Comunicado
2004/05/04
Um túnel da morte no Marquês?
A presidência da CML anunciou, na semana passada, que pretende recorrer da decisão do Tribunal de obrigar à realização de um estudo de impacte ambiental ao projecto do Túnel do Marquês.
Sugere ainda que os cidadãos e associações que questionam a construção – nos termos presentes – do túnel do Marquês, o fazem por estarem a soldo da oposição partidária ao executivo camarário.
Isto choca-nos e entristece-nos. Uma questão cívica e administrativa não devia ser transformada em jogo de chicana política.
No que diz respeito à ACA-M, queremos deixar claro que os nossos objectivos sempre foram, e sempre serão, lutar contra a sinistralidade rodoviária e por uma maior responsabilização de cidadãos e instituições no que concerne à segurança nas ruas e estradas. É isto que está estipulado nos nossos estatutos e é essa a nossa única motivação para existir como associação.
Somos, reconhecidamente, uma associação sem ligações partidárias. Vários dos nossos associados e associadas votaram aliás no actual executivo camarário.
Lançar este tipo de suspeições é grave, mas infinitamente menos grave que a intenção da CML de recorrer da ordem do tribunal.
Porque afinal o que está em causa?
O Tribunal decidiu que houve leviandade da autarquia ao não mandar realizar estudos técnicos antes de lançar uma obra ambiciosa e “estruturante” como é a do túnel do Marquês.
Não esqueçamos que se trata do maior túnel de Lisboa (1300 metros), a construir em zona sensível, a 60cms de um túnel do Metro construído em abóbada por compressão há 40 anos, com uma inclinação que contraria tudo o que são normas e recomendações técnicas internacionais sobre segurança rodoviária em túneis, sem tubo duplo, sem escapatórias em rampa e demasiado estreito para permitir a passagem de veículos de emergência em situação de desastre ou incêndio.
A CML admitiu em julgamento que não realizou os estudos necessários, e por isso o tribunal obrigou a autarquia a realizá-los, para assegurar aos cidadãos, sem sombra de dúvida, que o túnel do Marquês será seguro. Trata-se, sobretudo, de prevenir a possibilidade de ocorrência de um incêndio de grandes proporções ou de um desastre com consequências trágicas no interior do túnel.
O Tribunal Administrativo e Fiscal veio dizer: “há uma saída para esta trapalhada: pare-se a obra e façam-se os estudos– se fizermos o necessário para evitar que alguém morra ou fique estropiado ou queimado para a vida, então terá valido a pena gastar o meio milhão de euros que o empreiteiro tinha dito que custará parar a obra,”.
Todos esperávamos que a CML visse esta ordem judicial como uma oportunidade de ouro para poder mostrar que põe o interesse, a segurança e o direito à vida dos cidadãos acima da volúpia de realizar “obra de regime”.
Mas, surpreendentemente, o que vemos acontecer?
A presidência da CML começa por falar de legitimidade democrática para construir como entende. Depois anuncia, sem explicar como ou porquê, que o custo da paragem das obras é de um milhão de euros – o dobro que o empreiteiro tinha reclamado. E, finalmente, decide que irá recorrer da decisão do Tribunal.
Mas porquê? Vejamos:
Sabemos que a CML não realizou estudos para comprovar se o túnel é seguro.
Sabemos que o túnel tem uma inclinação que é praticamente o dobro do que é internacionalmente permitido.
Sabemos que os testes técnicos internacionais chumbam os túneis urbanos com grande inclinação e curvas apertadas, demasiado estreitos, com tubo único e sem escapatórias em rampa, sobretudo quando são longos (com mais de um quilómetro e sujeitos a congestionamento).
E sabemos que, se alguém morrer ali, o custo do valor-vida – a valores de 1997 – será superior a um milhão de euros. Se alguém ficar ali queimado ou paralisado para a vida, então o custo que o estado suportará será pelo menos 5 vezes superior – 5 milhões de euros.
Porque é que a Presidência da CML – e a Secretaria de Estado do Ambiente – têm medo de estudos cujo objectivo é tranquilizar os cidadãos quanto à segurança do túnel, e quanto à boa-fé de quem o mandou construir?
Sejamos claros:
Um estudo de impacte ambiental em pleno centro de Lisboa não irá certamente verificar se os pardais e as flores do Marquês estarão ameaçados pela poluição ecológica.
Um estudo de impacte ambiental vai avaliar se o túnel cumpre os requisitos mínimos de segurança. Vai verificar se ele pode ser aberto ao público sem causar ou potenciar riscos desnecessários de incêndio ou acidente, que ponham em causa a segurança e a vida dos seus utilizadores. É tão simples quanto isto.
Não é apenas uma questão de credibilidade política que está em causa aqui. É querermos saber se, no caso do túnel do Marquês, estamos ou não perante um crime rodoviário de dimensões tão graves e dolosas quanto a construção do IP5, a “estrada da morte” que ceifou mais de 350 vidas porque um político preferiu poupar dinheiro e cumprir calendários eleitorais, em vez de construir uma estrutura segura e sem declives excessivos.
Compreendemos que a decisão do tribunal possa, a quente, ter causado uma reacção emocional na presidência da CML e de alguns dos seus apoiantes. Mas há que ter o sangue-frio necessário para distinguir o essencial do acessório. Por isso, porque queremos garantir que o túnel do Marquês será seguro, deixamos aqui um pedido:
Mande fazer o estudo, Senhor Presidente da CML!