou uma busca de diversos lados por uma maneira de aumentar a velocidade de produção dos artigos escritos; busca essa que rendeu não só mais velocidade na escrita: resultou numa das maiores invenções da história do design gráfico e do mundo.

Entretanto, antes de falar da tecnologia de tipos em si, é importante apontar para um elemento por muitos esquecido: o papel.

Anterior à invenção da prensa tipográfica, o papel veio da China para substituir o pergaminho, famoso na Europa, material dispendioso que exigia várias peles de carneiro em sua produção; o pergaminho era caro e de criação lenta.

Após sair da China e passar por um longo caminho na Arábia, a tecnologia do papel finalmente chegou na Itália, em 1276. E as fábricas a partir daí montadas foram essenciais para a futura invenção, pois “Sem papel, a velocidade e a eficiência da impressão teriam sido inúteis” (Meggs, 1983, pg. 91).


Agora, com uma superfície ideal e em grande quantidade, além da alta demanda, o cenário era ideal para a criação da tecnologia revolucionária da imprensa de tipos móveis. Ainda mais quando, nessa mesma época, vivia um gênio como Johan Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg. Nascido em Mainz, na Alemanha, Gutenberg foi aprendiz de ourives, além de trabalhar, mais tarde, como metalúrgico e joalheiro. Observando esses antecedentes, já é esperado que as suas habilidades em manipular metais fossem contribuir imensamente em seu maior projeto.

Em 1439, ele já tinha uma gráfica, com “[…] tipos, um estoque de chumbo e outros metais e um misterioso instrumento de quatro peças preso por sargentos duplos (provavelmente um molde de tipos)” (Meggs, 1983, pg. 96).


Vários passos foram necessários para a criação da imprensa tipográfica: escolha do material e do estilo das letras, criação dos tipos, montagem da prensa. Falando sobre o material: Johan Gutenberg buscava um que não fosse tão frágil como a madeira – que já era utilizada em xilografia – e foi aí que seu conhecimento sobre metais o ajudou muito: encontrou uma liga de chumbo, estanho e antimônio que seria perfeita para seu objetivo, fazer a punção dos tipos. Naturalmente, o estilo da letra escolhido foi o que simulava a escrita manual dos escribas, o qual chamamos, hoje, de estilo gótico. O processo era complexo, lento e trabalhoso, mas, uma vez criados os tipos, eles poderiam ser utilizados quase que infinitamente.


“[…] cada caractere na fonte […] tinha de ser

gravado no topo de uma barra de aço para compor

uma punção, que por sua vez era cravado numa

matriz de cobre ou latão mais mole para produzir

uma impressão negativa da forma da letra”.

(Meggs, 1983, pg. 97)



Então, o gráfico começou a produzir seus primeiros impressos, como um poema alemão, calendários e algumas edições de uma gramática latina de Donato. Entretanto, as impressões de Gutenberg só chamaram a atenção quando ele produziu cartas de indulgência (1454); os agentes que vendiam cópias ficaram interessados e encomendaram diversos exemplares a ele.


Por último, devemos falar aqui sobre o artigo impresso que marcou essa nova tecnologia: a Bíblia de 42 linhas de Gutenberg.

Com as impressões a toda corda, o alemão tinha custos imensos, os quais o levaram a fazer um empréstimo tão grande que ele teve de usar suas máquinas como garantia do pagamento; e isso trouxe um problema gigantesco. Em 1455, Fust, a quem o gráfico tinha tomado o empréstimo, o processou de súbito, tomando para si todo o seu equipamento de impressão; "Na véspera da conclusão da imensamente valiosa Bíblia de 42 linhas, que lhe teria possibilitado pagar todas as dívidas, Gutenberg foi banido de sua oficina gráfica” (Meggs, 1983, pg. 101).

E, então, o dinheiro e sucesso que o gráfico teria foi direcionado para Fust e o capataz de Gutenberg, Schoeffer, que agora trabalhava com Fust na gráfica. Eles concluíram a Bíblia de 42 linhas, com uma produção enorme de exemplares, e se tornaram a maior gráfica do mundo, na época.


Enquanto Fust e Schoeffer estavam imprimindo Bíblias e salmos, Johan Gutenberg voltou para Meinz, se juntou com o dr. Conrad Homery estabeleceu uma nova oficina tipográfica. Eles imprimiram, então, uma Bíblia de 36 linhas, versão menos refinada que a outra, porém com fonte similar. Essa publicação rendeu a Gutenberg o título de cortesão com a distinção de fidalgo. Se firmava aí, a partir de duas gráficas principais – a de Fust e a de Gutenberg –, o início da geração dos impressos.

A posterior expansão dessa tecnologia se deu através de conflitos sangrentos, onde os jovens gráficos de Meinz se viram obrigados a mudarem suas gráficas de local, espalhando-se, então, para locais distantes e propagando o conhecimento da imprensa de tipos móveis.


2ª parte: os progressos da Revolução Industrial

A maioria de nós sabemos que a Revolução Industrial foi um processo de inúmeras mudanças que encaminharam o mundo para o que conhecemos hoje. Porém, é interessante se aprofundar um pouco mais nas especificidades da área do design impresso.


