Balanço 2002

Já muito se disse e se escreveu sobre a sinistralidade rodoviária no ano que agora termina.

O que se tem passado em 2002 merece de facto séria atenção. Um balanço deve ser feito com urgência, para que possamos compreender o que se tem passado nas estradas portuguesas (e nos vários corredores do poder) e para que possamos vislumbrar soluções (políticas) para este terrível problema.

Este foi o ano em que Portugal se tornou o único país do mundo em que alguma vez a taxa de alcoolemia permitida ao volante subiu em vez de descer. Esta triste originalidade demonstrou que grande parte da nossa classe política não percebeu ainda que Portugal já não está “orgulhosamente só”: com efeito, a Assembleia da República votou a revogação da lei que reduzia a taxa de alcoolemia sem qualquer noção do impacto que tal deliberação poderia ter em termos internacionais e do incrível argumento que ofereceu aos poderosíssimos lobies multinacionais dos comerciantes de bebidas alcoólicas (ver cartas de organizações internacionais).

Este foi também o ano em que a redução constante da taxa de mortalidade, que se verificava desde 1996, foi suspensa e, até hoje pelo menos, invertida. A este propósito, a ACA-M lembra que não há razão para nos regozijarmos com a súbita "melhoria" do índice de mortalidade rodoviária nos meses de Novembro e Dezembro deste ano, por relação ao ano passado. Sendo verdade que passámos de + 65 mortos em Outubro para + 14 mortos em meados de Dezembro, não podemos deixar de ter em conta que os meses de Novembro e Dezembro do ano passado foram particularmente catastróficos. Com efeito, a tendência de descida que se verificou durante todo o ano de 2001 foi subitamente no final do ano alterada:

Em Novembro 2001 houve mais 32 mortos que em Novembro de 2000 (e mais 6 que em 1998); em Dezembro 2001, houve mais 42 mortos que em Dezembro de 2000.

Infelizmente, as autoridades rodoviárias ainda não avançaram nenhuma explicação para tantas mortes. Na perspectiva da ACA-M, este dado deve ser relacionado com a suspensão da taxa de 0,2 g/l de alcoolemia pela Assembleia da República em Outubro de 2001 e com o facto de o novo governo ter demorado demasiado tempo a afirmar a sua autoridade nas estradas, o que levou a que aumentassem os comportamentos de risco por parte de muitos condutores.

Como se estas originalidades não tivessem bastado para fazer de 2002 um ano de má memória nas estradas portuguesas, a campanha de fiscalização rodoviária da GNR para a época natalícia arrancou prejudicada pelo escândalo das detenções na Brigada de Trânsito e pelo facto de várias inovações prometidas ainda não estarem em funcionamento (o pagamento automático de multas e o cruzamento das bases de dados em tempo real, em particular).

Mas nem tudo é negativo: o governo prepara finalmente um Plano Nacional de Prevenção Rodoviária mais detalhado que o antigo PISER. E, pela primeira vez, a segurança dos peões começa a ser considerada uma questão prioritária, para o governo, pelo menos. Por outro lado, face ao incompreensível auto-apagamento da Prevenção Rodoviária Portuguesa, várias entidades privadas têm promovido activamente acções de prevenção e educação: a APSI, a Shell, a CR&M, o LIDL, a Brisa, a TCS, e mesmo a ACA-M.

Por falar de originalidades, noto que pela primeira vez foi celebrado em Portugal o Dia Europeu da Memória das Vítimas das Estradas, por iniciativa da ACA-M, com o apoio de diversas entidades, das quais devo destacar a associação Nossa Âncora, ACP, PRP, TCS, e FCB, e a generalidade da Comunicação Social, que aceitou o repto por nós feito de alertar para o facto de a morte na estrada não causar apenas vítimas directas, mas ser um terrível factor de destruição das famílias portuguesas.

É, aliás, em consequência desta iniciativa que lançámos, com o patrocínio da DGV, a campanha “2 000 famílias destruídas em cada ano”, que recorre a vários suportes, concebidos pela Inforfi e pela Sonomage: anúncios televisivos e radiofónicos, publicidade em jornais e revistas, e – com particular relevância – os anúncios que estão colocados nas traseiras dos autocarros de Lisboa, Porto e Braga.

Esta iniciativa foi apenas possível graças ao empenhadíssimo apoio da TCS e ao envolvimento pessoal do Dr. Helder Oliveira, presidente da Carris, e do João David Nunes, administrador da MCExteriores. A eles gostaria de expressar o profundo reconhecimento da ACA-M.

Direcção da ACA-M

Lisboa, 2002/12/23