RESUMO: A música sempre esteve presente na vida do ser humano, atuando e gerando efeitos terapêuticos sobre a mesma. Esta pesquisa analisa estudos sobre a eficácia do tratamento com música sobre o processo terapêutico de sujeitos deficientes visuais, auditivos, com depressão e com transtorno do espectro do autismo. A análise foi realizada segundo Bardin (2011) e 4 categorias de estudo foram estabelecidas. Os resultados evidenciaram que a música proporciona melhora significativa na comunicação dos sujeitos, principalmente com Transtono do Espectro Autista; promove autoconhecimento e bem-estar para deficientes visuais e auditivos; diminui os sintomas de pacientes com depressão; e proporciona a melhora da qualidade de vida de todos os públicos estudados nesta pesquisa. Os trabalhos analisados apontam a música como ferramenta poderosa de desenvolvimento humano.
A música sempre esteve presente na vida do homem, desde os seus primórdios, fazendo parte integrante e de forma relevante de sua existência - nos momentos e nas situações de alegria ou tristeza, dor ou saúde, paz ou guerra, presentificandose nas situações festivas, guerreiras, fúnebres, religiosas e mágicas. (HAGUIARACERVELLINI, 2003). No período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial, essa relação Homemmúsica passou a ser estudada em forma de ciência, adentrando em diversos campos de atuação, principalmente na área da saúde, onde pesquisas médicas e hospitalares deram início à ciência que hoje se entende por musicoterapia (LEINING, 1977). A ação da música na saúde, entretanto, não se limita somente a prática musicoterápica, e seu uso científico tem sido estudado por diversos autores a serem discutidos neste artigo. Quando se cria musicalmente, aspectos cognitivos, culturais, corporais e afetivos, são experienciados, e tais ações desdobram-se para o campo do cotidiano, escoando para aspectos outros da vida dos participantes. É nesse sentido que se propõe pensar a potencialização dos sujeitos, como o aumento das possibilidades criativas de existência, mediados pelo fazer musical. (ARNDT; CUNHA; VOLPI,2016). A fim de demarcar os limites desta pesquisa, uma vez que o âmbito da saúde é muito extenso, optou-se pela escolha de estudar o uso da música a partir de algumas condições específicas a serem agora apresentadas.
O transtorno depressivo é uma classe de vários transtornos que incluem a presença de humor triste, vazio ou irritável acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo. O que difere entre eles são aspectos de duração, momento ou etiologia presumida. (DSM-5, 2013) Dentre estes transtornos, pode-se citar o depressivo maior, transtorno depressivo persistente (distimia), transtorno disruptivo da desregulação do humor, entre outros. Do ponto de vista clínico os transtornos depressivos não necessariamente precisam da medicação como via de tratamento. Nas depressões leves e moderadas a psicoterapia, ou terapias alternativas se mostram extremamente eficazes (FLECK, 2009).
A caracterização de sujeito portador do Transtorno do Espectro Autista – TEA - se dá, fundamentalmente, a partir dos déficits que este apresenta, sendo os principais: padrão repetitivo, estereotipado e restrito de comportamentos, interesses e/ou atividades e prejuízos na interação e comunicação(American Psychiatric Association [APA], 2013). Grande parte dos indivíduos diagnosticados com autismo não faz contato visual e sente-se incomodado com o contato corporal, além de apresentar problemas na linguagem verbal e não verbal, utilizando-se então de gestos para suprir a comunicação (MENEZES; AMORIN, 2015). As pessoas com tal transtorno mostram uma relação intensa com a música, considerando o aspecto não-verbal da música como principal motivo engajador. Tanto a música instrumental quanto as canções são ótimos instrumentos para o estudo das emoções, além de estimular a atenção conjunta, a memória, controle de impulso, planejamento, execução e controle de ações motoras (SAMPAIO et al., 2015).
A deficiência visual é definida como a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da visão. O nível de acuidade visual pode variar, determinando dois grupos de deficientes: cegos - com perda total da visão e baixa visão; ou visão subnormal – caracterizada pelo comprometimento do funcionamento visual dos olhos, mesmo após tratamento ou correção. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2010), estima-se que 6,5 milhões de brasileiros possuem deficiência visual e 29 milhões possuem alguma dificuldade para enxergar.
O mesmo ocorre com os deficientes auditivos, também conhecidos como hipoacúsicos ou surdos, sendo caracterizados como indivíduos que possuem a perda parcial ou total de audição, podendo ser de nascença ou causada posteriormente por doenças e outras complicações. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2010), aproximadamente 9,7 milhões de brasileiros possuem alguma deficiência auditiva. Dessa forma, buscou-se levantar e analisar estudos que pudessem relatar a eficácia ou não do processo terapêutico e/ou de reabilitação, através de tratamentos com música. Descobrir como a musicalidade dos seres pode influenciar no processo terapêutico de pacientes com depressão; beneficiar deficientes auditivos e visuais; e auxiliar sujeitos que desenvolveram transtornos do espectro autista, explicitando seus princípios e práticas clínicas.
Foi realizada revisão bibliográfica sobre o uso científico da música nos processos terapêuticos e/ou reabilitacionais, em produções científicas que diziam respeito: ao tratamento de transtornos depressivos, portadores de cegueira e surdez e sujeitos com transtornos do espectro autista. Os dados foram coletados nas seguintes categorias de produções científicas: artigos científicos em periódicos nacionais e internacionais, dissertações de mestrado, teses de doutorado, filmes, documentários e livros. Efetuou-se então o cruzamento dos dados levantados e a análise de conteúdo, segundo Bardin (2011), elegendo-se a modalidade de análise por categorias. A análise categorial implica em uma operação em que se classificam elementos constitutivos de um conjunto dado, analisando-os e reagrupando-os por analogia. O critério de categorização, nesta pesquisa, deu-se por categorias temáticas, encontradas nas produções científicas analisadas, tais como: comunicação e linguagem, contribuições da família, diminuição de sintomas, e qualidade de vida.
A categoria I refere-se ao processo de comunicação e desenvolvimento e aperfeiçoamento da linguagem verbal e não verbal dos sujeitos. Foram encontradas formas de comunicação musical, verbal, não verbal, dentre outras.
Haguiara-Cervellini (2003), afirma que a música é uma forma de comunicação que carrega a possibilidade de viver, sentir e expressar emoções, sendo fundamental ao ser humano, incluindo o deficiente auditivo. Em sua tese de doutorado, cita sua dissertação de mestrado (1983, apud HAGUIARA- CERVELLINI, 1999, p. 30), cuja pesquisa consistiu na observação de crianças deficientes auditivas em relação com a música. Conclui que independente do grau de sua perda auditiva, elas são sensíveis à música. Durante a pesquisa as vivências musicais eram propiciadas de modo que elas pudessem experienciá-las livre e espontaneamente. “Dessa forma elas aprenderam a ouvir a música por si mesmas, mostrando suas possibilidades diante das potencialidades que a música lhes oferecia”.
A autora afirma que a vivência da música possibilita a canalização de estados conflituosos e de disputa para o toque de instrumentos musicais e para a dança. “Frequentemente, os conflitos surgidos durante a sessão foram resolvidos em torno de um instrumento musical, como o bumbo, ou o címbalo, por exemplo, onde as divergências e as emoções se explicitavam através de diálogos sonoros; ou através da dança e da expressão corporal. Essas situações resultaram em momentos de compartilhar, cooperar e comunicar-se.” (HAGUIARA-CERVELLINI, 1999, p. 31).
A comunicação/linguagem no indivíduo autista é um dos aspectos em que este apresenta dificuldades, sendo inclusive, critério para tal diagnóstico (American Psychiatric Association, 2013). Os indivíduos apresentam o desenvolvimento da linguagem prejudicado, chegando a casos em que a fala é inexistente, além da utilização da ecolalia por alguns indivíduos (BROWN, ELDER, 2014 apud FRANZOI et al.,2016).
Fernandes (2015) pontua em seu trabalho que a musicoterapia tem como fundamento possibilitar canais de comunicação em indivíduos com TEA. Segundo Verga (2017), em seu vídeo sobre autismo e música, a musicoterapia tem como objetivo principal promover a linguagem, a abertura de canais de comunicação, utilizar a música com esses indivíduos para engajá-los e lhes fornecer um meio através do qual possam se expressar.
No trabalho de Azevedo (2012) com um indivíduo autista, a comunicação foi interpretada como um indicador de interação social - objetivo da pesquisa. Logo, podese dizer que o foco não era especificamente a melhorada comunicação ou linguagem do indivíduo, mas, a autora conclui que, com o passar das sessões, o sujeito em questão passou a mostrar-se musicalmente mais comunicativo, demonstrando facilidade na execução técnica de instrumentos musicais adquirida com o decorrer das sessões, o que mostra que, embora o foco da intervenção não tenha sido tal, ele também influenciou neste aspecto.
Freire (2014), em seu trabalho com crianças autistas, utiliza a musicoterapia improvisacional, que consiste em utilizar a improvisação musical nos quatro campos musicais: audição, recriação, improvisação e composição (BRUSCIA, 2000 apud FREIRE, 2014). Além disso, nas sessões, há uma preocupação do musicoterapeuta em utilizar os instrumentos musicais e também a voz de forma lúdica e que estimule, entre outras áreas, a comunicação. No estudo, obteve-se como resultado uma correlação positiva entre o aumento da comunicabilidade musical e uma melhora na fala, corroborando o fato informado por Wan e Schlaung (2010 apud FREIRE, 2014) de que há ativação cerebral das áreas relacionadas à fala quando se escuta e se executa música, e desse modo, um dos benefícios trazidos pela música é o de promover conexões entre essas áreas cerebrais, o que poderia melhorar as habilidades comunicacionais de indivíduos com TEA.
Penn (1962) nos mostra em seu filme “O Milagre de Anne Sullivan”, a história real de Helen Keller, uma menina de sete anos de idade que acabou ficando surda e cega antes mesmo de completar dois anos de idade. Depois de muito esforço, carinho, e dedicação, foi possível fazer com que a menina se comunicasse com o mundo e as pessoas ao seu redor. Sua professora, Anne Sullivan, queria desenvolver em Helen a linguagem. Inicialmente, precisou recorrer ao extremo, tendo que conviver isoladamente com a menina, para que Helen pudesse aprender o novo método de comunicação, em que o tato propiciaria a percepção do Alfabeto manual e da língua de sinais. Este estímulo da comunicação através do tato proposto por Anne incentivou sua aluna a estabelecer o elo entre ela e o mundo, fazendo-a compreender a relação entre as palavras e seus significados.
Ao se pensar em metodologia e alternativas de ensino e estimulação da linguagem, observamos que, da bibliografia levantada, os estudos de Massaro & Deliberato (2013 apud RODRIGUEZ et al., 2015) e Vasquez, (2011 apud RODRIGUEZ et al., 2015) apontam que a música associada à uma terapia fonoaudiológica, estimulação auditiva e musicoterapia, de forma sistemática e, aplicada com crianças na etapa pré-escolar, torna-se um elemento estimulador e condutor de novas aprendizagens, como: aumento de gestos indicativos, comportamentos comunicativos intencionais, linguagem expressiva e receptiva, propiciando, também, o desenvolvimento da sua atenção.
Já no trabalho de Franzoi et al. (2016) com crianças autistas foi bastante clara a ênfase da intervenção em estimular a linguagem. A ecolalia emitida pelas crianças, nessa intervenção, foi utilizada como um meio para ampliar o repertório da criança, utilizando-se “rimas, gestos, timbres, ritmos diferentes e elaboração de histórias cantadas relacionada à repetição verbal” (PRESTES, 2008 apud FRANZOI et al., 2016), o que influenciou também a interação das crianças.
Hathenher et al., (2012) afirmam o fato de que, a criança com surdez pode desenvolver habilidades para a música, o que a auxilia no processo de desenvolvimento da comunicação oral. Para a aprendizagem auditiva, a educação musical dessas crianças é feita com o uso de aparelhos de amplificação sonora (AASI). As vibrações sonoras captadas através do tato também são importantes para que percebam os sons da fala. Os exercícios com o corpo auxiliam a percepção auditiva, propiciando a aquisição linguística.
O entendimento de que a musicoterapia seria uma “porta de entrada para o mundo do autista” foi o pilar para o estudo de Herdy e Carmo (2016). Nas sessões, a musicoterapeuta buscava utilizar instrumentos musicais, miniaturas de animais, desenhos e gestos corporais, sempre buscando colocar o contexto musical na realidade, mostrando que, ainda há comunicação mesmo sem o uso da linguagem verbal (PRESTES, 2008 apud HERDY; CARMO, 2016). Como resultado, os sujeitos passaram a iniciar a conversação, a esperar a sua vez de falar, a solicitar e nomear objetos, a realizar vocalizações articuladas com ênfase da língua e a fazer relatos do momento imediato e também de eventos passados.
Na monografia de Ferreira (2011), realizada no curso de Especialização em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão Escolar, o autor afirma que já existem muitas escolas trabalhando com a música. A prática musical é obtida nessas escolas através de aulas que preconizam a experimentação do som, fazendo com que cada aluno seja parte integrante da composição musical. No caso de alunos com deficiência auditiva, as sensações e as novas maneiras do fazer musical são realizadas através do sentir das notas vibrando, do tocar de instrumentos de percussão e da percepção de cada frequência, demonstrando que cada aluno é capaz de expressar-se de maneira mais eficaz usando a música como meio de comunicação e expressão dos sentimentos. Foi possível verificar que existe uma melhora significativa no desenvolvimento da linguagem oral e gestual dos alunos. (FERREIRA,2011).
