Entre o registro erudito e o regional (estilo misto ampliado exemplarmente no romance Grande Serto: Veredas), entre a sintaxe rigorosa e a sincopada, a semntica oficial e o neologismo, crticos tm notado que Rosa trata a lngua portuguesa tal como o pai de seu conto: "perto e longe de sua famlia dele".[6]

Sem, no entanto, abdicar de elementos realistas, a narrativa de "A Terceira Margem do Rio" se compe de aes em suspenso e suspeita.[8] Guimares Rosa usa de indeterminaes das tcnicas das representaes e mesmo de mediaes lgicas familiares ao leitor, flertando com ou mesmo assumindo a prosa potica.[9]


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Sobre a oralidade, o crtico literrio Paulo Rnai, em artigo de fevereiro de 1966 sobre os contos de Primeiras Estrias e a obra geral de Guimares Rosa, observa que os contos de Primeiras Estrias "porejam modismos e frmulas que estamos habituados a ouvir na boca de pessoas do povo e que, em seu frusto vigor, do fala popular sabor e energia deliciosos", destacando, por exemplo, as frases de "A Terceira Margem do Rio": "Nosso pai nada no dizia.", "Do que eu mesmo me alembro", "Nossa casa, no tempo, ainda era mais prxima do rio, obra de nem quarto de lgua", "perto e longe de sua famlia dele", "avisado que nem No".[10] Rosa, assim, no seria um escritor que meramente reproduz a linguagem popular, pois tambm lana mo de neologismos, numa arte que, para Rnai, torna-se "to provocativamente original".[11] Destaca outras frases dos outros contos do livro junto s frases "a alguma recomendao" e "pelas certas pessoas", presentes no "A Terceira Margem do Rio", para notar o uso do artigo definido na frente dos adjetivos indefinidos, prtica comum na aparncia popular e regional e no estilo oral.[11]

Como dito anteriormente, Rosa no s retrata um falar popular e sertanejo, como tambm inventa novas palavras e termos em suas obras. Em "A Terceira Margem do Rio", o neologismo "diluso" uma variante possvel de "diluto", "diludo".[12]

A dicotomia entre a necessidade e a liberdade est em textos de Marx, como nos Manuscritos Econmico-Filosficos de 1844 e no terceiro livro de O Capital (publicado postumamente em 1894 por Friedrich Engels), sendo o reino da liberdade um sinnimo para a sociedade comunista; assim, os elementos religiosos do conto so encarados por Bosi da seguinte maneira:

A leitura social de "A Terceira Margem do Rio" discute tambm o quanto o pai do conto encarna a fora do patriarcado e a desestruturao da famlia a partir de seu desvio e distanciamento.[16] A distino entre a suporta submisso do pai ("homem cumpridor, ordeiro, positivo, s quieto") em relao me e sua suposta supremacia ("nossa me era quem regia") so discutidos ou at contestados.[17] O tio, irmo da me, que vem ajudar na fazenda e nos negcios, encarna o papel da marcha do capital.[18]

Em seu artigo de crtica literria de 1966, Paulo Rnai conclui que "A Terceira Margem do Rio" trata da alienao que "aceita como parte dolorosa da rotina da vida quando se declara paulatinamente".[19] O narrador do conto iria se contagiando com a demncia do pai.[20]

Leyla Perrone-Moiss, por sua vez, em seu artigo "Para atrs da serra do mim", embasada em estudos foucaultianos, freudianos e lacanianos, empreende uma perspectiva transcendente por meio da anlise do inconsciente do personagem, do tpico da loucura e do "fim do pacto social".[21] De acordo com esta interpretao, "A Terceira Margem do Rio" seria a margem de conciliao entre razo e loucura e do entendimento realizado pela quebra da racionalidade:

Muito comuns na fortuna crtica de "A Terceira Margem do Rio" so as leituras e interpretaes transcendentais, teolgicas e msticas do conto, a partir da simbologia que o rio representa e sobretudo pelo inslito da narrativa, diante do absurdo e da falta de maiores detalhamentos e explicaes pelo narrador a respeito dos motivos da fuga de seu pai. preciso considerar, tambm, que o realismo da ao em "A Terceira Margem do Rio" decididamente duvidoso,[23] na medida em que o pai, contra as limitaes materiais reais, permanece na canoa por tempo longo demais, at o incio da velhice do filho. Estudos de Alfredo Bosi, que, conforme vimos, trabalha sobretudo a partir do socioeconmico, e de Leyla Perrone-Moiss, que parte de certos autores da psicanlise ou da histria da psicologia, so dois dos mais conhecidos neste aspecto, analisando as possibilidades de transcendncia da histria de Guimares Rosa.[24]

