Comunicado e Conferência de imprensa

2003/7/24

Sobre a campanha "Vamos acabar com os pontos negros"

Quando, em 25 de Março último, lançámos a campanha "Vamos acabar com os pontos negros", pretendíamos:

  • levar os utentes das vias rodoviárias a participar activamente na identificação e resolução de "pontos negros", de preferência antes que alguém chegue a morrer neles;
  • pressionar a administração pública a tomar, urgentemente, medidas de resolução dos "pontos negros" das estradas, com base nos direitos concedidos aos cidadãos no Código do Procedimento Administrativo e legislação complementar;
  • levar os cidadãos a serem mais conscientes dos perigos da condução, e o Estado a ser mais responsável no que respeita à segurança e à vida dos cidadãos.

Para a ACA-M, e para qualquer pessoa de bem, a perda diária de vidas humanas e, no caso dos sobreviventes, de mobilidade e saúde moral é, a todos os níveis, inaceitável. O nosso objectivo como grupo de cidadãos que se auto-mobilizaram para a paz rodoviária é procurar impedir que a violência e a irresponsabilidade impune continue a fazer um número tão inadmissível de vítimas nas estradas.

Nesta perspectiva consideramos os "pontos negros" como locais que, por irresponsabilidade pública, atraem frequentemente a tragédia individual. Os "pontos negros deveriam, mais correctamente, ser chamados "locais de acumulação de irresponsabilidades". Aqui, os desastres surgem quando, às falhas colectivas de concepção e de manutenção da estrada (por incúria do Estado ou de outras entidades responsáveis), se vêm juntar os erros de individuais da condução (geralmente por inconsciência ou imprudência suicida e assassina dos cidadãos).

Infelizmente, os gestores das estradas só identificam um local perigoso como "ponto negro" depois, e não antes, de algumas vidas lá ter sido sacrificadas e de várias famílias terem sido destruídas. É contra esta forma de proceder que a nossa iniciativa foi concebida.

A campanha "Vamos acabar com os Pontos Negros" completa amanhã, dia 25 de Julho, quatro meses de actividade. Recebemos até ontem 1327 participações (cerca de 330/mês) de cidadãos que considerámos relevantes e passíveis de originar processos administrativos deferíveis.

Cruzámos informação, identificámos os locais, procurámos na medida do possível confirmar a relevância das queixas, e elaborámos, até agora, cerca de 600 requerimentos, geralmente enviados não apenas à autoridade directamente responsável pela resolução do problema identificado mas também em cópias de conhecimento a outras entidades interessadas no processo (por exemplo, a uma autarquia, com cópia de conhecimento a uma junta de freguesia e ao IEP). O distrito de Lisboa continua a ser origem de cerca de metade das participações, e do concelho de Lisboa, mais propriamente, vem 1/4 do total de queixas. Também 1/4 das queixas respeitam a estradas sob jurisdicção do IEP. A distribuição pelo tipo de queixas é bastante equilibrada (como se poderá aferir na documentação entregue).

A resposta das autarquias e restantes organismos (IEP, concessionárias, juntas de freguesia) às nossas participações, feitas sob forma de requerimento, tem sido genericamente positiva. Na maioria dos casos, não é necessário sequer insistir para obter resposta ou acusação de recepção. Quanto às entidades em falta, estamos a pressioná-las no sentido de:

  1. acusarem recepção dos nossos requerimentos,
  2. nos informarem das decisões e dos actos já praticados tendo em vista a resolução dos problemas,
  3. indicarem que medidas provisórias serão tomadas até à conclusão do procedimento.

Apesar de extenuante para nós, temos conseguido, também, oferecer aos meios de comunicação que patrocinam a iniciativa (SIC, TSF, DN, AutoHoje e AutoMagazine) informação abundante, sistemática e actualizada sobre problemas de concepção e manutenção nas ruas e estradas de todo o país. Criámos assim uma base de dados relacional que abarca todo o país e mostra bem que só por grande cegueira ou extrema hipocrisia se pode afirmar que a rede viária portuguesa é de boa qualidade.