Melo (2011) afirma que a música assume um papel não apenas de auxílio terapêutico ou de experiências lúdicas, mas sim o de um componente curricular que pode contribuir para a formação dos sujeitos. Dessa perspectiva, Granja (2006, p.103 apud MELO, 2011) nos diz que “a música é uma linguagem que permite a expressão singular dos valores e dos sentimentos de cada pessoa, de cada grupo social”. O estudo investigou a participação de um aluno cego da turma do curso de Licenciatura em Música, que perdeu a visão aos 33 anos. Ele teve que aprender o sistema Braille e se adaptar a atual situação, assim como enfrentar o seu primeiro e principal problema da graduação na disciplina Linguagem e Estruturação Musical, defrontando-se com a não acessibilidade física da matéria.
Com essa realidade, muito do aprendizado musical das pessoas com deficiência visual se dá a partir da: autoaprendizagem e da musicografia braile. No entanto, o aluno teve um dos seus direitos fundamentais feridos, pois a acessibilidade garante a comunicação e a informação a todos os deficientes, diferentemente do que presenciou em tal matéria.
Na pesquisa de Oliveira e Carvalho (2005), com deficientes visuais, foram realizadas atividades que objetivavam desenvolver e trabalhar aspectos como a memória auditiva e a estimulação da escuta por meio de discriminação de sons e músicas. A partir das atividades propostas, os integrantes demonstraram uma melhora na autoestima, na comunicação, na participação, no desenvolvimento das atividades, no pensamento crítico, enfim, no desenvolvimento global.
Paredes (2012), em seu estudo sobre indivíduos com transtorno do espectro do autismo pontua que a musicoterapia é um dispositivo eficaz quando se trata de fornecer um modo de expressão para o indivíduo autista, pois no estudo a musicoterapia promoveu a linguagem do tipo não-verbal entre os indivíduos.
Já em Sá (2007), observamos o debate acerca das propostas de educação musical para os surdos e da garantia da real consideração da cultura surda, através da implementação de estratégias de identificação num processo sócio- histórico autêntico, não comandado, no ensino da música. Nesse sentido, a autora discorre sobre a resistência em se usar educacionalmente a língua natural dos surdos, a Língua de Sinais Brasileira. A discussão passa pelo questionamento do uso de uma língua anti-natural quando se tem uma língua natural disponível.
Petrovisky, Cacchione e George (2015), concluem, sobre a intervenção musical nos sintomas de depressão em idosos com demência, que a musicoterapia é de extrema importância para a manutenção da comunicação e socialização deles, uma vez que o avanço da doença inibe o sujeito de várias formas. A intervenção musical estimula nesses idosos a comunicação não verbal, um substituto para a comunicação verbal perdida com o avanço dademência.
Erkkila et al. (2011), estudaram sujeitos com depressão leve e moderada a partir da intervenção com improvisação musical livre e puderam concluir que a musicoterapia possibilita expressões não verbais significativas, mesmo em situações onde o cliente não é capaz de expressar verbalmente suas experiências internas. Para alguns pacientes, as experiências não verbais da terapia os levaram a ter insights sobre aspectos de sua psicopatologia, como questões da infância, traumas e emoções simbolicamente associadas aos sintomas da depressão.
Conclui-se então que a música em si, assim como as atividades que envolvem sons e ritmos, e as terapias propriamente ditas, são importantes ferramentas potencializadoras do desenvolver da comunicação e da linguagem, seja ela qual for.
Na categoria II buscou-se analisar de que forma a família interfere na relação dos sujeitos com a música. Foi possível realizar os cruzamentos referentes às implicações da música em sujeitos deficientes visuais e auditivos.
Na pesquisa de Ferreira (2011), sobre o uso da música com deficientes auditivos, foi realizada a aplicação do questionário ao professor de música. Este atribui à família a valorização das atividades musicais desenvolvidas pela escola, uma vez que os pais percebem modificações significativas no desenvolvimento social, afetivo e intelectual do filho. O autor afirma que a parceria entre a escola e a família constitui um pilar importante na sustentação do processo de inclusão no meio musical, pois o estímulo que os alunos recebem em casa reflete positivamente na eficácia dos trabalhos desenvolvidos na escola.
Ochronowicz (2009) nos conta em seu filme “Sou surda e não sabia” a história de Sandrine, uma criança aparentemente “normal” que aos poucos vai descobrindo ser surda. Essa descoberta altera totalmente a sua relação com o mundo à sua volta e principalmente a sua relação com a família. Sandrine conta que sentiu que seus pais ficaram “diferentes” após saberem que ela era surda. A menina não entendia o que havia feito de errado para que eles a tratassem friamente, mas sentia que colocavam seu problema muito maior do que era na realidade. Como ela não escutava, não sabia o sentido que tinha o ouvir.
Sá (2007) alerta para a questão da razão pela qual os pais devem apresentar a música às crianças com deficiência auditiva. Estrutura as seguintes perguntas: “Por que querem que o surdo aprenda música? Por que a Educação Musical faz parte de um currículo para surdos?” (SÁ, 2007, p. 7) e alega que se as razões para este aprendizado não ficarem muito claras para os professores, para os pais, e, principalmente, para os surdos, continuaremos assistindo a uma resistência dos surdos para com tudo o que diz respeito à música, o que poderá ser uma pena, pois o conhecimento musical pode ser utilizado em prol do desenvolvimento dos surdos em inúmeras áreas.
Na revisão narrativa de literatura, realizada por Rodriguez et al, (2015), cita- se Oliveira (2013). Os resultados da pesquisa apontam para a questão da ausência da iniciação musical nas escolas, destacando, então, a importância do incentivo da família e da comunidade, além do engajamento do próprio aluno com deficiência visual, nos processos de formação musical.
Na pesquisa de Oliveira e Reily (2014), pôde-se observar que os depoimentos dos entrevistados ressaltaram a importância do apoio familiar para o desenvolvimento musical, que se inicia na infância do cego e perdura no decorrer da vida do sujeito, em seus estudos formais ou informais da música.
Conclui-se que a família é um importante pilar na construção e inserção do sujeito no ambiente musical, assim como sua permanência na mesma, propiciando muitos ganhos no que se refere ao seu poder terapêutico e reabilitacional.
A categoria VIII limita-se somente aos artigos pesquisados do subtema depressão. Percebe-se que os artigos em que a categoria é encontrada utilizam- se da musicoterapia como base de pesquisa, ou supõem a música como terapêutica, sem fundamentação teórica específica. No estudo de Erkkila et al (2011), por exemplo, o processo terapêutico presente nas sessões de musicoterapia torna-se mais compreensível na medida em que ocorre a análise dos sujeitos da pesquisa:
Para alguns clientes, as experiências não verbais da terapia os levaram a ter insights sobre aspectos de sua psicopatologia, como questões da infância, traumas e emoções simbolicamente associadas aos sintomas da depressão. O processo em si foi entendido, por muitos dos clientes, como catártico, pois uma propriedade única da musicoterapia é o fato de ela propor uma terapia ativa por parte, também, do paciente, e esta parece ser uma dimensão significativa para lidar com as questões associadas à depressão. (ERKKILA, et al, 2011.Tradução das pesquisadoras).
Segundo o DSM V (2013), os critérios de diagnósticos da doença são amplos e seus sintomas caracterizam um grande espectro, podendo-se destacar o humor deprimido, perda de interesse ou prazer, perda ou ganho excessivo de peso etc. Quando os artigos tratam da diminuição de sintomas - que consequentemente aumentam a possibilidade de cura do paciente - entende-se que a música atua em sintomas específicos e pontuais, não generalizados. A melhora do humor é um exemplo: Muszkat (2012) e Areias (2016) apontam que a liberação de neurotoxinas e neurotransmissores, como a serotonina e dopamina, são importantes na manutenção dos dois principais sintomas da psicopatologia - perda de prazer e humor deprimido - uma vez que estão quimicamente relacionados. Segundo os autores, a música estimula a liberação de serotonina no cérebro, melhorando a comunicação entre os neurônios e aumentando o humor do sujeito; já a sensação de prazer é aumentada quando se ouve as músicas chamadas ‘prazerosas’ que estimulam a liberação de dopamina no cérebro.
As contribuições de base biológica também passam por outro aspecto da depressão. Segundo Verrusio et al, (2014), nesta patologia o empobrecimento neuronal em determinadas áreas cerebrais pode ser uma característica agravante e que pode ser evitada com o uso da música, uma vez que a exposição ao som aumenta a neurogênese no hipocampo - onde a perda de neurônios ou regeneração insuficiente é marca dos distúrbios de humor.
Pode-se concluir, portanto, que os resultados encontrados nas pesquisas sobre música, musicoterapia e depressão tendem a apontar a diminuição dos sintomas do transtorno, sejam os principais ou secundários, bem como a melhora progressiva do paciente.
Qualidade de vida pode ser definido como a “percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (BOWLING, BRAZIER, 2000), podendo, portanto, variar de acordo com a cultura da pessoa, e irá variar de pessoa para pessoa, dependendo de seus objetivos e suas expectativas.
Sendo a música uma possibilidade de acesso à comunicação do indivíduo autista, esta também pode promover bem-estar ao paciente, buscando neutralizar uma parte dos prejuízos desenvolvimentais que tais indivíduos apresentam (AMBRÓS, 2016 apud HERDY; CARMO, 2016). Ela também se faz como uma atividade cujo objetivo é o próprio indivíduo, e o importante é fazê-lo participar; não há cobrança para que a atividade seja realizada de modo perfeito; a expressão do indivíduo é respeitada do jeito que emergir, a sua ação é valorizada, e assim, através dos sentimentos de realização, o indivíduo desenvolve sua autoestima (VERGA,2017).
Com idosos institucionalizados, a música serviu como ferramenta para melhorar a relação que tinham consigo mesmos, estimulando o autocuidado e melhorando o bem-estar que sentiam, inclusive fora dos momentos de intervenção (MACENA et al, 2016).
A música pode melhorar a qualidade de vida do sujeito na medida em que melhora sua saúde. Areias (2016) defende que, em pacientes com dor crônica, a música pode melhorar sua qualidade de vida e diminuir a sensação de dor, uma vez que os receptores cerebrais da dor enviam sinais para o cérebro e, é possível que a música bloqueie a percepção dolorosa ao atuar nesses receptores e neurotransmissores. O efeito pretendido quando se apresenta música ao doente é essencialmente melhorar o seu humor, alterando o limiar da dor, utilizando a distração e o relaxamento.
Os índices de depressão de pacientes que são sujeitos à hemodiálise são elevados em relação à população em geral, e os sintomas depressivos tendem a afetar a qualidade de vida desses indivíduos. Após a intervenção, comparando-se o antes e depois de testes/escalas de depressão e qualidade de vida, não só os índices de qualidade de vida subiram, mas também os de depressão diminuíram, indicando a comorbidade que o autor defende (HAGEMAN, 2015).
A música e a dança podem ser propiciadoras de prazer aos deficientes visuais. Por meio da música, tais indivíduos podem tornar-se melhores versões de si, superando todo e qualquer desafio, lutando pelo seu bem-estar e sua felicidade, além de também poderem se sentir parte do todo (PERALTA,2016).
Segundo Haguiara-Cervellini (1999) “experiências musicais gratificantes, na infância, podem ser a pedra inaugural para o ser musical do surdo e constituir-se em elemento inestimável para a sua formação, o desenvolvimento de sua sensibilidade e uma vida mais saudável e feliz” (p. 266) Desta forma, a autora registra a importância de se propiciar a música de forma lúdica e prazerosa, para que a criança possa se apropriar dela sem reservas.
Conclui-se que a música é uma importante ferramenta terapêutica ao se considerar a melhora apresentada pelos pacientes nas pesquisas citadas, além de corroborar para a manutenção e constância da saúde dos indivíduos.
O levantamento e análise dos estudos aqui citados permitem sublinhar questões de relevância. A escassez de produções da área de psicologia deve ser salientada, uma vez que a procedência de boa parte das pesquisas era das áreas de educação, neurociência e musicoterapia. O subtema depressão foi o único que apresentou pesquisas de psicologia, majoritariamente.
Compreendeu-se que a música é uma ferramenta poderosa de desenvolvimento humano, que evidencia potencialidades, auxilia no aprimoramento de funções e atividades diárias, estimula o contato com sentimentos, afetos e emoções. As intervenções oportunizaram bem-estar aos sujeitos que delas participaram. Sentimentos de conforto, segurança, saúde e prazer foram percebidos no âmbito social, psicológico e físico.
A ausência de referências à família ou eventuais citações sobre a importância do aparato familiar junto aos sujeitos com TEA ou com depressão mostrou-se significativa. A categoria “Contribuições da Família” contou apenas com artigos/estudos de deficiência auditiva e visual e concluiu que a família é um importante pilar na construção dos sujeitos no ambiente musical, assim como sua permanência na mesma, propiciando muitos ganhos no que se refere ao seu poder terapêutico e reabilitacional.
No que se refere ao subtema depressão, a música mostrou-se contribuinte para a melhora do paciente, diminuindo os sintomas da patologia utilizando-se de mecanismos como a viabilização de contato social, o resgate de sentimentos positivos, a ativação do prazer biológico e a melhora na qualidade de vida do sujeito.
Já em relação ao subtema Transtorno do Espectro do Autismo, a música mostrouse como elemento fundamental no tratamento, beneficiando os indivíduos em diversos graus e diversas áreas, como habilidades sociais e comunicação, promovendo melhoras em áreas que comumente encontram-se mais prejudicadas.
No caso dos subtemas relacionados a deficiência visual e deficiência auditiva, observou-se que existe muita literatura que discute a maneira e o momento no qual ocorre o contato dos deficientes com a música. Foram encontradas pesquisas referentes aos processos de ensino e aprendizagem da música e assim, foi possível analisar as implicações que esta acarreta aos alunos, tais como: ampliação de habilidades sociais, comunicação e linguagem, bem-estar e autoconhecimento. Nota-se que existe um déficit de pesquisa e investimento na área da psicologia a respeito da música como ferramenta terapêutica para o público que possui tais deficiências (visual e/ou auditiva).
