Gustavo Shintate

Gustavo Shintate

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  • Pode nos contar um pouco de como você entrou na vida acadêmica?

Minha carreira é um pouco não-ortodoxa, talvez assim como eu. Sou um ecólogo marinho gay, cis, brasileiro, neto de imigrantes japoneses, nasci em uma fase de estabilidade financeira dos meus pais, mas minha família veio para o Brasil em um contexto de pobreza. Entrei na vida acadêmica pois meu pai só conseguiu condições melhores de emprego depois de cursar física e engenharia elétrica e em algum nível isso foi uma influência para mim. Pude ter condições financeiras desde minha infância e ir pro ensino superior era "o esperado" para mim. Acho que por buscar liberdade, mergulhar em "águas inexploradas" acabei indo pra área de Oceanografia. O objetivo era USP e acabei indo pra Ciências do Mar na Unifesp, que era um curso novo. Cheguei a ser convocado pra matricular em Ecologia na Unesp Rio Claro, mas acabei optando, sinceramente, por ficar mais próximo dos meus pais, em Atibaia, cidade a 1h de São Paulo.

Entrei em 2013 na Unifesp, no curso que chamamos carinhosamente de BICTMar ou Ciências do Mar, mas o nome e sobrenome é "Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia do Mar". Sou muito privilegiado em ser um "bacharel interdisciplinar", um curso que forma profissionais com um treinamento desafiador de estudar uma base sólida tanto em humanidades, exatas e biológicas e permitindo com que com esta base você siga a trajetória acadêmica desejada com um background mais dinâmico, torne possível a criação de mais pontes do conhecimento ou colaboração interdisciplinar com outros profissionais. Voltando de novo à pergunta, meu contato com a área científica começou logo no meu primeiro ano, quando ainda havia um edital chamado "Jovens Talentos para a Ciência", que selecionava alunos para uma bolsa "pré-iniciação científica". O aluno acompanharia a rotina de algum pesquisador e seu envolvimento resultaria em um trabalho final de proposta de iniciação científica, inclusive contando como critério de desempate para PIBIC (que é uma bolsa de iniciação científica institucional).

Apesar de ter um primeiro contato com biologia molecular e biomarcadores de poluição em ostras, acabei escolhendo uma área mais "macro": a ecologia marinha. O professor Guilherme Pereira-Filho tinha acabado de ser listado como docente e nem havia se mudado para Santos, mas marcamos uma reunião via Skype e iniciamos nossa parceria na pesquisa que inicialmente era sobre entender a biodiversidade de macroinvertebrados em bancos de rodolitos (que são ecossistemas pouco conhecidos, mas importantíssimos em termos de fixação de carbonato marinho e inclusive tendo no país o maior banco de rodolitos do mundo, cobrindo 20 mil km^2 do Banco dos Abrolhos) e que se extendeu em tema de TCC (que você encontra no repositório da UNIFESP ou no meu Research Gate), publicações de artigos peer-reviewed (Motta et al., 2021) e apresentação de congressos e colaboração internacional e também influenciou meu tema de pesquisa do Mestrado. Em resumo: entrei na vida acadêmica por meus pais me darem estabilidade financeira e também por políticas públicas de fomento a pesquisa.


  • No que você está trabalhando agora?

Minha pesquisa mais recente foi durante meu Mestrado, que terminou em julho de 2021, no meio da pandemia. O tema do trabalho foi uma abordagem paleoecológica e sedimentológica para investigar o desenvolvimento do Recife da Queimada Grande, o recife de corais mais ao sul do Atlântico, durante os últimos 6 mil anos, no período do Holoceno.

Em 2019 (Pereira-Filho et al., 2019) publicamos o primeiro trabalho que descreveu o Recife de corais da Queimada Grande e seu banco de Rodolitos adjacente e ao datar um fragmento de esqueleto de coral do topo do recife descobrimos que este datava de cerca de 2300 anos antes do presente! Isto trouxe a ideia de coletarmos testemunhos sedimentares no recife e olhar para o passado. Como o crescimento dos corais variou no passado? Quais as variáveis ambientais registradas no sedimento podem ajudar a compreender a paleoecologia do recife de corais mais ao sul do Atlântico? Além disso, apesar de atualmente ser possível encontrar corais cérebro dominando hoje a região do recife, sua estrutura carbonática foi feita exclusivamente pelo coral Madracis decactis, uma espécie generalista que não é encontrada na literatura como formadora de recife. Utilizando os fragmentos de esqueleto de M. decactis, existe a possibilidade de criar curvas de crescimento visto que estes corais biomineralizam carbonato de cálcio em forma de bandas de crescimento anual (anexei uma figura de uma imagem de raio x do coral para ilustrar).

Desde então, além de preparar o manuscrito de artigo para submissão, participei mais ativamente em organizações voluntárias de comunicação científica, trabalhando como tradutor voluntário do International Coral Reef Society (https://www.coralreefstudents.org/), em especial para o blog científico estudantil Reefbites.com que conta com autores de vários países e fases acadêmicas diferentes e para o TED (https://www.ted.com/profiles/15294994), onde legendei e traduzi videos na temática de minorias étnicas. Também participei e liderei processos de aprendizagem reflexiva em grupo, discutindo a vivência como pessoa leste-asiática brasileira sob a perspectiva da identidade e intersecionalidades quanto a gênero, e orientação sexual.


  • O que você gostaria que todos soubessem?

Gostaria de dizer para quem já está na academia que temos uma oportunidade única de nos unirmos para falar de privilégios, de estruturas de poder, de saúde mental e nos conectarmos ainda mais com as pessoas. Buscar parcerias, aliados, nos reunir para falar sobre ciência, sobre ser cientista, sobre saúde mental.

Para quem está entrando na academia, permita-se errar, aprender. Permita-se aprender com a pessoa que te orienta, mas também use o ambiente acadêmico para liderar processos, para buscar excelência em administrar ideias, usar as redes sociais ao seu favor, para ousar ser proativo, independente e colaborativo. Descobrir a potência de elevar seus colegas e se elevar também.

E pra quem quer trabalhar com conservação, biodiversidade, vamos usar este momento único para estudar e articular medidas práticas em vários níveis de contribuição para que tenhamos condições de sobreviver às mudanças climáticas. Vindo de quem estudou mudanças climáticas do passado: o planeta vai sobreviver, mas a escala de alteração ambiental que estamos causando vai ser cruel para nós humanos, para quem divide o planeta com a gente, para a economia, para meus filhos, seus filhos. Apesar disso, reitero que é uma oportunidade ÚNICA de buscar soluções, mitigações, políticas. A pandemia do COVID-19 é uma crise AMBIENTAL antes de tudo. E temos muito que lamentar sobre desgovernos, egoísmos que vimos e vamos vendo, mas também vimos uma articulação para quem queria contribuir de forma colossal. E é com a Ciência comunicando e ouvindo Sociedade, com política e altruismo, diplomacia, colaboração. Precisamos de TODO MUNDO.


  • Como seria um dia perfeito para você?

Gosto muito da visão da estatística de que "todos os modelos são falsos, alguns modelos são úteis". Meu dia perfeito talvez seja o dia presente, cheio de suas possibilidades. Ou também um dia de sol, com equilíbrio de horas profissionais e familiares, com terapia, salário e direitos trabalhistas, mas também com luta social, com pesquisa rodando. Mas não deixam de ser modelos falsos :P.