O projeto Cidade e Indústria em Foco: preservação e acesso ao acervo audiovisual da Michelin Filmes teve como objetivo principal a digitalização e a difusão do acervo fílmico da antiga produtora caxiense Michelin Filmes, atuante a partir da década de 1960. Esse é um dos acervos fílmicos históricos mais significativos sobre a região da Serra Gaúcha, um dos mais ricos em diversidade de assuntos, de suportes e de equipamentos de época, e um dos mais bem conservados do estado do Rio Grande do Sul.
O acervo da antiga produtora pertence atualmente à UCS. A família do fundador da Michelin Filmes formalizou a doação do seu acervo em 2008, após o falecimento do produtor audiovisual Nazareno José Michelin. A UCS, além de fazer a guarda e a preservação dos itens doados, tem direitos de uso sobre o material, agora disponível para acesso do público e de pesquisadores.
A produtora teve grande destaque regional, produzindo milhares de imagens em movimento, que retratam cerca de 50 municípios do estado do RS. No recorte deste projeto, foram selecionados 50 títulos de filmes para serem digitalizados, relacionados à cidade de Caxias do Sul e à sua indústria, temas que são recorrentes no acervo.
Além da digitalização dos filmes, o projeto também se propôs à publicação de um livro, trazendo olhares de pesquisadoras sobre a história da cidade e de seu significativo patrimônio industrial. Ainda, foram executadas ações educativas, com visitas-mediadas e oficinas a partir do acervo, e a exibição dos filmes para o público, em sessões comentadas.
O trabalho é resultado de projeto cultural executado pelo Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da Universidade de Caxias do Sul (UCS), e realizado por meio da Secretaria Municipal da Cultura de Caxias do Sul com recursos da Lei Paulo Gustavo, instituída pelo Governo Federal.
Nazareno José Michelin (1931-2007), natural do município de São Marcos (RS), foi um produtor audiovisual estabelecido em Caxias do Sul, fundador da Michelin Filmes.
O interesse de Nazareno Michelin pelo cinema surgiu quando ele adquiriu alguns filmes em película de 8 mm, de gênero infantil, para exibi-losr par a seus filhos. Em seguida, adquiriu uma câmera em 16 mm, e treinou sozinho fazendo as suas primeiras filmagens. A cada cena capturada, anotava manualmente informações sobre a configuração da câmera, como a abertura de diafragma utilizada. Após revelar os filmes e visualizar as imagens, concluía sobre as melhores escolhas, assim aprimorando a sua técnica. Uma película do início dos anos de 1960, hoje no acervo do IMHC, traz um retalho de várias dessas filmagens iniciais do produtor, com algumas cenas fora de foco, tremidas, com erros de super e subexposição ou em contraluzes. Ao mesmo tempo, se observam muitos acertos, com imagens bem iluminadas e adequadamente enquadradas. Essas se constituem nas filmagens mais antigas sobre a cidade feitas pelo produtor.
Nazareno também buscou conhecimento no Rio de Janeiro, tendo feito uma espécie de estágio de oito dias no estúdio do famoso produtor Herbert Richers – até hoje conhecido pelo bordão “versão brasileira...” que se escuta no início das produções dubladas para TV e cinema. Do estúdio carioca, Nazareno trouxe de presente uma câmera Arriflex 35 mm, equipamento com o qual produziu as suas primeiras películas profissionais: reportagens para a TV Piratini – Canal 5, de Porto Alegre.
Iniciou as suas atividades na emissora da capital gaúcha em 3 de janeiro de 1960, atuando como repórter cinematográfico correspondente em todo interior do estado. Atuou nessa função para a TV Piratini até março de 1967, tendo produzido quase 4 mil reportagens para os noticiários exibidos a partir da capital.
Com sua saída da TV Piratini, passou a se dedicar à execução de filmes-reportagem, documentários para indústria, filmes técnicos, promocionais, de treinamento e educativos.
Em 1969, a Michelin Filmes foi contratada pela TV Caxias – Canal 8 –, da cidade de Caxias do Sul, para produzir imagens para os noticiários da emissora. Realizou cerca de 2 mil reportagens para os programas do canal, encerrando o seu contrato em 1972. A partir daí, passou a intensificar a produção de filmes-reportagem próprios, como o Jornal na Tela, bem como documentários sobre cidades, festividades e empresas. Muitos dos títulos produzidos tinham exibição em sessões de cinema, antes do início de produções (longas-metragens) nacionais ou estrangeiras.
Na produtora, entre os anos de 1960 e 1980, atuaram muitos ajudantes, iluminadores, sonoplastas e cinegrafistas, que aparecem creditados nas produções, tais como (em ordem alfabética): Celso Scola, Cesar Kramer, Daniel Czamanski, Dino Britto, Leonel de Castilhos, Luiz Bampi, Luiz Pistorello, Moacir Perini, Nestor Michelin, Sérgio Benincá, Valdir Peres, e William Bueno. Pela redação, nomes como os de Assis Mariani e Jimmy Rodrigues são destaque; na narração, as menções são a Cícero Ramos, José Assis, Luiz Carlos de Lucena, Oswaldo Calfat e Willian Mendonça.