A partir desses achados, é recomendável que o tema seja estudado por estudantes/profissionais da psicologia, dada a importância do conteúdo para esta área de conhecimento. Dando continuidade a esta pesquisa, sugere-se a possibilidade de pesquisas de campo voltadas para o uso da música na prática terapêutica, visto seu grande poder reabilitacional.
BIM, B. et al. MÚSICA NOS PROCESSOS TERAPÊUTICOS E/ OU REABILITACIONAIS: ANÁLISE DE SEUS PRINCÍPIOS, PRÁTICAS E BENEFÍCIOS. O Comportamento Humano em Busca de um Sentido, cap. 2, p.12- 23, 2019.
RESUMO: A história do pensamento musical se aproxima de outras áreas de estudos como a filosofia e a ciência (TOMÀS, 2002). O repertório musical historicamente acumulado pela humanidade contém dados relativos a diferentes momentos da sua história espiritual, social, econômica e política (CUNHA; ARRUDA; SILVA, 2010). Sob um olhar mais amplo do que seria o som, podemos entender que os seres vivos se desenvolvem neste mundo imersos em um campo energético que se expressa, no plano concreto, sob formas diversas. Uma das formas de expressividade desta energia constitui-se nos sons em que este planeta se encontra mergulhado. Como se sabe, estes sons podem se apresentar quer na forma de ruídos, quer de sons melódicos, consonantes ou dissonantes, audíveis ou não audíveis (ultra e infrassons) (KAIRALLA; SMITH, 2013). Desta forma, este estudo teórico, de revisão de literatura, teve como objetivo realizar uma análise de estudos sobre o uso das terapias vibracionais e da música em paralelo às psicoterapias no processo terapêutico, seus princípios, práticas e benefícios, com o intuito de explorar conteúdos não contemplados na graduação, assim como articular com áreas do conhecimento como Medicina e Psiquiatria e gerar informações que possam contribuir para a melhor compreensão acerca das terapias vibracionais de forma a propor e/ou questionar seu uso nas práticas psicoterapêuticas, em intervenções que visam à promoção de saúde e bem estar. Obteve-se como resultado que há uma escassez de pesquisa importante na área de psicologia, fazendo-se necessário o investimento de produções científicas; o entendimento do som como ferramenta poderosa de desenvolvimento humano, pois evidencia potencialidades do sujeito, auxilia-o no aprimoramento de funções e atividades físicas, intelectuais, emocionais; estimula o contato com sentimentos, afetos e emoções; acelera e potencializa o processo de cura; propicia bem-estar, qualidade de vida e transformação interpessoal; sugere-se que se implemente as práticas vibracionais dentro do tratamento psicoterápico como forma de trazer benefícios ao seu exercício e aconselha-se que o tema seja estudado por estudantes/profissionais da psicologia, dada a sua importância para este campo de pesquisa.
O tema norteador da pesquisa é o papel da música e dos processos vibracionais do som como importância fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, tendo estes o poder de atuar no mundo de cada ser, seja ele deficiente, com patologias diversas, sintomas psicológicos, doentes ou sãos, junto à psicoterapia.
Muito do conteúdo apresentado são obras de revisão de literatura que citam autores originais de difícil acesso, por isso citações com apud serão encontrados ao longo do texto de forma constante.
A história do pensamento musical se aproxima de outras áreas de estudos históricos como a filosofia e a ciência. A música possui uma íntima relação com vários aspectos da atividade humana, o que torna difícil isolá-la e a defini-la segundo uma única área do pensamento (TOMÀS, 2002 apud CUNHA; ARRUDA; SILVA, 2010).
Há quase trinta séculos a humanidade, ao buscar soluções para os desafios que se apresentam no cotidiano, faz uso dos recursos materiais e humanos do seu meio para facilitar ou favorecer sua sobrevivência. Neste sentido, a arte, por estar presente nas atividades laborais, ou nas manifestações místicas, faz parte do desenvolvimento cultural humano (CUNHA; ARRUDA; SILVA, 2010). O repertório musical historicamente acumulado pela humanidade contém dados relativos a diferentes momentos da sua história espiritual, social, econômica e política.
A arte refletiu - ou mesmo antecipou - mudanças sociais, políticas e ideológicas: entre essas últimas, as formas de se compreender e situar o indivíduo social e culturalmente. A expressão da musicalidade parece estar atrelada a fatos concretos. Nesse sentido, entende-se que a música vivenciada no dia-a-dia contribui para a constituição da subjetividade das pessoas. Dessa maneira, essas sonoridades podem ser consideradas como elementos psicossociais e terapêuticos, uma vez que possibilitam a expressão e interpretação da realidade interna de pessoas, do ponto de vista individual e coletivo (CUNHA; ARRUDA; SILVA, 2010).
Pensando no seu potencial terapêutico, a musicoterapia propriamente dita teve sua prática sistematizada após a Segunda Guerra Mundial, se estabelecendo como ciência e adentrando diferentes campos de atuação. Em seu histórico encontramos, segundo Leinig (1977), tradicionalmente uma parceria com as pesquisas médicas e hospitalares, influenciando o tipo de prática e o tipo de pesquisa que a partir dali se desenharam. Sendo uma ciência recente, a musicoterapia buscou, historicamente, possibilidades de fundamentação partindo do modelo médico-biologicista e nas linhas da Psicologia, Psicanálise, Psicologia Comportamental e Psicologia Humanista, o que muitas vezes provocou confusões teóricas, que vinham se refletir em sua própria prática. Foram buscas importantes que orientaram o modo de ver e conceber o homem, a música e a saúde, na prática da musicoterapia. No entanto, percebe-se que este caminho de fundamentação e esclarecimento teórico deve ser coerente, para uma melhor definição e estruturação dos conhecimentos musicoterápicos (WAZLAWICK, CAMARGO, MAHEIRIE, 2007).
Estes aspectos levaram a conceber a ideia de que a musicoterapia é transdisciplinar por natureza, ou seja, é uma ciência híbrida. O musicoterapeuta norte americano, Ph.D. Kenneth Bruscia (2000), diz que “a musicoterapia não é uma disciplina isolada e singular claramente definida e com fronteiras imutáveis. Ao contrário, ela é uma combinação dinâmica de muitas disciplinas em torno de duas áreas: música e terapia” (p.8).
Temos observado ao longo da história da humanidade e da própria área da saúde a utilização da música como recurso terapêutico em diversas situações (MCCLELLAN, 1994 apud LEÃO; SILVA, 2004). Na Enfermagem, por exemplo, sua utilização com finalidade terapêutica se iniciou com Florence Nightingale (NIGHTINGALE, 1989 apud LEÃO; SILVA, 2004), seguida, anos mais tarde, por Isa Maud Ilsen e Harryet Seymor no cuidado aos feridos das I e II Guerras Mundiais (DAVIS; GFELLER; THAUT, 1992 apud LEÃO; SILVA, 2004). Tendo em vista, principalmente, a redução do estresse e ansiedade, passou a ser utilizada em diversas situações clínicas e no controle da dor (MCCAFFERY; BEEBE, 1989 apud LEÃO; SILVA, 2004).
Podemos parar para analisar a utilização das imagens mentais, produzidas quando se escuta uma música, como sendo descrita desde a medicina primitiva da China, do Egito e da Índia, estabelecendo um elo de comunicação entre a percepção, a emoção e a mudança corporal no controle da dor. Assim sendo, a imaginação tem sido discutida como meio de alterar o foco perceptual da dor (MCCAFFERY; BEEBE, 1989 apud LEÃO; SILVA, 2004). Indivíduos com dores crônicas têm a experiência dolorosa como foco central de sua atenção, e a utilização de imagens pode favorecer um deslocamento atencional com resultados terapêuticos.
A capacidade da música de influenciar o estado emocional do indivíduo se deve ao fato dela produzir reações fisiológicas cuja magnitude parece depender do conteúdo emocional. Portanto, a percepção musical envolve muitas variáveis, muitas áreas encefálicas e é capaz de influenciar o corpo todo através das reações emocionais e fisiológicas (CARTER, 2009 apud WEIGSDING; BARBOSA, 2014). O som, por si só, é caracterizado como uma onda sonora mecânica percebida pelo sentido da audição devido a suas características musicais: timbre (amplitude), altura (frequência) e intensidade. O timbre é uma característica sonora que permite distinguir sons que possuem mesma frequência, porém são emitidos de fontes diferentes, por exemplo, ao tocar a mesma nota em dois instrumentos diferentes, o som produzido tem a mesma altura (frequência), mas mesmo assim, é possível distinguir o som de cada instrumento porque o timbre (determinado pela forma de onda emitida) é diferente para cada um. A intensidade é a característica que distingue sons fortes e fracos. Ela depende da amplitude das vibrações que as partículas de ar realizam sobre suas posições de equilíbrio enquanto um som se propaga, portanto quanto maior a frequência, mais agudo é o som e vice-versa. Esta unidade é medida em Hertz (Hz) (NISHIDA, 2007 apud WEIGSDING; BARBOSA, 2014).
Sob um olhar mais amplo do que seria então o som, podemos entender que os seres vivos, particularmente o ser humano, se desenvolvem neste mundo imersos num campo energético que se expressa, no plano concreto, sob formas diversas. A física, a partir de Einstein e seus colegas contemporâneos, já comprovou que mesmo a matéria sólida (massa) é, na verdade, energia condensada. Uma das formas de expressividade desta energia constitui-se nos sons em que este planeta se encontra mergulhado. Como se sabe, estes sons podem se apresentar quer na forma de ruídos, quer de sons melódicos, consonantes ou dissonantes, audíveis ou não audíveis (ultra e infrassons), estes últimos podendo ser confundidos com o silêncio no caso do registro apenas do ouvido humano (KAIRALLA; SMITH, 2013, p. 24).
Bang (1991) destaca que “consciente ou inconscientemente tomamos conhecimento dos sons que nos cercam, desde o nascimento” (p.24). Na verdade, já desde sua gestação no útero, a criança é sensível a movimentos, ruídos, sons, ritmos, etc. (SPITZ, 2004; ILARI, B.S., 2006 apud KAIRALLA; SMITH, 2013), antes mesmo que possa vislumbrar a luz e os demais campos eletromagnéticos.
Outra forma de compreender o som é pensar que o indivíduo nunca consegue a interrupção completa da percepção do som enquanto mantém sua consciência vigil. Isto porque as ondas sonoras produzidas por uma fonte vibratória sonora e transmitidas pelo ar podem nos alcançar pelos ouvidos, mas também pela pele e pelos ossos e, a partir destes órgãos sensoriais, alcançar o Sistema Nervoso Central humano (SNC) e se tornarem perceptíveis (RUUD,1991 apud KAIRALLA; SMITH, 2013).
Numa abordagem terapêutica, tratar alguém implica na necessidade de uma intervenção externa quando o paciente não está conseguindo superar por si só suas patologias física, psíquica ou espiritual. Curas espontâneas não podem ser qualificadas como terapia. Por outro lado, terapia não é definida pelo resultado, isto é, se se alcançou a cura ou não. Se houve intervenção externa, já se constituiu um processo terapêutico, seja qual tenha sido o resultado (BRUSCIA, 2000).
Bruscia (1987) fez uma distinção importante entre “música como terapia e música na terapia”: na música como terapia, ela exerce uma influência direta sobre o paciente e sua saúde, atuando como agente primário na mudança de sua condição clínica, ficando o terapeuta num plano secundário. Quanto à música na terapia, a música é utilizada em suas propriedades terapêuticas, mas para intensificar os efeitos da relação terapeuta-paciente e para reforçar a argumentação verbal, ficando a música num plano secundário, complementar às intervenções do terapeuta.
Atualmente, observam-se algumas discordâncias entre a Medicina denominada Clássica (ciência mais utilizada no ocidente) e a Medicina Holística (amplamente utilizada no oriente), como se fossem ciências excludentes. No entanto, a história mostra que ambas são frutos de um mesmo processo e buscam o mesmo objetivo – curar ou amenizar os males da humanidade que se diferenciam pelos contextos histórico, cultural e ideológico, nos quais estão inseridas. A medicina holística é muito mais uma redescoberta do passado do que uma abordagem inovadora. Logo, pode perfeitamente caminhar junto à medicina oficial (BARBOSA et al, 2004; QUEIROZ, 1991 apud FONSECA; BARBOSA; SILVA, 2009).
As técnicas de “xamanismo”, por exemplo. Temos o termo “xamã” como sendo um construto social que descreve uma pessoa que atende às necessidades psicológicas e espirituais de uma comunidade (KRIPPNER, 2000 apud KRIPPNER, 2007). Os xamãs foram os primeiros psicoterapeutas, primeiros médicos, primeiros mágicos, primeiros artistas performáticos, primeiros contadores de histórias e até mesmo os primeiros previsores do tempo da humanidade (RYAN, 1999 apud KRIPPNER, 2007).
Em relação às práticas de cura, xamãs, psicólogos e psiquiatras demonstram mais similaridades do que diferenças. Há métodos xamânicos que se assemelham muito às contemporâneas terapia comportamental, hipnoterapia, terapias familiar e comunitária, farmacoterapia, psicodrama e interpretação dos sonhos. Como resultado dessas similaridades, o estudo psicológico do xamanismo tem algo importante para oferecer à neurociência cognitiva, à psicologia social, à psicoterapia e à psicologia ecológica (KRIPPNER, 2007).
Essas discordâncias se tornam contraditórias se pararmos para analisar o paradigma einsteiniano, quando aplicado à medicina vibracional. Neste caso, vê-se os seres humanos como redes de complexos campos de energia em contato com os sistemas físico e celular. Ele utiliza formas específicas de energia para atuar de forma eficaz sobre o sistema energético que possa estar desequilibrado no organismo, delineando a doença orgânica. A medicina ocidental considera essa natureza eletromagnética do ser humano e dos animais (em sua natureza ondulatória) em sua prática cotidiana como, por exemplo, no uso da radiologia diagnóstica (RX, Tomografia Computadoriza, Ressonância Magnética, PET-Scan, etc,) e terapêutica (na oncologia, para tratamento de cânceres), os Estimuladores Transcutâneos para alívio da dor e as “correntes de lesão” utilizadas para a consolidação de fraturas ósseas na ortopedia (GERBER, 1988 apud KAIRALLA; SMITH, 2013).
