Comunicado

Fazer túneis a olhómetro

2004/04/06

Acabo de ler um documento extremamente significativo sobre o modo como o estado português, representado pelo Instituto de Estradas de Portugal (IEP), participou na Comissão Internacional de Peritos das Nações Unidas que elaborou, em 2000-2001, um conjunto de exigências técnicas a cumprir para garantir a segurança em túneis rodoviários.

Foi, note-se, a partir do Relatório desta Comissão Internacional que a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu elaboraram a proposta de Directiva sobre Requisitos Mínimos de Segurança em Túneis, que se encontra agora em vias de aprovação.

O documento de trabalho em causa, o TRANS/AC.7/2001/8, de 8 de Janeiro de 2001, reporta as respostas das autoridades de gestão das estradas de vários países europeus a um questionário sobre segurança de túneis.

O Eng. Mário F. Oliveira, em representação do IEP, informava, então, a Comissão que:

  1. Não há em Portugal quaisquer normas, recomendações ou legislação sobre segurança em túneis;
  2. As medidas que a Comissão Internacional de Peritos elaborou são, para Portugal, suficientes e satisfatórias;
  3. O IEP e o estado português não parecem considerar propor alterações à proposta dos peritos;
  4. Não há metodologias para análise e gestão do risco de acidentes e incêndios em túneis, em Portugal;
  5. Portugal não tem, nem considera vir a ter, qualquer classificação dos túneis, em função do seu grau de risco;
  6. O IEP não dispõe de informação estatística ou outra sobre incêndios, acidentes ou avarias, ocorridos em túneis portugueses.

Este documento é importante porque:

  • Mostra que o estado português constrói (e autoriza a construção de) túneis sem atender suficientemente à segurança dos seus utentes;
  • Mostra que o estado português não produz, nem requer, análises de risco prévias à elaboração dos projectos-base das obras dos túneis, e portanto não tem qualquer ideia sobre se um túnel terá viabilidade económica (isto é, se o custo de potenciais acidentes, avarias e incêndios, é ou não compensado pelos benefícios económicos decorrentes da sua abertura);
  • Mostra, por fim, que o estado português está satisfeito com as medidas propostas pela Comissão Internacional de Peritos da UNECE sobre Segurança em Túneis, e avaliza-as plenamente como futura legislação de referência para salvaguarda da segurança em túneis.

Nem que fosse por esta razão, a construção do “Túnel do Marquês”, em Lisboa, é ilegítima, atentatória das normas internacionais aceites pelo estado português, e dolosamente negligente, já que – entre outras características perigosas, tem uma pendente máxima de 9,4% - ou seja, 5,9% mais que o máximo recomendável pelos peritos, e 4,4% mais que o máximo permitido pela pré-directiva comunitária sobre segurança em túneis.