Comunicado: Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada 2015: Um desastre não é um acidente

Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada 2015


Um desastre não é um acidente

Para acabar com a linguagem de negligência e negação a ACA-M, em conjunto com outras congéneres Europeias, apela aos decisores políticos e aos meios de comunicação que deixem de usar a palavra "acidente" quando se referem a desastres rodoviários, e adoptem uma terminologia apropriada, construtiva e mais precisa tal como “sinistro”, “desastre” ou “colisão”.

A expressão "colisão" não presume a inocência ou culpa - se alguém é culpado num caso de colisão, isso deve ser provado em tribunal. A palavra "acidente" sugere algo não intencional, e de facto a maioria das colisões não são premeditadas. Mas também sugere algo que está para além do nosso controle; é como se a descrição do evento contenha já em si mesmo a sua desculpa. A frase "foi apenas um acidente" serve tanto como uma afirmação de inocência, como também uma exoneração da culpa ou responsabilidade. O uso do termo "acidente" é inadequado até que todos os fatos relativos ao caso sejam conhecidos - menos adequado ainda para descrever um fenómeno estatístico previsível.

Palavras alternativas, como “sinistro” ou “desastre” não presumem culpa ou culpabilidade. O uso destas palavras evita qualquer juízo de valor e podem aplicar-se igualmente a colisões causadas por animais que se atravessam na estrada, a excessos de velocidade com origem no álcool, ou um sinistro encenado para ganhos cobertos pela seguradora. Diversas instituições têm apoiado a necessidade de uma terminologia adequada, preferindo o uso da palavra "colisão" ou outras palavras neutras, em vez de "acidente".


O uso do termo "colisão" não desculpa o incumprimento da lei e comportamentos de risco

O uso da palavra "acidente" é ainda menos apropriado para um evento que resulta numa sentença de tribunal, especialmente aquelas que envolvem penas de prisão. Sentenças de tribunal por condução perigosa, implicam que o padrão de condução foi muito abaixo do que seria esperado de um condutor competente e cuidadoso, como por exemplo circular a velocidade inadequada, ter existido um desrespeito deliberado de semáforos, ou a condução de um veículo com um defeito perigoso. Nestas circunstâncias, mesmo quando as colisões não são intencionais, chamar-lhes de “acidentes” é claramente inadequado.


O uso do termo "colisão" não contribui para a discriminação contra as vítimas de sinistros rodoviários

Os enlutados e feridos em sinistros não têm os mesmos direitos à informação ou apoio, como por vezes acontece com outras vítimas de crimes, mesmo quando um condutor é processado. Alguém ferido por um motorista alcoolizado, não é informado sobre a investigação, nem tem o mesmo apoio que por vezes é oferecido a vítimas de violência noutras circunstâncias.


O uso do termo "colisão" não agrava o sofrimento do luto

Os enlutados ou severamente feridos por um motorista imprudente não querem ouvir o incidente a ser descrito nos mesmos termos que "leite derramado". Muitos dos nossos membros enlutados consideram uma profunda ofensa que mortes na estrada continuem a ser descritas como 'acidentes' por instituições oficiais como a ANSR, meios de comunicação social ou mesmo políticos.


O uso do termo "colisão" não põe em causa os esforços de prevenção

Colisões têm causas e factores contribuintes, os acidentes têm desculpas. O uso da palavra "acidente" encoraja um sentimento de fatalismo, com menos recursos investidos nos esforços de prevenção, como resultado. É esta preocupação que explica muito do apoio mundial para esta mudança de terminologia, tal como se poderá ler a seguir.