As terapias do som são exemplos de terapias que entram nas práticas da Medicina Holística e que muito são questionadas. A terapia vibroacústica, por exemplo, é uma delas. As primeiras pesquisas conhecidas e publicadas sobre a aplicação da terapia vibroacústica somada à música como método terapêutico foram realizadas em 1980 na Noruega. O método ficou conhecido como „banho musical‟ e „massagem de sons de baixa frequência‟ (SKILLE; WIGRAM, 1995 apud CARRER, 2007). Neste processo o corpo recebe um banho de música e vibração sonora. Exemplos de sua eficácia são exploradas por Skille (1991) com crianças seriamente comprometidas em suas funções. Ele experimentou e documentou suas descobertas em vários trabalhos publicados, sendo que o mais importante é seu „Manual of Vibroacoustic Therapy (VAT)‟ [„Manual de Terapia Vibroacústica‟], de 1991. O pesquisador descobriu que a terapia vibroacústica aliada à música trazia benefícios para uma variedade de condições médicas e de sintomas que incluem asma, autismo, fibrose cística, disfunções cerebrais antes ou durante o nascimento, constipação, insônia, dor e mal de Parkinson. Os efeitos da terapia, descritos por Skille, foram divididos em três áreas principais: efeitos relaxantes e espasmolíticos (Redutores de espasmos); aumento da circulação sanguínea corporal; e efeitos positivos no sistema vegetativo (SKILLE, 1991 apud CARRER, 2007).
A musicoterapia receptiva, segundo Bruscia, apresenta, através da „escuta somática‟ com seus subtipos, a utilização de vibrações sonoras, sons e música combinados para a promoção do bem estar através do relaxamento e da analgesia musical (BRUSCIA, 2000 apud CARRER, 2007). Entre seus subtipos está a „música vibroacústica‟, que como nos conceitos formulados por Skille e Wigram (2007), se utiliza dos efeitos das ondas sonoras de baixa frequência combinadas com música ansiolítica e analgésica ou relaxante, para promover a diminuição da dor e da ansiedade, além de estimular o sistema nervoso autônomo. Sendo assim, os principais objetivos terapêuticos das experiências receptivas em musicoterapia são: promover a receptividade, evocar respostas corporais específicas, estimular ou relaxar, desenvolver habilidades áudio-motoras, evocar estados e experiências afetivas, explorar ideias e pensamentos, facilitar a memória, as reminiscências e as regressões, evocar fantasias e a imaginação, estabelecer uma conexão entre o ouvinte e o grupo comunitário ou sócio cultural, estimular experiências espirituais (BRUSCIA, 2000 apud CARRER, 2007).
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BIM, Barbara de Souza. Psicoterapia e as terapias vibracionais, uma revisão de literatura. 2020. Trabalho de Conclusão de Curso - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde.
RESUMO: O atual trabalho apresenta a experiência de estágio de Bárbara Bim na Associação Beneficente “A Mão Branca” de Amparo aos Idosos realizada no segundo semestre de 2018, cuja vivência consistiu na observação de uma roda de canto realizada por um músico voluntário no equipamento, com o objetivo principal de identificar fenômenos psicológicos para então delimitar estratégias de atuação na realidade observada com a apresentação de uma proposta de intervenção elaborada pela própria aluna que será entregue no equipamento em que foi realizado o estágio. Os encontros aconteceram semanalmente, com duração de uma hora e meia, durante doze semanas. Participaram do grupo cerca de 10 idosos com idades variadas de 75 a 98 anos, de ambos os sexos. Durante os encontros foi observado que a música é uma poderosa ferramenta estimuladora de bem estar, memórias afetivas, cognição e qualidade de vida.
A partir do estágio realizado despertou-se a curiosidade na acerca da música ser um disparador da lembrança de memória afetiva nos idosos além da qualidade de vida que a mesma pode vir a proporcionar. Assim sendo, foi levantado algumas bibliografias e literaturas ao longo do semestre que buscaram afirmar ou corroborar para a seguinte hipótese: A música, tendo seu potencial terapêutico, contribui com associação de memórias afetivas dos sujeitos? Permite a ressignificação e traz bem estar?
Encontrou-se que, o campo transferencial no qual paciente e terapeuta encontram-se implicados, no caso da musica como terapia e prática clínica, trazem pela via da sensibilidade e do afeto, e principalmente pelo sonoro, possibilidades de construção de sentidos e de novas memórias para estas experiências. No artigo de Pedrosa e Gondar, as autoras trazem a leitura dos efeitos da música na subjetividade de Nietzsche como ocupando uma importância central ao demonstrar a natureza não-linguística da música, pois o sonoro musical não expressa ideias, mas apenas sons, que podem adquirir variados sentidos. Para o autor, a música não representa nada, mas acessa o âmago da experiência humana, podendo servir diretamente como fonte de sentidos. Logo, música e transferência encontram-se entrelaçadas e indissociadas, mobilizando afetos e trazendo à tona experiências que estão em vias de adquirirem sentido. (PEDROSA; GONDAR, 2015, p. 87-88)
Entende-se que, quando uma experiência afeta o sujeito, quanto maior o choque, mais intensamente esta memória será forjada. Seja através do contato com uma história, um lugar, uma imagem, um cheiro, uma música, dentre tantas outras variadas formas de conexão e de relação estabelecidas com pessoas e objetos do mundo. A produção subjetiva ocorre, portanto, no decorrer da vida, como um processo inacabado, sempre em vias de se fazer. Ao deslocar, no entanto, a atenção para o campo da clínica, estas mesmas forças e embates presentes na vida se intensificam, pois a relação transferencial convoca afetos, mobiliza memórias e promove a repetição de lembranças do passado, trazendo à cena a oportunidade daquela memória ser experienciada de um modo diferente (REIS, 2004, p.89 apud PEDROSA; GONDAR, 2015, p. 94- 95).
Desta forma, pode-se discutir um pouco sobre os benefícios e a qualidade de vida que a musica pode trazer aos sujeitos, independentemente de sua faixa etária.
Moreno (1977) aponta em seu livro “Psicomusica y Sociodrama” o poder de transformação ativa que a música pode exercer sobre o homem e sua vida cotidiana. O autor preconiza em sua teoria psicomusical que, num primeiro passo da terapia musical se retorne a procedimentos mais primitivos, que provavelmente funcionaram nos começos da experiência musical do paciente que sofre algum tipo de desordem psíquica, como uma neurose de execução, por exemplo. Esse retorno visa à atuação espontânea, em vez de se ater aos estereótipos profissionais instalados e cristalizados. Assim, a perda da espontaneidade, a ansiedade, o pânico que afetam o músico no 3 momento da execução, podem ser tratados com a psicomúsica, chegando-se a resultados terapêuticos promissores.
No cérebro, dividido em dois hemisférios, o direito tem sido identificado como o lugar de apreciação musical. Contudo, não tendo ainda sido identificado um centro musical, parece provável que a identificação da música emerge da atividade conjunta dos dois hemisférios. Acresce que o córtex frontal, onde as memórias são arquivadas, tem também um papel activo na apreciação da melodia, sobretudo do ritmo. Interessante constatar que experiências feitas com música de Mozart mostraram uma ativação de ambos os hemisférios, com reflexo numa maior aprendizagem e retenção informativa. Outras experiências, efetuadas com monitorização da pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória e velocidade de fluxo sanguíneo na artéria cerebral média, mostraram que nos crescendos vocais ou orquestrais havia vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, em contraste com a vasodilatação e diminuição da pressão sistémica constatadas na altura em que a música era mais uniforme ou suave. (AREIAS, 2016, p. 7-8)
Muito se tem investigado em relação ao funcionamento do cérebro, sabendo-se que nenhum sistema funciona isolado de outros, pensando-se que em lugar de haver centros diferentes no hemisfério direito e esquerdo, haverá zonas superiores e inferiores em ambos os hemisférios, contribuindo todas para as diferentes execuções no ser humano. Assim, parece claro que a música é transformadora e capaz de criar estados psíquicos e físicos diferentes no ser humano. É uma forma de expressar emoções e sentimentos em campos tão diferentes como podem ser o social, económico, ambiental ou religioso. (AREIAS, 2016, p. 8)
Pensando-se no publico da terceira idade, encontra-se um artigo no qual as autoras alegam ser possível observar que hoje já existe um grande avanço do uso de práticas integrativas e complementares no tratamento de reabilitação na saúde da população idosa, dentre elas: meditações, yoga, hidroginástica, massagens, acupuntura e música. Ações estas que trazem grandes benefícios à saúde do individuo, contribuindo de forma positiva na promoção da saúde. (BRASIL, 2008, p. 30-34 apud GOMES; AMARAL, 2012)
Salientando uma das terapias integrativas e complementares mais usadas na atualidade, destaca-se a música como um recurso para realização de ações de promoção e prevenção. Na área da geriatria e gerontologia, o uso da música vem se sobressaindo por proporcionar efeitos significativos nas esferas psicoemocionais, físicas e sociais destas pessoas, repercutindo na melhora da autoestima e da sociabilização. (GOMES; AMARAL, 2012, p. 105)
As autoras buscaram analisar os efeitos da utilização da música para idosos que incidiram 4 a partir de inquietações, experiências e vivências no decorrer do curso de Enfermagem. Isto através de estudos, discussões, atividades desenvolvidas e observadas por meio de relatos de idosos sobre o uso da música. Obteve-se como resultado da revisão bibliográfica a divisão em duas fases, Na primeira foi apresentado o perfil dos artigos publicados e selecionados. Enquanto, que na segunda fase foi realizada uma análise das ideias centrais dos mesmos. Para tanto, classificou-se os estudos em duas categorias denominadas de: “Terapia musical como melhoria na qualidade de vida „física‟” e “Terapia musical como melhoria da qualidade de vida psíquicaautoestima”.
Desta forma, a música sendo utilizada como prática terapêutica pode proporcionar grandes benefícios aos idosos, nos centros e instituições de longa ou curta permanência.
Já se sabe que a música sempre esteve presente na vida do homem, desde os seus primórdios mais longínquos, fazendo parte integrante e de forma relevante de sua existência, seja nos momentos e nas situações de alegria ou tristeza, dor ou saúde, paz ou guerra, presentificando-se nas situações festivas, guerreiras, fúnebres, religiosas e mágicas. (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003)
Sendo uma ciência recente, a Musicoterapia buscou, historicamente, possibilidades de fundamentação partindo do modelo médico-biologicista e nas linhas da Psicologia - Psicanálise, Psicologia Comportamental e Psicologia Humanista -, o que muitas vezes provocou confusões teóricas, que vinham se refletir em sua própria prática. Foram buscas importantes que orientaram o modo de ver e conceber o homem, a música e a saúde, na prática da musicoterapia. No entanto, percebe-se que este caminho de fundamentação e esclarecimento teórico deve ser coerente, para uma melhor definição e estruturação dos conhecimentos musicoterápicos (WAZLAWICK;CAMARGO; MAHEIRIE, 2007).
Estes aspectos levaram a conceber a ideia de que a Musicoterapia é transdisciplinar por natureza, ou seja, é uma ciência híbrida. O musicoterapeuta norte americano, Ph.D. Kenneth Bruscia (2000), diz que “a musicoterapia não é uma disciplina isolada e singular claramente definida e com fronteiras imutáveis. Ao contrário, ela é uma combinação dinâmica de muitas disciplinas em torno de duas áreas: música e terapia” (p.8 apud WAZLAWICK;CAMARGO;MAHEIRIE, 2007, p. 106).
A atuação da musicoterapia inclui o encontro entre o profissional musicoterapeuta, as pessoas que se dispõem à experiência e a prática musical, sendo que o objetivo da ação é sempre a potencialização dos participantes. Em musicoterapia, o processo criativo musical, e não somente o produto final criado, por ser experiência sensível e estética, pode (re)criar modos de relação, de pensamento, de ação, ou seja, de viver. Quando se cria, musicalmente, aspectos cognitivos, culturais, corporais e afetivos, estes são experienciados e tais ações desdobram 5 -se para o campo do cotidiano, escoando para aspectos outros da vida dos participantes. É nesse sentido que se propõe pensar a potencialização dos sujeitos, como o aumento das possibilidades criativas de existência, mediados pelo fazer musical. (ARNDT;CUNHA;VOLPI, 2016).
A partir disso pode-se pensar sobre o poder de reabilitação que a musicoterapia traz, sendo instrumento para diversos tratamentos psicológicos, uma vez que ela pode reconstruir identidades, integrar pessoas, reduzir a ansiedade e proporcionar a construção de autoestima. Tem um poder ilimitado frente aos seres vivos, causando-lhes diversos sentimentos, como rir, chorar, aprender, sonhar. Conforme Gohn (apud Ravelli, 2005), “a música tem poderes para acalmar ou exaltar, alegrar ou entristecer, diminuir a dor ou trazê-la de volta, fazer lembrar ou fazer esquecer” (p. 178).
Uma das maiores experiências teve lugar no final da segunda grande guerra, quando foi pedido a vários músicos que tocassem em hospitais, como forma de tratamento e acalmia dos feridos. Esta atitude teve resultados tão positivos que as autoridades americanas resolveram profissionalizar pessoas com o intuito de recorrer à música como forma de terapia. Foi então criado o primeiro curso de musicoterapia, em 1944, na Universidade Estadual de Michigan. (AREIAS, 2016, p. 7)
Surgiu também na experiência de estágio a questão do potencial da música em relação à estimulação da memória, do pensamento e da cognição, uma vez que apareceram aspectos mais gerais sobre as canções e não questões pessoais, de memórias afetivas, buscando investigar possíveis associações desta com a pergunta inicial.