Nazareno Michelin continuou a sua produção no período de substituição da tecnologia da película plástica para a fita magnética, ou o formato VHS. Um de seus últimos trabalhos foi um documentário sobre a cidade de Caxias do Sul – “Da Mata Virgem à Metrópole Industrial” –, realizado entre 2002 e 2005, quando completou 45 anos de atuação no ramo cinematográfico. A produção é uma espécie de enaltecimento e homenagem à cidade que o acolheu. O produtor faleceu em 2007, deixando para a cidade e região um legado visual que hoje se constitui uma fonte para o conhecimento histórico.
O acervo do IMHC da UCS guarda preciosidades sobre a história da região. Surgido com essa denominação em 1991, o IMHC é oriundo do extinto Instituto Superior Brasileiro-Italiano de Estudos e Pesquisas (Isbiep), surgido em 1974 e incorporado à UCS no ano seguinte. Em 1975, a cidade celebrava o centenário da imigração italiana no Rio Grande do Sul, e a Universidade, por meio desse Instituto e de outros projetos e ações, envolveu-se nos festejos daquela efeméride: por exemplo, a realização do 1º Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiros, que se tornou evento tradicional nesse campo de pesquisa.
No mesmo ano do surgimento do Isbiep, foi criado na UCS o Projeto Ecirs, àquele tempo denominado Elementos Culturais das Antigas Colônias Italianas – mais tarde, rebatizado para Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do RS. O Ecirs foi um projeto aglutinador de pesquisadores interessados no estudo do fenômeno migratório de italianos para o Brasil, com ênfase nos elementos culturais trazidos e transformados em terras brasileiras, e por meio de procedimentos de pesquisa etnográfica. A partir do trabalho de campo empreendido, acervos passaram a ser gerados, como são exemplos: o acervo de entrevistas orais gravadas em áudio, o de fotografia, o de videografia, o de canções registradas, transcritas, traduzidas e pautadas, entre outros itens documentais.
Na mesma linha de preservação de acervos e de produção de conhecimento sobre a região, entre 2007 e 2008 foi originado o Programa Iris – Investigação e Resgate da Imagem e Som, com objetivo definido em sua própria denominação. Desde o seu surgimento, é o que o programa realiza, e duas ações se destacam em sua trajetória institucional: o recebimento do acervo da antiga produtora Michelin Filmes e o atual projeto de digitalização e disponibilização do conteúdo dos filmes.
A doação do acervo foi o ato fundante do Programa Iris, e foi formalizada em 2008 pela viúva do produtor, Neusa Ioppi Michelin. Ao final da vida, Nazareno Michelin manifestava o desejo de que seu acervo fosse doado à Universidade, para que os estudantes dos diferentes cursos da instituição pudessem conhecer a história da produção audiovisual e da cidade. Seu desejo foi realizado: um conjunto de cerca de 200 títulos de filmes, em suportes de 16 mm e de 35 mm hoje compõem o acervo, além de diversos itens relacionados à produção fílmica, como câmeras, projetores, tripés, splicers e coladeiras, itens de iluminação de estúdio, 300 discos de vinil (utilizados na trilha sonora dos filmes), e documentação anexa (scripts, roteiros, decupagens, contratos de serviço, fichas de censura, manuais, anotações).
No âmbito do projeto “Cidade e Indústria em Foco”, executado pelo IMHC da UCS, um conjunto de 50 filmes do acervo foi digitalizado, somando mais de 6 horas de filmes. Alguns destaques são:
– Documentários da Festa da Uva, edições de 1965, 1969, 1972, 1978 e 1984;
– Documentário sobre a construção dos pavilhões da Festa da Uva, inaugurado em 1975;
– Documentário sobre a construção e inauguração da Réplica de Caxias do Sul, datado de 1978;
– Documentários sobre o primeiro e o segundo Salão Sobre Rodas, evento de exposição das novidades no ramo automotivo no Brasil, contendo, por exemplo, o lançamento do Miúra (carro de produção gaúcha), do Chevette, de caminhões, carretas, ônibus e motorhomes, com destaque para empresas como Randon, Marcopolo e Agrale;
– Filmes-reportagens sobre a UCS, como a sua solene instalação em 1967, em cerimônia no Cine Teatro Ópera, também além de aulas no Campus 2 (sediado no prédio do antigo Colégio Sacré-Coeur de Marie), em 1970, e o primeiro comercial para televisão da instituição;
– Filmes-reportagens sobre a cidade, com cenas que mostram construções, inaugurações e atividades diversas, tais como: o Mercado Público Municipal, o Monumento Nacional ao Imigrante, abertura e melhoramentos em ruas e praças, construção de pontes e viadutos, dias de neve, jogos de futebol do Caxias e do Juventude, entre muitos outros;
– Filme-reportagem sobre o Centenário da Imigração Italiana no RS;
– Documentários e filmes-reportagens que exibem visitas de presidenciais presidentes a Caxias do Sul e de outras autoridades federais, estaduais e municipais, políticas ou religiosas;
– Documentários e filmes-reportagens sobre diversas empresas da cidade, e comerciais de lojas comerciais para televisão.