Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada 2004

Comunicado de 2004/11/21

Este é a terceira vez que o Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada se celebra no nosso país. Isso não significa que, antes, não houvesse motivos para a sua realização. Muito pelo contrário, como sabemos. Morreram mais pessoas em desastres rodoviários no século XX que em todas as guerras em que Portugal se viu envolvido. Só nos últimos 30 anos as estradas vitimaram 50 000 portuguesas e portugueses, fizeram mais de 250 000 traumatizados profundos, e afectaram pelo menos 300 000 famílias. É uma verdadeira epidemia. Não uma epidemia viral, mas uma epidemia social. Um terrível problema de saúde pública com que Portugal tem preferido não se confrontar seriamente. Um trauma colectivo que é mais que a soma dos muitos milhares de traumas particulares sofridos.

Infelizmente, levamos demasiado tempo a acordar para a realidade. Levamos mais tempo do que seria aceitável a despertar para os dramas, para as tragédias. Por isso, queremos encarar a celebração do Dia da Memória como o toque de despertador de uma sociedade ainda inconsciente da dimensão do pesadelo dos traumas rodoviários. Sabemos que pessoas com responsabilidades públicas, aconchegadas no conforto dos gabinetes oficiais, continuam adormecidas, e, demagogicamente, se deixam embalar por um discurso vicioso: temos de ser optimistas, dizem; as coisas estão a melhorar, dizem; não podemos ser Velhos do Restelo, dizem.

Ao promover esta celebração, nós respondemos: nós não queremos ser profetas da desgraça. Aliás, de profetas temos muito pouco. À desgraça, limitamo-nos a constatá-la. E, a ser profetas, somo-la da esperança, porque acreditamos que não só é preciso como é possível mudar o actual estado das coisas da estrada. Foi em nome da vida que foram criadas todas as associações que integram a Estrada Viva - Liga contra o Trauma, responsável colectivo pela organização desta cerimónia. Para os profissionais da demagogia, que confundem poeira nos olhos com optimismo, a realização do Dia da Memória é uma estranha forma de celebrar a vida. Estranha para alguns, somos os primeiros a admiti-lo, mas não para nós. Não para muitos que, como nós, acham que a vida se celebra lembrando os que, por motivos inaceitáveis, já não estão entre nós. Pedindo-lhes, de certo modo, o auxílio que não tiveram, para evitar a todos nós um futuro de chumbo.

No Dia da Memória queremos dizer aos nossos mortos que não os esquecemos - e dizemos aos vivos que é possível prevenir melhor, que é possível intervir melhor, que é possível tratar melhor o trauma rodoviário. E que estamos prontos a dar o nosso contributo para que isso aconteça. Neste dia, queremos também dizer que não acreditamos nos profetas do conformismo que nos querem convencer de que assim está bem, que os factores da violência na estrada são tão vagos que não podem ser identificados, que é uma questão cultural, um problema geracional, que as coisas são mesmo assim, que o Estado não pode fazer nada mais que o possível, que nenhuma entidade pode ser responsabilizada, que não há outro remédio.

A Estrada Viva - Liga contra o Trauma tem um projecto para Portugal. Não é um projecto feito de propaganda ideológica, nem de demagogia política. O nosso projecto é simples e construtivo:

  • pretendemos dar o nosso melhor para evitar mortes, dores e sofrimentos desnecessários e evitáveis;
  • pretendemos lutar contra a desresponsabilização institucional e a inconsciência individual, que são os principais factores dos desastres rodoviários;
  • pretendemos não esquecer os que morreram, porque o respeito pela sua