Encontrou-se que as literaturas relatam que o aumento do tratamento com música na terceira idade estimula, além do prazer de cantar, tocar, improvisar, criar e recriar musicalmente, o redescobrir das canções que fizeram e fazem parte da sua vida sonoro-musical. As pesquisas mostram que estes tratamentos auxiliam diretamente no resgate da identidade sonora do cliente, tendo por consequência a elevação do seu amor próprio e autoconfiança. Com esta população este tratamento vem se mostrando de grande importância, no que se refere aos resgates de memória, como tratamento coadjuvante de valor reconhecido mundialmente, já que sua eficácia na manutenção das funções cognitivas, elevação da autoestima e sociabilização. (apud SOUZA, 2005; GOMES, AMARAL, 2012)
Na terceira idade, a música representa uma terapia auto-expressiva e de grande atuação nas funções cognitivas, a qual pode ser estimulada pelo canal sonoro-musical, onde as instâncias psíquicas muitas vezes não poderão alcançar as palavras. Ou seja, em instâncias mentais nas quais a linguagem verbal, devido ao acometimento por doenças e deficiências, já não intervém com grande poder de penetração. (apud CÔRTE, 2009; GOMES, AMARAL, 2012)
A música, a psicologia e as neurociências, são distintas áreas de conhecimento, porém, 6 que tem muitas contribuições umas as outras, a função destas ciências é possível, mas nenhuma delas pode perder sua identidade.
As praticas humanas hoje são passiveis de analise através dos exames de neuroimagem, pois é possível analisar que áreas estão ativadas quando vivenciamos determinada situação, quando criamos uma musicam ou quando ouvimos, porem, o ser humano é complexo e tem de ser analisado com um todo, se este for fragmentado teremos uma visão reducionista que não agrega muitos conhecimentos. É notável que emoção e música são indissociáveis, porem, é impossível dizer se musica gera emoção ou emoção gera música, sabe-se que a musica causa reações cerebrais, tanto quanto ouvida, tanto quando composta e que para se alcançar a expertise musical muitas estruturas cognitivas são utilizadas. (SANTOS; PARRA, 2015)
Outro trabalho interessante levantado, intitulado “Os efeitos da música em idosos com doença de Alzheimer de uma instituição de longa permanência”, apresenta a pesquisa qualitativa descritiva exploratória em uma Instituição de Longa Permanência de Idosos que contou com a participação de um grupo de 80% do sexo masculino e 20% do sexo feminino, com faixa etária entre 70 e 90 anos de idade. Como resultado foi possível observar que em todas as sessões de música percebeu-se que alguns dos idosos sempre se remetiam às lembranças do passado, reviveram emoções e evocaram lembranças ligadas a história da vida pessoal e familiar. Através do uso da música foi possível presenciar no grupo estudado o resgate de memórias remotas, relacionadas aos vínculos familiares e ao relacionamento conjugal que construíram ao longo das suas vidas. (ALBUQUERQUE et al., 2012)
Compreendeu-se que a música proporcionou o estabelecimento de um contato dos idosos com estes lugares por meio do resgate de memórias. Nas sessões musicais eram transportados para outras épocas de suas vidas. Sendo assim, a música caracterizou-se como elemento evocador de lugares relacionados à sua escuta. Nos idosos investigados percebeu-se que a música se fez presente e acessou suas memórias de maneira que os mesmos reproduziram a canção de forma parcial ou na íntegra, os permitiu relatar trechos de suas vidas. Essas memórias da vida de cada um, que permanecem “esquecidas” são passíveis de serem acessadas através da musicalidade. (ALBUQUERQUE et al., 2012)
Identificou-se ainda que o levantamento e conhecimento de músicas, ritmos ou cantores que marcaram e fizeram sucesso em determinada época da vida dos idosos pesquisados contribuíram, consideravelmente, para acessar a memória musical sugerindo que esta se apresenta preservada. (ALBUQUERQUE et al., 2012)
ALBUQUERQUE, Maria Cícera dos Santos et al. Os efeitos da música em idosos com doença de Alzheimer de uma instituição de longa permanência. Revista Eletrônica de Enfermagem, Alagoas, v. 14, n. 2, p.404-413, jun. 2012.
AREIAS, José Carlos. A música, a saúde e o bem estar. Nascer e Crescer: revista de pediatria do centro hospitalar do porto, Porto, v. 25, n. 1, p.7-10, mar. 2016.
ARNDT, Andressa Dias; CUNHA, Rosemyriam; VOLPI, Sheila. ASPECTOS DA PRÁTICA MUSICOTERAPÊUTICA: CONTEXTO SOCIAL E COMUNITÁRIO EM PERSPECTIVA. Psicol. Soc., Belo Horizonte , v. 28, n. 2, p. 387-395, ago. 2016
CAMARGO, Denise de et al. SIGNIFICADOS E SENTIDOS DA MÚSICA: UMA BREVE “COMPOSIÇÃO” A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 1, p.105-113, jan. 2007.
GOMES, Lorena; AMARAL, Juliana Bezerra do. OS EFEITOS DA UTILIZAÇÃO DA MÚSICA PARA OS IDOSOS: REVISÃO SISTEMÁTICA. Enfermagem Contemporânea, Salvador, v. 1, n. 1, p.103-117, dez. 2012.
HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir. A musicalidade do surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus, 2003.
MORENO, Jacob Levy. Psicodrama y Sociodrama. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Hormé, S.a.e., 1977. 253 p.
PEDROSA, Adhara; GONDAR, Jô. SONS E AFETO: TRILHAS PARA A PRODUÇÃO DE NOVAS MEMÓRIAS NA CLÍNICA DA MUSICOTERAPIA. Psicanálise & Barroco em Revista, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p.85-101, dez. 2015.
SANTOS, Laízi da Silva; PARRA, Claudia Regina. Música e neurociências - interrelação entre música, emoção, cognição e aprendizagem. 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2018.
O texto como um todo se baseia na explicação do que é, como funciona, quais as técnicas, a história e a quem se destina a Gestalt-terapia. No entanto, decidi caminhar com minha reflexão por uma via um tanto quanto particular: a terapia propriamente dita e o que se conhece hoje como conciliação familiar. Um campo que vem crescendo nos últimos anos na área comumente chamada de mediação e que vem ganhando visibilidade nas áreas de psicologia, direito, engenharia, assistência social, pedagogia, entre outras.
No texto destaco dois parágrafos de suma importância para o que se discute:
“[...] Essa terapia então reúne a noção de desenvolvimento pessoal, de formação e a de plenitude do potencial humano — que difere explicitamente das visões normalizadoras, centradas na adaptação social.”
“[...] A Gestalt é hoje praticada em contextos e com objetivos muito diferentes: em psicoterapia individual face a face, em terapia de casais (com a presença simultânea dos dois parceiros), em terapia familiar, em grupos contínuos de terapia (com sessões semanais e/ou um fim de semana por mês), mas também em grupos de desenvolvimento pessoal do potencial individual, assim como em instituições (escolas, estabelecimentos para jovens desajustados, hospitais psiquiátricos etc.) ou ainda em empresas do setor industrial ou comercial. Ela diz respeito às pessoas que sofrem de distúrbios físicos, psicossomáticos ou psíquicos, classificados de “patológicos”, mas também às pessoas que enfrentam dificuldades com problemas existenciais, infelizmente comuns (conflito, rompimento, solidão, luto, depressão, desemprego, sentimento de inutilidade ou impotência etc.) ou, ainda, mais amplamente, qualquer pessoa (ou organização)[...]”
Resumidamente, mediação e conciliação tratam de ser meios extrajudiciais de resolução de conflitos que utilizam terceiros imparciais para mediar o problema instalado. Dito isso, faço um paralelo com a Gestalt-terapia ao que se diz respeito à prática de resolução de problemas, como dito, infelizmente comuns, de rompimento, solidão, problemas existenciais e outros presentes na instituição especifica, família. A união dessas duas vertentes pode utilizar de suas teorias e práticas para interver nos sistemas familiares e instituir a harmonização entre os membros que as constituem, a fim de ampliar o bem estar dos indivíduos constituintes de tal família e fazer com que as práticas aprendidas possam ser passadas adiante, as futuras gerações e sistemas que podem vir a existir no futuro.
Essa ideia surge no meio terapêutico da percepção de que, talvez, para se chegar ao individuo, muitas vezes deva ser necessário se ter acesso aos que estão ao seu redor e que até mesmo, em determinados casos, o problema não está no singular e sim na constituição do todo.
Assim como na Gestalt-terapia o corpo, as sensações e as experiências são instrumentos de análise, a mediação também faz uso dessa metodologia, pois, instaurado o conflito no âmbito familiar o mediador tem como função fazer com que as partes coloquem “para fora” os sentimentos e as queixas decorrentes de tal experiência conflitante para que ambos possam entender seus lados e possam chegar a um acordo, pacifico e saudável, e entender onde erraram e porque erraram.
O papel do Gestaut-terapeuta é também parte do sistema ali estabelecido. Quando me refiro a sistema, infiro a ideia de uma energia mobilizadora do encontro dos membros familiares e do terapeuta ou mediador, que, portanto, passa a fazer parte do sistema também. O terapeuta tem de “entrar” e “sair” do sistema, estrategicamente, ocupando papeis e, muitas vezes, interpretando, com o objetivo de trabalhar com as emoções presentes naquele conflito para demonstrar quais são os papeis de cada um dentro daquela família cujos indivíduos pertencem ou até mesmo fazer com que os próprios membros da família atuem em papeis trocados para se sentirem pertencentes aquele sistema e entenderem suas posições dentro do ambiente familiar.
Concluindo, a Gestalt-terapia relacionada com a mediação familiar é, na minha visão, uma tentativa de se estabelecer uma troca de recursos de ambas as abordagens para que se amplie e enriqueça a atuação das duas profissões. Temos a Gestalt voltada ao desenvolvimento das singularidades e das potencialidades do indivíduo, praticando o autoconhecimento, enquanto que, a visão sistêmica da mediação tem um olhar mais amplo das influencias que sofrem esses indivíduos, direcionada para o entorno do sistema em desequilíbrio. E é aí que ambos se completam. A partir do momento em que os dois tendem a restaurar a comunicação e a convivência saudável e satisfatória entre os membros da família de maneira menos individualista e mais inclusiva.
Bárbara Bim
Dentre os diversos conceitos propostos e desenvolvidos por Carl Jung dentro da Psicologia Analítica, o conceito central baseia-se na discussão do chamado “processo de individuação”, o processo do desenvolvimento psicológico dos indivíduos. É a partir do processo de individuação que o ser humano se torna uma pessoa íntegra e única.
Quando o bebê nasce, ele encontra-se unicamente e exclusivamente imerso no inconsciente. No entanto, no minuto seguinte em que nasceu, este passa a experiênciar pela primeira vez as ações da vida e começa a constituir o seu ego infantil, momento do qual há a separação do eu/outro e o desenvolvimento da consciência. É nesse aumento de autodomínio que também aumentam as suas competências para lidar com suas emoções e os desafios propostos pelo ambiente no qual está inserido.
Dito isso, faço um paralelo da psicologia analítica com o filme da Disney Pixar, Divertida Mente (Inside Out). O filme aborda a mente de uma garotinha de 11 anos chamada Riley, que leva uma vida aparentemente tranquila ao lado de seus pais em Minessotta. Dentro da cabeça de Riley, existe uma “sala de comando” onde moram a Alegria, a Tristeza, o Raiva, a Nojinho e o Medo – emoções básicas que todos temos, incluindo os pais de Riley. No dia a dia de Riley são geradas memórias das vivências e experiências que são levadas até a “sala de controle” e lá são armazenadas compondo um “arquivo de memórias”.
A sala de controle é composta por um painel, o painel de controle. No início da vida de Riley, assim que ela nasce, o painel é composto por somente um botão, podendo-se comparar este com o Ego infantil, já que ele aparece logo após a menina abrir os olhos pela primeira vez (primeira experiência) e encontra-se acolhida pelo colo de seus pais. Nesse momento, na sala de controle surge a primeira emoção a Alegria, gerando sua primeira memória base, ligada ao afeto e ao cuidado. Esse painel vai se desenvolvendo e se tornando mais complexo e cheio de comandos conforme Riley vai interagindo com as pessoas e com o ambiente, e assim, vai desenvolvendo sua personalidade (ego e persona). A partir das experiências com as sensações e o surgimento dos personagens na cabeça de Riley, a criação de recursos da sala de controle vai se aumentando. Cada emoção (personagem) que surge vai fazendo papel de protetor-criador ou restringidor-agressor, podendo representar pares opostos dentro de uma mesma emoção. Um exemplo disso é a Alegria que ao mesmo tempo em que representa disposição, positividade, autoestima, também apresenta euforia e incapacidade. Importante ressaltar que as emoções não são polos opostos. A Alegria não é o oposto da Tristeza. Elas são complementares.
As emoções que vivem na cabeça de Riley são funções que estruturam sua personalidade. À medida que o ego vai se solidificando, a sala de controle vai sendo preenchida, e a menina vai desenvolvendo sua persona, que será utilizada em suas interações sociais. A persona é a expressão do impulso arquétipo (ics coletivo) para uma adaptação ao mundo exterior e a coletividade.
Os conteúdos que possuem uma carga afetiva elevada, vão se estruturando em torno de um “tema” específico e vão influenciando o comportamento de Riley constantemente, podendo ser relacionada à ideia de complexos (ics pessoal). A formação das “ilhas” seriam os complexos estruturais de Riley, como o próprio narrador fala no filme: “Fazem da Riley a Riley”. Elas são formadas a partir daquilo que fazem sentido na vida da menina e que compõem o seu primeiro padrão de ego, com julgamentos, códigos de valores e comportamentos, parentais, sendo elas as Ilhas da bobeira, da amizade, da honestidade e da família.