Este serviço público que estamos a prestar – de mediação entre a comunidade de utentes das estradas e as autoridades responsáveis pela sua gestão – tem, infelizmente esbarrado com o silêncio arrogante e, cremos, comprometido de duas entidades: o Instituto de Estradas de Portugal e a Câmara Municipal de Lisboa.

Estes dois monstros de burocracia, de sobreposição de atribuições, de descoordenação e inadequação, têm a seu cargo realidades viárias demasiado abrangentes e complexas para as suas estruturas de funcionamento. Incapazes de prestar um serviço de qualidade suficiente à comunidade que é a sua razão de existir, têm reagido de modo defensivo e autista, desconsiderando os cidadãos que a eles se dirigem. Mas, ao fazê-lo, ao não responder aos requerimentos que recebem, não estão apenas a ser eticamente desrespeitosos. Colocam-se em situação de incumprimento do Código de Procedimento Administrativo, que é o garante dos direitos dos cidadãos perante a máquina do estado.

Desde o início da nossa actividade que insistimos que só um estado responsabilizável pode exigir dos utentes do meio rodoviário responsabilidade, civismo e cumprimento escrupuloso das regras. Sem intervenção responsável do estado, a guerra civil nas estradas continuará a destruir o tecido social do país. O agravamento das sanções penais aos criminosos rodoviários, o aumento da eficácia do policiamento e a repressão dos comportamentos rodoviários cobardes e presunçosos, são parte importante desta luta. Mas como é que a administração pública pode ser vista como uma "pessoa de bem" quando mantém uma rede viária que armadilha, nos cruzamentos, curvas, rotundas e passadeiras, os condutores e os peões?

Pela nossa parte, com a continuação desta campanha, pretendemos que os gestores do sistema rodoviário promovam activamente a segurança e o direito à vida de quem o utiliza. Para isso, continuaremos a usar o Código de Procedimento Administrativo até às últimas consequências. Se formos suficientemente persistentes, os funcionários do IEP e da CML acabarão por reconhecer que estas instituições só existem para valorizar o interesse público, proteger os direitos dos cidadãos e para colaborar com quem pretende participar em decisões que lhes dizem respeito. E acabarão por aceitar que têm, em relação a todos nós, um dever legal de eficiência, justiça e celeridade.

Uma palavra, ainda, de balanço da sinistralidade grave nos últimos meses.

O objectivo do Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, apresentado publicamente a 1 de Março, é de promover uma redução anual média de 6,3% do número total de mortos nas estradas, de modo a conseguir reduzir em 50% o número de mortos até 2010. Trata-se de uma exigência da Comissão Europeia à qual o governo português não tem grande margem de manobra.

Os responsáveis esperam conseguir tal redução sem aumentar os recursos financeiros, materiais e humanos das polícias e dos serviços de urgência médica, sem melhorar o funcionamento da justiça nem agravar o crime rodoviário, sem avançar com um plano urgente de eliminação dos "pontos negros" das estradas e ruas do país. As entidades responsáveis (governo, polícias, DGV) congratularam-se porque, nos primeiros seis meses do ano, houve uma redução de 10% em relação a igual período de 2002 – o ano, não esqueçamos, em que a mortalidade aumentou em vez de descer (o que não acontecia desde 1995).

Convenhamos que o objectivo é medíocre: no último ano, desde que entraram em vigor as novas medidas penais e policiais em França, houve uma redução de 18% do número de mortos. Na verdade, quando Portugal tiver reduzido em 50% o número de mortos nas estradas, em 2010, terá garantido ficar na cauda da Europa.

Convenhamos, finalmente, que o objectivo é fantasioso: como podemos reduzir em 50% um número que não conhecemos à partida? É sabido que há uma variação inadmissível entre os dados das polícias, dos bombeiros e INEM e da DGV. E é sabido que quando um sinistrado morre no hospital, dois dias depois do acidente que o vitimou, não entra para as estatísticas oficiais da sinistralidade rodoviária (um acréscimo presumido de 15% a 30% –estamos a falar de 200 a 400 pessoas que ficam fora das estatísticas oficiais).