Temos apelado para essa mudança na terminologia na última década em Portugal e não estamos sozinhos:


Mortes e ferimentos em estradas de todo o mundo são sem dúvida o desafio ao

desenvolvimento humano mais negligenciado. O vocabulário usado para descrever lesões de

trânsito ajuda a explicar esta negligência. Enquanto as mortes de crianças de, por exemplo,

malária, são vistos como tragédias evitáveis ??que podem ser erradicadas através da acção do

governo, mortes e lesões no trânsito são amplamente percebidos como 'acidentes'- eventos

imprevisíveis que acontecem de forma aleatória para as pessoas que têm a infelicidade de

estar no lugar errado na hora errada. Dr Kevin Watkins, The Missing Link: Road Traffic Injuries

and the Millennium Development Goals, Commission for Global Road Safety (2011) (1)


Esta publicação utiliza o termo "lesões não intencionais" em vez de "acidentes", já que "a

maioria das lesões e seus eventos precipitantes são previsíveis e evitáveis". O termo "acidente"

implica um evento imprevisível e, portanto, inevitável. National Institute for Clinical Excellence,

Strategies to prevent unintentional injuries among children and young people aged under 15 (2010) (2)


Reconhecemos o sofrimento que pode ser causado às vítimas e suas famílias, quando os

casos de má condução são referidos como 'acidentes'. Nós não vamos usar este termo. Nós

usaremos o termo "colisão" para se referir a todos os casos de má condução que implicam a

morte ou ferimentos graves. CPS, Prosecuting Bad Drivers Policy (2007) (3)


Muitas vezes, a segurança rodoviária é tratada como uma questão de transporte, e não uma

questão de saúde pública, e os ferimentos e mortos no trânsito são chamados "acidentes",

embora a maioria poderia ser evitada. Como resultado, muitos países colocaram muito menos

esforço para compreender e prevenir mortes e feridos no trânsito do que eles fazem para

estudar e prevenir doenças que fazem menos mal. Dr. Lee Jong?Wook, WHO Director General

on launching World Safe Roads Day (2004) (4)


Durante muitos anos, as autoridades de segurança e de saúde pública têm desencorajado o

uso da palavra "acidente" quando se refere a lesões ou os eventos que as produzem. Um

acidente é muitas vezes entendido como sendo imprevisível, uma ocorrência fortuita ou um

"ato de Deus" - e, portanto, inevitável. No entanto, a maioria das lesões e seus eventos

precipitantes são previsíveis e evitáveis. É por isso que o British Medical Journal decidiu proibir

a palavra acidente. Ronald Davis and Barry Pless, BMJ bans ‘accidents’. Accidents are not

unpredictable (2001) (5)


O Dicionário Oxford define um acidente como um evento que é sem causa aparente ou que é

inesperado. A sua utilização no contexto de mortes de crianças na estrada não poderia ser

mais inapropriada. Há mais conhecimento sobre quando, onde e porquê ocorrem colisões de

veículos com peões crianças, e quem vai morrer como resultado, do que para quase qualquer

outra doença na infância. Faria mais sentido falar de um caso de meningite acidental ou

leucemia acidental. Professor Ian Roberts, The Energy Glut: Transport and the Politics of

Fatness and Thinness6, 4th Annual TRIPP Lecture (2011) (6)


O conceito de "acidente" trabalha contra a congregação de recursos apropriados para

compreender o enorme problema que constitui as colisões de veículos. O uso contínuo da

palavra "acidente" promove a ideia de que as lesões resultantes são uma parte inevitável da

vida. Dentro do U.S. Department of Transportation’s National Highway Traffic Safety

Administration (US DOT/NHTSA), a palavra "acidente" não será mais usada em materiais

publicados e distribuídos pela agência. Além disso, a NHTSA não usará "acidente" em

discursos ou outras declarações públicas, nas comunicações com os meios de comunicação

social, indivíduos ou grupos no setor público ou privado. US National Highway Traffic Safety

Administration (1997) (7)


1 - http://www.makeroadssafe.org/publications/Documents/missing-link.pdf

2 - http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/13272/51621/51621.pdf

3 - http://www.cps.gov.uk/publications/docs/pbd_policy_english.pdf

4 - http://whqlibdoc.who.int/hq/2004/WHO_NMH_VIP_03.4.pdf

5 - http://www.bmj.com/content/322/7298/1320#alternate

6 - http://tripp.iitd.ernet.in/4thlecture%20ian%20roberts.pdf

7 - http://azbikelaw.org/blog/was-that-an-accident-or-a-crash/


Adaptado do texto original:

http://www.roadpeace.org/resources/Crash_not_Accident_May_11_2011.pdf


Data: 15 de Novembro de 2015