A infância de Riley foi relativamente tranquila, não havendo nenhum trauma ou grande problema. As grandes mudanças começam a aparecer quando, aos 11 anos, Riley muda de cidade (mudança externa) e começa a fase da saída da infância, entrada na adolescência (mudança interna). Essa momento é determinante para a diferenciação de sua identidade. Podemos ver no filme o processo de amadurecimento e tomada de consciência da Riley, fazendo uma analogia com a jornada do herói para Jung, como um “chamado” para a passagem de fase, no caso da infância para a adolescência. Essa é uma etapa do processo de individuação difícil e desafiadora, uma vez que é nela que aprendemos a “lidar com os monstros”.
Com a chegada em sua nova casa, Riley se decepciona ao ver que, o que havia imaginado de como seria a nova cidade e a nova casa, não estava de acordo com a realidade, causando um verdadeiro alvoroço na sala de controle e atingindo Nojinho, Medo e Raiva. Assim, a Ilha da família é a primeira a ser atingida. A relação com os pais costumam ser as primeiras a serem confrontadas durante o processo de saída da infância. Os acontecimentos que passam a acontecer com a Riley, vão gerando questionamentos e processos que fazem a Tristeza se sentir incomodada e passar a tocar nas memorias da menina, alterando as cores das “bolinhas” que representam suas emoções. O poder do sentir é tão forte que é capaz de alterar por completo uma memória afetiva que existe armazenada na sala de controle.
As emoções não sabendo mais como agir diante da situação acabam apagando as memórias base de Riley sem querer. A Tristeza e a Alegria, na tentativa de recupera-las, acabam sendo sugadas junto com as memórias por um tubo que leva as memórias da sala de controle para um arquivo imenso de memórias de longo prazo, não fazendo mais parte da sua constituição de ego. Sem as emoções na sala de controle e as memórias base da menina, Riley passa a ficar embotada e apática. Já as emoções que ficam na sala de controle - Medo, Raiva e Nojinho - tentam se comportar como a Alegria se comportava, mas nenhuma consegue por que cada um tem o seu papel específico dentro do comando. Quando lidamos bem com nossas emoções, tendemos a ampliar nossa consciência. No entanto, se agimos de maneira unilateral, como ocorrera sem a Alegria e a Tristeza no comando, podemos acabar desenvolvendo diferentes sintomas e patologias. Na tentativa de voltar para a sala de controle, Alegria e Tristeza se deparam com o amigo imaginário de Riley, Bing-Bong.
Bing-Bong é um personagem composto por partes diferentes de animais e comidas, sendo uma representação dos objetos de transição da infância. Ele é um recurso simbólico que veio da fantasia e da imaginação da menina para ajudar Alegria e Tristeza a voltarem para sala. Podemos observar aí a importância das linguagens simbólicas no auxilio da elaboração dos conflitos.
Riley, envolvida pelos conflitos e tomada pela ansiedade e pelo medo, faz com que as ilhas comecem a desmoronar, processo extremamente natural ao se relacionar com o amadurecimento de qualquer indivíduo. Porém, tido como uma experiência, muitas vezes, bastante dolorosa. Enquanto isso, na sala de controle, Raiva começa a arquitetar um plano de fuga que move Riley a fugir de casa e voltar para sua cidade em Minessotta.
Outra parte importante de ser analisada é o estúdio onde são “filmados” os sonhos de Riley, que Alegria, Tristeza e Bing-Bong conhecem ao decorrer do filme. Os sonhos são vivencias inconscientes que trazem conteúdos relacionados aos temas vividos pela personagem, como o sonho no qual Riley está na sua nova escola e fica sem roupas e seus dentes começam a cair. Os dentes podem estar ligados à capacidade de Riley de “digerir” os conteúdos externos e internos pelos quais está passando. Como um processo de individuação, pode-se sugerir que o “cair dos dentes” é uma forma de representar a necessidade de enfrentar seus “monstros” para que, após a batalha, saia mais forte e independente, como dentes de leite, que caem para que surja uma nova arcada dentária mais forte e resistente, e assim, poder lidar com sua condição de adolescente na nova cidade. O mesmo ocorre com as roupas, que pode simbolizar a ligação de Riley com sua persona, sendo a forma com que se apresenta ao mundo.
Na cena seguinte do filme, os personagens passam a serem perseguidos pelos guardas, pois eles teriam entrado sem permissão no estúdio. Bing-Bong acaba sendo preso e vai parar em um lugar onde são guardados os conteúdos que causam medo e angústia na Riley, onde ficam “escondidas” as suas sombras. Nesse momento, acordar a Riley seria a única solução para que a consciência volte a tomar conta do processo e isso se dá acordando os personagens da sala de controle e fazendo o “trem do pensamento” voltar a funcionar, transporte que poderá levar Alegria e Tristeza de volta a sala de controle.
Quando os personagens da sala de controle acordam, Raiva volta a colocar o seu plano em ação e Riley decide fugir naquele momento. Desce até a sala de sua casa e pega dinheiro escondido da bolsa da mãe, fazendo romper a Ilha da honestidade. A queda dessa Ilha acaba por bater no trem do pensamento e Alegria e Tristeza perdem o meio de voltarem pra casa. Tentam então voltar por um tubo que liga diretamente a sala de controle com as demais áreas da cabeça da Riley. Nesse momento a Alegria tenta deixar a Tristeza para trás e entrar no tubo sozinha, só que a força não é suficiente para sugar a emoção e ela acaba caindo no “lixão”, onde ficam as memórias esquecidas e puxando Bing-Bong junto a ela. É somente no local do esquecimento que a Alegria consegue enxergar que as memórias base, que Tristeza encostou no começo do filme, fazem dessas memórias a verdadeira Riley e que elas não são memorias exclusivamente suas (da Alegria). Seria o processo no qual tudo que foi vivido pela menina até o momento passa por uma reavaliação, compondo a passagem no seu processo de individuação. É necessário retroceder para olhar o que ficou para trás. Alegria então utiliza a imaginação e chama o foguete imaginário que Riley e Bing-Bong brincavam e consegue sair do local de esquecimento, sendo necessário deixar Bing-Bong para trás, já que o objeto que representa sua transição da infância para a adolescência acabara de cumprir sua missão.
Já no final da história, Riley seguindo com seu plano de fuga e sendo comandada pela Raiva, faz desmoronar a última Ilha, a da família. Contudo, entra em cena seu namorado imaginário, um personagem que representa o novo recurso transacional da menina e é ele quem vai conseguir fazer a ligação necessária para que a Alegria e a Tristeza voltem para a sala de controle.
Quando as emoções enfim conseguem retornar a sala, estão transformadas pela jornada heroica que vivenciaram e assim, uma nova Consciência pode se formar no painel de controle. Alegria e Tristeza juntas assumem o controle do painel e conseguem fazer Riley perceber que seu plano não é tão interessante assim e a menina volta para a casa. A tristeza toca em todas as emoções com a permissão da Alegria e dos demais personagens e ressignificam as memórias base, constituindo um novo ego, agora em processo de separação e estabelecimento no ambiente, e havendo um diálogo maior entre consciente e inconsciente na tentativa de unifica-lo e torna-lo íntegro. Assim, Riley consegue sair do estado de apatia no qual se encontrava e encontra novos recursos para constituir novas ilhas, recriando a ilha da família, construindo a ilha da adolescência e ampliando as demais ilhas que tinha. É interessante notar que as vivencias não são cronológicas e nem lineares, elas estão sempre mudando e recontando a história dentro de nós. As mudanças começam primeiro no inconsciente e no mundo interno de Riley, para depois chegarem à consciência e, enfim, se concretizarem no mundo material.
Com o surgimento de novas memórias, agora todas coloridas com as emoções misturadas, Riley encontra-se amadurecida e transformada, esperando pelo próximo momento no qual novas jornadas heroicas possam surgir para o seu processo de desenvolvimento individual continuar.
Bárbara Bim
JUNG, C.G. Fundamentos da Psicologia Analítica, 1ª conferência, pag 1-19.
PENNA, E. Sistema ego-consciência, p 1-7
O filme “Uma Lição de Vida”, de Justin Chadwick, nos traz a história baseada em fatos reais de Kimani Maruge, um queniano que lutou aos 84 anos de idade para poder aprender a ler e a escrever. Maruge possuiu um passado de muita luta e resistência, frente a sua história. Ele era ex-combatente de um grupo chamado “Mau-Mau”, no Quênia. Segundo Joelza Ester Domingues, mestre em História Social pela PUC-SP, esse grupo era uma organização clandestina, formado pelos Kikuyus, um grupo étnico do Quênia. O termo “Mau-Mau”, segundo os estudiosos, seria um anagrama para “Uma-Uma”, traduzido para “Fora! Fora!”, como um grito de guerra. Os Kikuyus, expulsos de suas terras e destituídos de seus direitos civis, decidiram de juntar para lutar pela liberdade de seu país que estava sobre domínio dos britânicos desde 1888. De forma resumida, com cenas dos momentos de luta e resistência, o filme apresenta lembranças de Maruge dos momentos de horrores da guerra, como o dia em que sua mulher e filha foram executadas pelas tropas britânicas e as torturas que sofreu ao longo da guerra. Passados quase quarenta anos após a guerra de independência, o país cria um programa de escolarização “Para Todos”, cuja oferta estaria no ensino primário gratuito e universal. Maruge compreende fazer parte do “todos”, enfatizado no programa, e resolve voltar a escola para aprender a ler, pois havia recebido uma carta da presidência e desejava muito lê-la com os próprios olhos.
O que se segue é a sua própria luta por ser matriculado na escola primária junto às demais crianças. A história vira notícia e desperta revoltas e espantos na comunidade local, nos pais das crianças da escola, em alguns professores e até mesmo nos donos e conselheiros estudantis da rede escolar na qual Maruge se matriculou. A dimensão política do discurso da “escola para todos”, como aparece no filme, é muito maior do que se pode imaginar. O processo de integração escolar pode ser compreendido de diversas maneiras. Podemos afirmar que pela integração escolar todo aluno tem acesso à educação, por meio de uma série de possibilidades educacionais que vai desde a inserção nas salas de aula regulares ao ensino em escolas especiais como o EJA, por exemplo. No caso de Maruge, uma escola com o ensino EJA seria uma das possibilidades para se integrar ao ensino. No entanto, assim como um aluno que possui uma deficiência, um aluno que participa de uma escola especial, como o EJA, dificilmente retorna a sala de aula regular. Segundo Montoan, o processo de integração trata-se de uma concepção de interseção parcial, uma vez que o sistema prevê serviços educacionais segregados. A escolha de Maruge por frequentar uma escola primária junto às crianças poderia ser entendida como um ato político referente ao contraste presente na indiferença e no isolamento que um sistema de ensino EJA poderia proporciona-lo, quando comparado à receptividade das crianças na escola primaria. Poderíamos sugerir então que Maruge estaria à procura de algo que se aproximasse do que entendemos por inclusão. Montoan afirma que a inclusão questiona não somente as políticas e a organização da educação especial e da educação comum, como também questiona o próprio conceito de integração. A inclusão é incompatível com a integração por que prevê a inserção escolar de forma radical e completa, na forma como Maruge lutou para alcançar. Ou seja, todos os alunos frequentando as salas de aula do ensino regular.
Seguindo esse discurso, podemos parar para analisar a questão da responsabilidade pela inclusão. Se o principal da inclusão, ao contrário da integração, é o de não excluir ninguém do ensino regular, as escolas inclusivas devem propor um modo de organização de seu sistema educacional que considere as necessidades de todos os alunos, estruturado em função dessas necessidades. Montoan afirma que a proposta da inclusão é por si só provocativa, pois o sistema de ensino é desestabilizado.
A professora que acolhe Maruge na escola é desafiada em vários momentos do filme, ao que se refere a qual a melhor (ou menos pior) conduta a seguir, transitando entre posturas ora integrativa, ora inclusiva. O esforço de reestruturar a ideologia das escolas está no entendimento de que as dificuldades de alguns alunos excepcionais não são apenas deles, mas sim resultam do modo como o ensino é ministrado e de como a aprendizagem é concebida. O programa de escolarização “Para Todos” não se bastou a simples abertura dos portões da escola, pois, uma vez que Maruge chega e pede para se matricular, a professora se depara com o real significado da luta pela inclusão e passa a perceber o quão desafiador será apoiar essa causa e enfrentar os desafios que estariam por vir. O momento político-social pelo qual o país passava não dava abertura para uma mudança de paradigma. Não é possível encaixar um projeto novo, como é o caso da inclusão, em uma velha matriz de concepção escolar. É necessário recriar o modelo educacional vigente. Dito isso, pode-se afirmar que a professora foi em partes inclusiva por proporcionar uma organização de seu sistema educacional (da sua sala de aula, exclusivamente) considerando as necessidades de Maruge, como sendo um senhor de idade que possui questões físicas de locomoção e de visão e audição, concedendo a ele uma cadeira na frente da sala para enxergar melhor a lousa e o material para alfabetização diferente das demais crianças, ao mesmo tempo em que adotou uma postura integrativa, fortalecendo o processo educacional que oferece ao aluno a oportunidade de transitar entre o sistema regular e de ensino especial, com as aulas particulares e os exercícios feitos com Maruge no contra turno das aulas.
Dando continuidade ao filme, Maruge é proibido de continuar seus estudos pelas autoridades e, como forma de “burlar” o sistema e continuar fazendo parte da luta, ele, junto à professora, consegue propor aos diretores a sua inserção na sala de aula como auxiliar de classe e assim, consegue seguir sua jornada.
Podemos fechar essa reflexão, comentando um pouco da importância do discurso, do debate e da disseminação das questões das políticas de ensino em todos os âmbitos da discussão. Sabe-se que devido aos seus desempenhos e conquistas, Maruge foi convidado a discursar na sede da ONU e em outros fóruns e congressos sobre o poder da educação. Fulano de tal fala no texto tal que a vitalidade da palavra inclusão, por exemplo, se deve ao fato de que os grandes organismos internacionais se esforçaram e lutaram para dissolver as tensões resultantes do confronto de interesses econômicos e sociais. Sabendo que ainda nos dias de hoje ouvimos discursos oficiais passarem a incorporar argumentos de movimentos sociais, explicitando preocupações como desigualdade, exclusão escolar, miséria, dentre outros, com o intuito de tirar o peso da responsabilidade das politicas econômicas, e assim, diante do politicamente correto e dos interesses de ordem econômica, vemos discursos oficiais transformando-se em busca de um consenso dos movimentos sociais, devemos cada vez mais estar atentos aos discursos e práticas da educação em todo o mundo.