Bosi, em seu Cu, inferno: ensaios de crtica literria e ideolgica, afirma que o personagem movido para o devir da fantasia por meio de um vazio e, baseado na fenomenologia do esprito de Hegel, o eixo interpretativo se estabelece, primeiro, acerca do deslocamento absoluto, segundo, sobre a profunda piedade do vivido, terceiro, da neutralizao do conflito.[25] Assim, Bosi fixa o sentido do texto de modo teolgico e o conto sintetizado como a passagem do inferno ("necessidade") para o reino celeste ("liberdade"), em que o absurdo inicial resolvido pelo desenrolar da narrativa.[25] No entanto, preciso considerar que a leitura de Bosi no se pretende puramente religiosa tampouco estritamente mstica nem estritamente transcendental ou teolgica, j que, conforme vimos, os termos dicotmicos "reino da necessidade" e "reino da liberdade" (sendo este ltimo um sinnimo para a sociedade comunista) so encontrados em Karl Marx, nos Manuscritos Econmico-Filosficos de 1844 e no terceiro livro de O Capital (1894), a partir dos quais Bosi parte e retorna de maneira central. Portanto, o prprio Bosi conclui o seguinte:

Outra vertente interpretativa de "A Terceira Margem do Rio" a que associa o conto a referncias bblicas e mitolgicas.[26] O mito bblico de No citado pelo prprio narrador para se referir como certas vizinhanas passaram a enxergar seu pai em face de mudanas na natureza: "(...) as falsas conversas, sem senso, como por ocasio, no comeo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que no estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem No, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado (...)"[27]

No entanto, grande parte dos estudiosos e crticos refutam tal interpretao por consider-la estreita e forada, e mostram que, embora exista no conto a ideia do isolamento do sujeito na canoa, a histria de Rosa, ao contrrio da ocorrncia do mito e da referncia crist, no possui a perspectiva do ser herico da salvao.[26]

A respeito dos estudos da perspectiva da mitologia clssica, o conto tem sido associado travessia grega de Caronte, divindade infernal, velho, seminu, de expresso sombria e sinistra, barqueiro cuja funo era fazer as almas dos mortos atravessarem o Aqueronte, rio que as separava dos infernos, para atingirem sua morada definitiva.[29] Em determinado momento de "A Terceira Margem do Rio", o filho narrador conta a respeito do pai: "[...] Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos plos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peas de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia [...]" Outro rio significativo na mitologia grega o Estige, que percorria a regio infernal e tinha ambgua ou dupla caracterstica: enquanto alguns autores, tanto antigos quanto modernos, o atribuem carter ruim, envenenando homens e animais, no mito de Aquiles este mergulhado pela me Ttis para que as guas do rio o tornassem invulnervel e imortal.[30]

Crticos como Joo Adolfo Hansen (em seu Forma literria e crtica da lgica racionalista em Guimares Rosa) apontam que "A Terceira Margem do Rio" escapa das formas tradicionais do conto e mesmo do pensamento. Na mesma esteira, inclusive utilizando-se teoricamente de Hansen, Brbara Del Rio, em "A Potica Moderna em 'A Terceira Margem do Rio', de Joo Guimares Rosa", expe rapidamente a diversa fortuna histrico-crtica da obra de Guimares Rosa e de Primeiras Estrias, empenhando-se em demonstrar que, em Rosa e em "A Terceira Margem do Rio", os dispositivos de "indeterminao" do sentido e de elementos narrativos da histria configuram uma "potica moderna" que contradiz as leituras transcendentais ou msticas recorrentes nas interpretaes do conto.[31] Tal viso parte das definies de modernidade e modernismo do livro Modernismo - Guia Geral 1890-1930, cujos autores Malcolm Bradbury e James MCfarlane associam tais termos ao advento de "uma nova era de alta conscincia esttica e no-figurativismo, em que a arte passa do realismo e da representao humanista para o estilo, a tcnica, a forma espacial em busca de uma penetrao mais profunda da vida".[32] A obra moderna, para tais autores, "a arte decorrente do princpio de incerteza, de destruio da civilizao da razo, do mundo transformado e reinterpretado pelo capitalismo e pela continua acelerao industrial, da vulnerabilidade existencial falta de sentido ou ao absurdo".[33]

Essa leitura chama a ateno para os paradoxos que compem a linguagem do conto, e mesmo de outros escritos de Rosa. Os exemplos "ir a lugar nenhum", "aquilo que no havia, acontecia" e outros dispem da lgica racional, mas logo se contrariam, demonstrando um lugar potico, ou seja, "a terceira margem, aquela que no a sntese das outras duas, mas a o da no fixao plena dos sentidos e da significao".[38] Aqui, haveria algo de comum entre o filho de "A Terceira Margem do Rio" e o Riobaldo de Grande Serto: Veredas: ambos buscam esclarecimentos, mas a narrativa perfaz o contrrio em um movimento que, segundo Hansen, faz das "coisas nomeadas encontrar seu sentido artisticamente superior no movimento mesmo do devir dos seus conceitos, indeterminando a exterioridade de suas definies esquemticas para apanh-las na durao do seu ser na intuio acima do movimento".[39][40] Assim, de acordo com Arajo, a forma da narrativa roseana "segue mesmo a lgica do mundo que resiste a qualquer classificao e acaba por na impossibilidade de escolher entre isso e aquilo, de chegar a uma resposta decisiva, nica e final. Tudo ali duplo, antagnico, divisvel e ambguo, tendo como marca a dilacerao do mundo e do sujeito moderno.".[41] 152ee80cbc

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