Com as indústrias, a energia a vapor e, depois, a energia elétrica, as cidades atraíam cada vez mais pessoas, criando uma concentração de habitantes extremamente propícia para o consumo de informação. Esse foi o primeiro ponto. O segundo foi a segmentação dos processos de produção: agora não era um artesão que fazia o produto do início ao fim, e, sim, operários que se especializavam em uma parte da produção. Esse ponto foi essencial para o surgimento da profissão de designer. Como terceiro e último ponto, temos as inovações tecnológicas: impressoras super-rápidas, a capacidade de replicar imagens e as novas explorações com os tipos. Resumindo: a informação agora encontrava cada vez menos rédeas e podia correr livremente nas mãos do povo.


Agora falando sobre tipografia: foi nessa época (1886) que Ottmar Mergenthaler aperfeiçoou sua Linotype, uma máquina capaz de fundir tipos ao mesmo momento em que o operador digitava os caracteres. Nesse momento, quando as empresas de jornais começaram a comprar vários exemplares da Linotipo, várias greves ocorreram, pois ela significava a extinção da profissão de tipógrafos (os que criavam os tipos de metal), mas a invenção foi tão revolucionária que não podia ser ignorada e tomou o mercado.


Fazendo um pequeno salto no tempo, falemos um pouco sobre a Era Vitoriana. Foi nesse período que descobriram o processo da cromolitografia e isso gerou um enorme impulso na produção de cartazes e afins. Um ponto interessante para este texto sobre a época é que as produções eram mais artísticas do que outra coisa, então as letras assumiam quantas formas que a imaginação do artista quisesse. Foi, dessa maneira, uma era na qual, mesmo com a tecnologia pungente, as pessoas voltaram a “pôr a mão na massa”.

“Sem tradição e carecendo das restrições da

impressão tipográfica, os designers podiam

inventar qualquer letra que satisfizesse

sua imaginação e explorar uma paleta

ilimitada de cores vivas e vibrantes[…]”

(Meggs, 1983, pg. 200)




Letterpress Commons

3ª parte: os dias atuais

Nos dias de hoje, as letras estão em todo lugar; tudo que não é um ícone, é uma letra. E há outro detalhe importante: eles são arquitetados para serem reproduzidos infinitamente por meio de máquinas. No final, nos perguntamos “onde estão as marcas das mãos? Dos pincéis? Das penas?”. Bem, é surpreendente perceber que, mesmo algo que surgiu no físico, hoje é representado no digital: fontes que buscam imitar a caligrafia humana, os traços do pincel ou da caneta.


Acontece que ficou tão fácil simplesmente digitar que o fazer manuscrito se perdeu no tempo. A mídia digital ocupa tanto espaço nos dias atuais que sobra pouco para a caligrafia. E isso não é exclusivo da área da tipografia: tudo que hoje é digital, um dia já foi manual. É interessante, até, se perguntar qual será o próximo passo? Iniciamos nosso texto falando de como os escribas eram os únicos a escrever. Depois, a prensa de tipos móveis chegou e permitiu imprimir em papel. Hoje imprimimos em tudo, nos maiores e menores tamanhos. E depois? Uma comunicação direta entre mentes? Parece coisa de filme, mas as pessoas já buscam isso. A verdade é que, analisando a história, vemos que a evolução é fatal.

Alguns reclamam – “perdeu-se o prazer e arte em escrever com as próprias mãos num papel” ; outros agradecem: “a praticidade facilita e expande os horizontes do mundo das letras”. Bem, a verdade é que ambas as opções, quando comparadas entre si, apresentam vantagens e desvantagens. Entretanto, esse não é o foco do texto, mas, sim, apontar para como a tipografia revolucionou o mundo e a história. A importância da escrita é tão grande que, mesmo após inventarem uma maneira de imprimir rapidamente em papel, os inventores não pararam por aí; foram além, até chegarmos aos dias atuais. É que tudo isso, no fundo, se trata sobre uma palavra-chave: informação. Não vivemos na época das letras; vivemos a era da informação; e as letras são o maior meio conhecido para sua propagação.


Por fim, concluo dizendo que a escrita está no cerne da sociedade humana. Seja ela manuscrita ou tipográfica, ela é uma forma de registrar e repassar informações pelo mundo. Evoluímos para um estado no qual é mais prático digitar do que escrever; talvez, um dia, passaremos para um patamar onde até digitar será datado. No final, sempre haverá aqueles que olham para o futuro, buscando inovação. Mas também nunca deixarão de existir os que retomam as velhas tradições; e isso é igualmente importante.



Referências

PURVIS, Alston; MEGGS, Philip B.. História do design gráfico. 1. ed. Cosac & Naify, 2009.

Imagem 1: https://www.flickr.com/photos/davegray/6319799633/sizes/o/in/photostream/
Imagem 2:
https://letterpresscommons.com/linotypeandintertype/"


Ficha técnica

Texto desenvolvido por Mateus Miranda de Oliveira para a disciplina Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - Abril de 2021. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).