Bárbara Bim
O texto apresentado é a primeira parte de um seminário conduzido por C.G. Jung, realizado em quatro partes no outono de 1932, sobre o simbolismo dos chakras da Yoga Tântrica, particularmente sobre as ideias e imagens do sistema kundalini, observando no Kundalini Yoga uma intuição de sua própria teoria, sendo o seu despertar equivalente ao processo de individuação.
Nele Jung apresenta o que chamamos de “Os Kleshas”, que são impulso, os formes instintivos naturais em que a libido inicialmente mostra-se do inconsciente. Eles representam a energia psíquica, ou libido na sua forma mais simples de manifestação. De acordo com o ensinamento Tântrico, existe um impulso para formar uma personalidade, alguma coisa que é centrada e separada de todos os seres, e isso é expresso pelo Klesha da discriminação, no qual existe também o aspecto do Ódio. É o que se poderia descrever em termos filosóficos ocidentais, como um impulso ou instinto na individuação.
Apresentou também o pensamento de que o aspecto psicológico das coisas envolve uma filosofia a respeito delas. Por exemplo, o aspecto psicológico de uma cadeira. Ela tem tanto o aspecto “sthula” quanto o “suksma”. É um fenômeno físico e como tal, óbvio no seu aspecto “sthula”, mas no seu aspecto “suksma” não é tão obvio, uma vez que este é a ideia da cadeira. Como o eidolon Platônico, o eidos de uma coisa é o seu aspecto “suksma”. Mas em Platão nós ainda podemos ver concretizações, pois ele diz que todas as coisas são derivadas, ou imitações incompletas das eidola que são conservadas em uma espécie de tesouro celeste contendo os modelos de todas as coisas existentes. Assim todas as formas do nosso mundo empírico derivariam daquelas eidola. Esta ideia é o aspecto “suksma”, ou também chamada de psicologia das coisas. Mas para nós, as ideias Platônicas, que Platão entendia como realmente existentes são conceitos psicológicos, ou mesmo meras ilusões ou suposições. O eidos pode ser entendida como o arquétipo.
Isso tudo é meramente sobre conceitos apresentados no seminário, pois chega um momento em que apresenta o Yoga Tântrico, alegando que existem coisas que precisariam de mais explicações do lado psicológico. Como por exemplo, o chakra muladhara, que parece muito simples.
Sua localização fisiológica é no períneo. O Muladhara é um mundo inteiro. Pode-se supor que o Muladhara são as raizes, assim como a terra sobre a qual estamos, sendo nosso mundo consciente, porque aqui nós estamos. Nós estamos no mandala da terra. E o que quer que digamos de Muladhara é verdade para este mundo. É um lugar onde a humanidade é vítima de impulsos, instintos, inconsciência, de participação mística. É um lugar escuro e inconsciente. Nós somos como vítimas desamparadas das circunstâncias.
Já no segundo chakra, após a saída de nossa existência Muladhara, seguimos para uma condução dentro da água. O simbolismo do chakra Swadhisthana perpassa pela ideia do batismo pela água, acompanhado de todos os perigos da possibilidade de ser afogado ou devorado por makara. Ir para “debaixo da água”. Entrar em contato com a fonte de regeneração ou de destruição. Essa analogia também entra em contato com o mito do Sol, aquele que de tarde passa a ficar velho e fraco, afundando no mar Ocidental, viajando para baixo das águas e se reerguendo pela manhã com seu renascimento no leste. Assim, o segundo chakra poderia ser chamado de mandala do batismo, renascimento ou destruição, sendo ambas consequências do processo de batismo.
Diferentemente do Muladhara que tem a cor vermelha mais escura, como de sangue, o vermelho do Swadhisthana possui muito mais luz, muito mais ligado ao Sol, sendo a cor da alvorada. E interessante observar o paralelo que Jung faz sobre dizer que a anima é a Kundalini, sendo a razão pela qual ele sustenta que o segundo centro, apesar da interpretação hindu do crescente como sendo masculino, é intensamente feminino, pois a água seria o simbolismo para o útero do renascimento, a fonte do batismo.
Passando por esse “perigo”, chegamos ao próximo centro chamado Manipura, que significa a abundância de joias. É o centro de fogo, onde nasce o sol. O sol agora aparece como símbolo da primeira luz após o batismo. Seria este o centro da identificação divina, onde a pessoa se torna parte do todo, tendo a alma imortal. Existe aqui um espaço tetradimensional no qual o tempo se torna uma extensão e espaço não existe, só há duração eterna e infinita.
Sob um olhar mais psicológico e menos simbólico, o terceiro centro, o centro das emoções, localizado no plexus solar, fica no centro no abdômen e seria a primeira localização psíquica que estaria dentro das nossas experiências psíquicas conscientes. O diafragma corresponderia a superfície da terra e o próximo chakra, Anahata, seria o ponto onde alcançaríamos a condição de elevação da terra.
Partindo para Anahata, podemos observar purusa, uma pequena figura que representa o self divino, isso é aquilo que não é idêntico à causalidade, a natureza. Em Anahata surge uma possibilidade de nos elevarmos acima dos acontecimentos emocionais e de olharmos para eles. Aqui a individuação começa, mas provável também que haja uma inflação, pois individuação não quer dizer que você se torna um ego. Individuação é tornar-se algo que não é o ego, sendo difícil sua compreensão. Ninguém entende o que é o Self porque o Self é justamente algo que você não é. O ego está sempre embaixo em Muladhara e de repente se torna ciente de algo acima no quarto chakra. Isto é o Self.
Então, a próxima fase que atingimos é Vishuddha, o centro do éter. Nele se atinge uma esfera de abstração. Lá se vai além do mundo empírico e se chega em um mundo de conceitos, a realidade psíquica. A humanidade, de uma forma geral, ainda não adquiriu segurança suficiente se sua existência psíquica, portanto, não atingiu Vishuddha. Portanto coletivamente nós ainda não cruzamos a distancia entre Anahata e Vishuddha, o que se torna um tanto quanto nebuloso falar desde centro com tanta certeza. Nele atingimos uma percepção além na concepção atual que temos de mundo.
Os próximos chakras também pouco se especulam, que são o Ajna e Sahasrara. Nós podemos até refletir sobre eles, mas não estaremos lá se não tivermos a experiência. Mas no centro Ajna a psique cria asas, você sabe que não é nada além de psíque. E em Sahasrara o pouco que se fala vem meramente de um conceito filosófico, sem qualquer substancia para nós.
De maneira geral, pode-se dizer que a humanidade caminha para esse despertar. É um processo válido, visto que se encontra em ascensão, quando analisamos os primórdios de sua existência e o atual ponto de consciência. Mas ainda assim há muito que se experimentar, estimular, desenvolver, ser e perceber que ainda não temos conhecimento e que se torna necessário para que tenhamos cada vez mais consciência de nós mesmos.
Bárbara Bim
Inspirado pela mitologia grega, Freud apropria-se do mito de Édipo, escrito por Sófocles, para elaborar a principal construção teórica da psicanálise. O complexo de Édipo, segundo Freud, é um fenômeno fundamental do período sexual da primeira infância e por meio dele se dá o processo de estruturação da sexualidade infantil que repercute na constituição da identidade do ser. A experiência edipiana torna possível compreender o que posteriormente vem a ser a sexualidade adulta, suas escolhas objetais e identificações moldadas pelas relações afetivas com as figuras parentais.
“Que é, então, o Édipo? O Édipo é a experiência vivida por uma criança de cerca de quatro anos que, absorvida por um desejo sexual incontrolável, tem de aprender a limitar seus impulsos a ajustá-los aos limites de seu corpo imaturo, aos limites de sua consciência nascente, aos limites de seu medo e, finalmente, aos limites de uma Lei tácita que lhe ordena que pare de tomar seus pais por objetos sexuais. [...] Porém, o Édipo não é apenas uma crise sexual de crescimento, é também a fantasia que essa crise molda no inconsciente infantil. Com efeito, a experiência vivida do terremoto edipiano fica registrada no inconsciente da criança e perdura até o fim da vida como uma fantasia que definirá a identidade sexual do sujeito, determinará diversos traços de sua personalidade e fixará sua aptidão a gerir os conflitos afetivos.” (NASIO (2005), p. 12).
O Complexo de Édipo, assim como a psicanálise, pode-se encontrar em diversos aspectos da cultura. Dentro dessa, um tema que nos acompanha há séculos é o tema relacionado aos contos fantásticos, os quais tiveram, desde seus primórdios, o objetivo de entreter-nos, seja para ajudar os camponeses a atravessar as longas noites frias ou incitar a imaginação de um homem “moderno”. O fato é que estes contos estiveram presentes no curso de toda a história. Onde conseguir, então, matéria para tantos? Ora, nos próprios aspectos que marcam o humano, principalmente nos perigos, como fome, crueldade, violência e morte, com o intuito de, ao simbolizar, ajudar a enfrentar esses perigos. Este é um “prato cheio” para a psicanálise que trabalha com o simbolismo na vida humana e pode perceber nos contos infantis (uma derivação fundamental dos contos fantásticos) o simbolismo como ferramenta para condensar os conflitos psíquicos inconscientes que dizem respeito às crianças.
As versões mais modernas possuem um cunho pedagógico forte, com mensagens subliminares recorrentes sobre obediência aos pais e a necessidade de se colocar dever antes do prazer. Caráter esse ausente nas primeiras tradições folclóricas, que enfatizavam aspectos explícitos de violência e sexo.
Os contos infantis trazem um maniqueísmo característico, marcado por figuras que ilustram umas, a inocência das crianças e outras, a ameaça mundana apresentada de maneira fictícia. Uma das figuras-do-mal recorrente nas histórias infantis é o lobo, uma vez que, ele apresentava um perigo real para sociedade camponesa européia da época em que esses contos foram escritos. Ao ser inserido nos contos, o lobo é revestido de diversos sentidos, os quais serão explicitados ao longo deste texto.
Faz necessário salientar que, em última instância, o conflito maniqueísta pode ser compreendido como um conflito psíquico entre o desejo incestuoso e o medo da castração, no menino; e perda do amor, na menina, que lhe confere poder na relação com os pais. Cabe dizer que, até a fase fálica, anterior a fase edípica, a criança acredita que todos são detentores de Falo e que esta é a máxima expressão de poder, de que tudo podem, tudo têm e tudo são para os pais. As meninas também acreditam possuir um Falo e, uma vez instaurada a diferença anatômica entre os sexos, frustram-se e sentem-se humilhadas, enganadas; rebelam-se contra suas mães, culpadas por não terem oferecido o componente fálico que acreditavam possuir. Revoltam-se contra seus pais como alvos de ciúme e inveja do que não podem ter. Sentem-se profundamente sozinhas e narcisicamente feridas, até que passem a investir libidinalmente no pai e identificarem-se com a mãe como referência de feminilidade e competição pela atenção dele.
Há um significante em comum entre as histórias: o lobo enquanto representação alegórica da figura paterna.
Na relação com os meninos, como figura castradora, agente da Lei maior que ameaça a perda do Falo, tão temida por eles. É importante ressaltar que ele não recebe somente as características julgadoras e punitivas, mas também seus aspectos sedutores e afetivos para as crianças e, em consequência, para os personagens de suas fábulas. Na relação com as meninas, como um objeto de pulsão total substituto dos objetos parciais que, até então, a criança direcionava sua libido. A tomada de figuras parentais substitui o autoerotismo pelo inédito desejo pelo Outro - um Outro fálico, potente - ao qual a menina fantasia que pode, dele, receber o Falo ou propriamente, sê-lo. Segundo NASIO (2005), a menina entra efetivamente na fase edipiana no momento em que “a inveja ciumenta de deter o Falo do pai dá lugar ao desejo incestuoso de ser possuída por ele, ser o Falo do pai.” (p 55.)
Em Chapeuzinho Vermelho encontramos três diferentes versões. A primeira foi fruto da tradição oral folclórica; a segunda, escrita por Perrault (1989) em 1697, foi a primeira 1 versão do conto transcrita para o papel; e a terceira, escrita pelos irmãos Grimm (1994) , que conhecemos hoje. A principal diferença entre as versões do conto é o fato de que: na versão folclórica, conhecida como "A História da Avó"(TATAR, M., 1885), chapeuzinho ao encontrar o lobo na cama de sua avó, e realizar o famoso diálogo com ele, este solicita que ela retire suas roupas as jogue ao fogo e após isso deite-se com ele em sua cama. Na cama chapeuzinho diz ao lobo disfarçado de vovó que está com vontade de urinar e pede para fazer lá fora. O lobo ordena que faça na cama mesmo, mas chapeuzinho insiste e o lobo permite desde que vá com um barbante amarrado à sua perna. Chapeuzinho então desamarra o barbante e foge. Enquanto que, na versão de Perrault, o final é diferente do que ocorre na história dos Grimm, na qual, um lenhador encontra o lobo e salva a chapeuzinho e sua avó. Em Perrault, o Lobo come a avó e chapeuzinho e o final da história se dá após chapeuzinho ter sido devorada, com um intuito de possuir um caráter moral.
Uma outra diferença importante entre o texto dos Grimm e as outras versões é a existência de um sermão feito pela mãe no início da história, com suposto objetivo de alertar a menina acerca dos perigos da floresta, bem como ordená-la que não se desviasse do caminho para a casa da avó. Esse sermão pode ser compreendido pela psicanálise através da compreensão do conflito travado entre mãe e filha. Assim, as palavras de ordem da mãe metaforizam uma tentativa inconsciente de evitar que a filha entre em contato com um possível investimento em um objeto, uma vez que ela não está mais na fase de restringir o prazer à comida e ao autoerotismo. Está em contato com o mundo externo e, ainda que a comida seja uma fonte, elege algo exterior como forma de obtenção de prazer. Nesse recorte, o fato de em uma das histórias a menina distrair-se com borboletas, sementes e plantas no caminho torna esses elementos símbolos do objeto de prazer advindo do meio externo, bem como as questões que intermedeiam a relação com o Lobo.
Além disso, as palavras de ordem da mãe servem de ilustração do conceito de Freud da atuação dos pais enquanto tradutores da lei para seus filhos e que, uma vez introjetadas essas leis, torna-se possível o convívio em sociedade. Isto é, serão reprimidas as pulsões sexuais nas crianças a fim de que elas consigam estabelecer vínculos sociais. Como parte dessa repressão, desistir do desejo incestuoso dialoga diretamente com o “atravessar” o complexo de Édipo. Dessa forma, quando chapeuzinho inocentemente fere a lei da mãe, sem a percepção de que o faz, simplesmente movida pela busca de prazer, torna-se claro que ela ainda não atravessou o Édipo. Diferentemente do que ocorreria no período púbere, no qual poderia haver um processo de opção pelo não cumprimento de alguma lei, bem como o questionamento dela, mas isso não é o que ocorre com chapeuzinho, ainda imersa na infância.
A conversa é particularidade da história dos Grimm. Por outro lado, em todas as narrativas verifica-se o diálogo entre Lobo e Chapeuzinho e que ele extrapola a relação predador-presa, diferente do ocorrido com a avó, que é imediatamente devorada. É possível especular também, que a própria existência do diálogo pressupõe um investimento libidinal por parte do lobo, tendo em vista que ele poderia tê-la devorado anteriormente na floresta, mas opta por encontrá-la na casa da avó, onde arma uma trama para atraí-la.
A atração, entretanto, é mútua. A menina participa do investimento, porém, guiada por um desejo conflituoso entre a recém despertada curiosidade sexual e o medo de se a ver com essa nova fonte torrencial que invade a menina, despreparada psíquica e corporalmente para essa desconhecida fonte de prazer. A curiosidade de Chapeuzinho é construída desde seu primeiro contato com o Lobo, quando é abordada na floresta. Ele a trata com gentilezas e faz perguntas sobre seu trajeto, as quais ela responde sem intimidação ou medo, revelando o caminho a percorrer e a missão de levar a cesta de doces para sua avó. Entusiasmada pela lábia do Lobo, se distrai e brinca durante o percurso, evidenciando que a tarefa solicitada pela mãe não foi cumprida como deveria e, também, permitiu o Lobo chegar antes dela e colocar seu plano em prática.
O clímax do prazer da curiosidade e, adicionado, o prazer em sentir medo pode ser observado no diálogo que se segue, quando o Lobo visivelmente nas vestes de sua avó lhe desperta particular interesse: “– Para que esses olhos tão grandes? – Para te ver melhor, minha netinha.
– Para que estas orelhas tão grandes?
– Para te escutar melhor, minha netinha.
– E para que esta boca tão grande?
– Para te comer melhor, minha netinha!”
Chapeuzinho não insiste no diálogo por uma ingenuidade que se pressupõe, mas por um evidente interesse erótico em aproximar-se de um objeto de desejo e, ao mesmo tempo, uma ameaça de perigo. É claro, com as devidas ressalvas. Ela não tem a intenção ou sequer sabe como realizá-lo, seu desejo é uma fantasia que pretende se manter como tal, chapeuzinho tem o desejo de desejar.
Nesses episódios em que Chapeuzinho se vê interessada e curiosa pelo Lobo, pode-se visualizar os aspectos sedutores da figura paterna em relação à criança, uma vez que, apesar deste Lobo-pai possuir explicitamente características “perigosas” que podem ser punitivas à chapeuzinho-filha, ele a seduz e ela é seduzida por ele, mesmo que em uma relação inconsciente como afirma Freud (1905) sobre a relação edipiana. Além disso é possível perceber neste Lobo-pai uma relação de interesse com aquilo que não poderia ter fora das fábulas, pois ele se envolve com filha e avó simbólicas (mesmo que a trama entre ele e a última não seja tão explorada). O Lobo-pai se envolve com as duas das três gerações (filha-mãe-avó) realizando desejos incestuosos inconscientes que em realidade e sociedade são reprimidos.
Ao final de cada versão, Chapeuzinho é devorada pelo Lobo ou consegue fugir dele. Seguimos aqui, duas bifurcações históricas das narrativas ao longo dos anos, que ganham uma suavização em seus aspectos mais mórbidos pelo caráter moral que as sociedades tendem a manifestar.
O ato de ser devorada poderia, em última análise, representar a realização do incesto, um fim trágico para a menina num ato de perversão do Lobo. A fuga da menina pode ser analisada como um ato de angústia e fuga da própria sexualidade e uma imaturidade, própria da infância, para lidar com as manifestações incisivas de seu próprio inconsciente.
A versão mais antiga da história traz aspectos explícitos, como um streap-tease ordenado pelo Lobo e obedecido pela menina, que em um máximo grau de excitação, tem uma vontade repentina de urinar. Freud (1925) compara a enurese infantil à polução dos adultos, como uma expressão de prazer e gozo.
Os Três Porquinhos é uma fábula, na qual o Lobo aparece com uma figura punitiva e julgadora. A diferença fundamental de Chapeuzinho Vermelho para este conto, está na questão de o Lobo devorar os porquinhos, tema central desta história. Na fábula da menina, este tema aparece como significado sexual da realização do incesto. Enquanto que a trama dos porquinhos apoia-se na necessidade de construir suas casas e no perigo de o Lobo destruí-las, possibilitando assim que este os devore.
A história, como sabemos, gira em torno da construção de três casas pelos três porquinhos: a casa de palha, a de madeira e de a tijolos. Ao desenvolver do conto, o Lobo destrói as duas primeiras, porém, não consegue destruir a casa de tijolos. A diferença fundamental entre as versões dessa narrativa infantil reside no fato de que, nas versões mais antigas, os dois primeiros porquinhos são devorados ao terem suas casas derrubadas, enquanto que na versão atual, eles correm para a casa do irmão mais velho para se protegerem.
O conto começa com os porquinhos não podendo mais continuar na casa de sua mãe e tendo então que construir suas próprias casas e consequentemente suas próprias vidas. Esses porquinhos então, diante de um impasse entre prazer e dever, precisaram rapidamente construí-las. Cícero, o porquinho mais novo desejava muito brincar e para tanto construiu a sua casa rapidamente com palha por ser a maneira mais rápida de construção. Heitor, o porquinho do meio, no entanto, decidiu construir sua casa de madeira, pois sabia que a casa de palha seria muito frágil mas também não queria dispor de muita mão de obra para tal. Prático, o mais velho, por fim, construiu sua casa de cimento e tijolos.
Os Três Porquinhos é um conto que tem a simplicidade que as crianças adoram. De um lado o bem e do outro o mal. Porém, embora simples, a história caracteriza os personagens com menos ingenuidade do que a menina em A Chapeuzinho Vermelho. Ambas as histórias apresentam uma certa representação do mundo oral, dividida entre aqueles que comem e aqueles que são comidos, fase que ultrapassa a idade da criança após o desmame.
Cícero, Heitor e Prático podem ser entendidos como três personagens em um, analisados sob a ótica da evolução do desenvolvimento das crianças. Inicialmente indefesos, correndo o risco de “serem devoradas”, as crianças aprendem a criar barreiras que os separem de suas mães (criadoras), aprendendo a diferenciar suas vontades das delas, assim como as casas dos porquinhos são diferentes entre si e entre a casa da mãe. A separação da mãe e o processo de compreensão do ser como indivíduo é notável ao perceber a relutância que muitas crianças apresentam ao, por exemplo, se recusarem a comer ou fazer o que lhes são solicitados. Suas “casas” vão sendo construídas progressivamente conforme seu desenvolvimento, demarcando as diferenças entre os mesmos e os adultos. Cícero e Heitor, no conto, acabam sendo devorados pelo Lobo, que simbolicamente aparece na história como a personificação da instância julgadora e punitiva, ou melhor dizendo, como a personificação das leis paternas, pronto para devorar os porquinhos-filhos que não seguirem suas leis e aprenderem a abdicar dos prazeres mundanos em prol de um dever.
Interessante comentar as vestimentas dos porquinhos. Sabendo-se que Prático é o irmão mais velho, pressupõe-se que este já tenha vivenciado a sua fase fálica e consequentemente atravessado édipo, pois Prático é o único porquinho que faz uso de calças nas ilustrações infantis. Cícero e Heitor provavelmente ainda estariam experienciando a fase fálica, pois a ausência de vestes revela uma ausência da primazia genital, demonstrando algumas das possíveis fases do desenvolvimento da criança.
Há uma analogia entre o sopro forte, a lábia do Lobo e a fase oral do desenvolvimento das crianças, tendo em vista que elas possuem uma associação com a boca. A mensagem que pode ser retirada de tal questão compreende que a boca cumpre múltiplas funções quando criança, pois além de fonte de saciedade, prazer e conhecimento, ela é uma espécie de “portal” cuja criança desfruta para compensar sua separação da mãe. Uma vez que a comunicação umbilical foi cortada, terão passagem prioritária pela boca, embora elas ainda não compreendam conscientemente que sua primeira morada foi o ventre materno.
Podemos analisar também o papel do Lobo em Três Porquinhos como sendo simbolicamente diferente de Chapeuzinho vermelho: para os porquinhos, o Lobo, apesar de também aparecer como figura simbólica paterna, aparece como uma figura que julga, pune e em última instância castra, já que retira dos porquinhos o “tudo poder”, ou seja, o poder brincar o tempo todo. Nesta fábula, portanto, é possível perceber a relação com a teoria freudiana do Complexo de Édipo, especialmente com sua dissolução, pois, posteriormente, as características paternas são introjetadas em forma de instância julgadora, o Superego, e é exatamente este temor de ser castrado que faz com que o complexo seja diluído e as leis introjetadas.
Verifica-se em ambas as histórias a perda da inocência infantil com o despertar, ainda que imaturo, da identidade sexual da criança que abandona objetos parciais para eleger o Outro como seu mais novo objeto de fixação. O desejo da união com o Outro revela o desejo pela máxima completude, o gozo absoluto, por um outro que suprima a falta, as lacunas do próprio ser, que penosamente a criança reconhece em si. Mas, fantasioso que é, resultaria numa máxima insatisfação e em perigosos traumas.
O desejo incestuoso é uma fantasia com objetivo de ser vivida como tal, marcando a primeira grande perda pela qual a criança aprende abdicar daquilo que não pode ter, ao invés de apenas ter seus objetos arrancados como nas fases oral e anal anteriores. O Édipo é a primeira canalização das pulsões irrefreáveis que imperam na criança em virtude do insuportável conflito entre levar a cabo um impetuoso desejo e, por sua própria escolha, abandoná-lo.
O significante que envolve toda a simbologia do Édipo é permeado pela fantasia fálica: a crença infantil da existência de um poder absoluto que emana dos pais e que ela sonha em possuir, mas que não existe, de fato, em ninguém. O Falo é uma construção imaginária individual e coletiva; e o interdito e a abdicação que a criança se vê obrigada a fazer é a primeira ruptura dessa fantasia, que leva à descatexia objetal dos pais e regressão à uma identificação enquanto modelos. Segue-se o período de latência, onde as pulsões sexuais mais intensas são adormecidas e a autoridade é introjetada no ego pueril em forma de culpa, pudor e moralidade. Édipo, no mito de Sófocles, cega seus próprios olhos ao se deparar com a realidade de seus atos de incesto e parricídio. Analogamente, temos a amnésia da criança que atravessa o Édipo e nada se lembra de seus desejos manifestos.
O Complexo é reavivado na puberdade e a forma como é atravessado, a forma como a criança é castrada e abdica dos pais, molda as novas escolhas de objetos de amor, agora sob a primazia do órgão na fase genital. É nessa reavivação que instalam-se também os sofrimentos neuróticos originários da crise edipiana, das angústias vividas pela criança nesse momento tão crucial de conflito entre um impetuoso Id infantil e as forças repressivas da civilização. O conflito e as angústias dessa fase são travestidos por neuroses e sintomas atuais que remontam à primeira infância.
É importantíssimo ressaltar o caráter recíproco do Complexo de Édipo. Os pais também investem libidinalmente nos filhos, os consideram parte de seu próprio ser, e precisam também abdicar de algo: do papel de ser em totalidade para colocarem-se enquanto ser faltante, diante dos filhos, de modo a efetuar o desenvolvimento da criança.
Por fim o Édipo é, para a psicanálise freudiana, uma das mais, senão a maior, construção teórica que apóia as hipóteses clínicas e que está por trás de todo sofrimento neurótico dos pacientes. Nasio (2005) considera o fenômeno do Édipo como a própria psicanálise, “(...) que é a psicanálise senão uma prática sustentada por uma teoria que concebe o homem de hoje a partir da experiência edipiana vivida por todas as crianças quando têm de aprender a refrear seu desejo e moderar seu prazer?”. (p. 13).
BETTELHEIN, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002. 335 p. CORSO, D. L; CORSO, M. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre, Artmed, 2006. 328 p.
FREUD, S. (1905). Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro, Imago, 1996 (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.7).
FREUD, S. (1917). Conferências Introdutórias à Psicanálise. São Paulo, Companhia das Letras, 2014 (Obras Completas / Sigmund Freud, v.13).
FREUD, S. (1925). O ego e o ID e outros trabalhos. Rio de Janeiro, Imago, 1996 (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.19).
NASIO, J. D. (2005) Édipo, o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro, Zahar, 2007. 153 p.