Orgulho e resistência: 7ª Parada LGBTQIA+ da UnB 

Estudantes, docentes e coletivos se reuniram na terça-feira (4/7) para o evento que marcou o fim da Semana do Orgulho LGBT de 2023 

Por Bianca Feifel e Fernanda Fonseca

A 7ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ foi organizada pela Coordenação da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) em parceria com o Núcleo de Estudos de Gênero e Diversidade Sexual (Nedig) | Fernanda Fonseca/Campus Multiplataforma

A Universidade de Brasília (UnB) realizou sua 7ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ na terça-feira (4/7). O evento ocorreu no Campus Darcy Ribeiro, na Asa Norte, e marcou o último dia da Semana do Orgulho LGBT de 2023, iniciada em 23 de junho. 

A iniciativa foi organizada pela Coordenação LGBTQIA+ da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) em parceria com o Núcleo de Estudos de Gênero e Diversidade Sexual do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Nedig/Ceam). 

Ao Campus Multiplataforma, a psicóloga da Coordenação de Atenção Psicossocial da Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Coap/Dasu) Isabel Amora afirmou que a parada é um momento "muito importante" para a comunidade LGBTQIA+ da UnB. 

“Não só para celebrarmos o nosso orgulho, mas celebrar toda a resistência e a luta que a população LGBTQIA+ tem passado durante todos esses anos. Também é um momento de exigir políticas públicas da Universidade e do governo”, disse. 

"É um momento de exigir políticas públicas da Universidade e do governo", destacou a psicóloga da Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária Isabel Amora (foto) | Fernanda Fonseca/Campus Multiplataforma

A Parada LGBTQIA+ da UnB acontece desde 2015. Antes, era organizada pela Diretoria de Diversidade (DIV). Em 2022, a DIV deu lugar à Secretaria de Direitos Humanos, que hoje é responsável, em parceria com outras entidades, pelos eventos do Mês do Orgulho sediados no campus.

Segundo a secretaria, a estrutura tem como missão conscientizar, criar e garantir o cumprimento da Política de Direitos Humanos da UnB, entre eles, promover políticas voltadas à comunidade LGBTQIA+. 

Para Célia Salem, coordenadora do núcleo LGBT da SDH, “a semana do orgulho é sempre um momento de visibilidade para mostrar que existem identidades diversas e que o mundo não é só cisheteronormativo".

"Esse movimento acontecendo na UnB é para também mostrar que a universidade é diversa e composta por pessoas LGBTQIA+, que muitas vezes são invisibilizadas”, declarou ao Campus

Conquistas 

Em 2017, atendendo a uma demanda antiga de coletivos da comunidade acadêmica, o Conselho de Administração (CAD) da UnB aprovou uma resolução que assegurou o direito ao uso do nome social em documentos oficiais e em atividades acadêmicas da Universidade aos estudantes transgêneros e travestis que ainda não têm seus documentos retificados. 

“A aprovação dessa resolução é um avanço no enfrentamento à transfobia institucional, contribuindo para a promoção do direito à identidade de gênero das pessoas travestis e transexuais e o respeito à diversidade no ambiente universitário”, afirmou, em comunicado, a então Diretoria da Diversidade. 

O nome social é a forma como a pessoa se auto identifica e é socialmente reconhecida, já que aquele que consta no registro civil não reflete sua identidade de gênero. 

Na UnB, o nome social pode ser requerido a qualquer momento, mediante preenchimento de formulário, na Secretaria de Assuntos Acadêmicos (SAA) no caso de alunos da graduação e pós-graduação e no Decanato de Gestão de Pessoas (DEG), quando se trata de servidor da universidade. 

Embora a resolução seja considerada uma grande conquista para os estudantes trans e travestis, servidores da UnB relatam que o direito não é totalmente respeitado pela comunidade acadêmica, inclusive por professores. Para Amora, por exemplo, ainda faltam campanhas de conscientização sobre o tema.

“Ainda escutamos casos de violações de nome social. A SDH tem a coordenação LGBT que acolhe essas denúncias de todo tipo de LGBTfobia que possa acontecer dentro da comunidade universitária em qualquer um dos campi”, disse. 

Já em 2021, o CAD aprovou outra resolução, desta vez instituindo cotas para pessoas trans nos estágios não obrigatórios oferecidos pela UnB. Do total de vagas 30% são reservados para estudantes negras e negros, 10% para estudantes com deficiência, 2% para travestis e transexuais e 1% para estudantes indígenas.

Para ampliar o acolhimento da diversidade sexual e de gênero na universidade, a UnB também oferece atendimento psicossocial específico à população LGBTQIA+ da instituição.

Partindo do entendimento sobre como a exposição à violência, preconceito e rejeição podem impactar a saúde mental, o grupo Vozes LGBTQIA+ tem como objetivo criar um espaço de escuta ativa para os alunos.

“O objetivo desse grupo é a psicoterapia para a população LGBT. É um espaço de escuta, de acolhimento, dos alunos compartilharem experiências, se ajudarem mutuamente, socializarem e entender que não são tão sós, que não são os únicos, que outras pessoas sofrem as mesmas coisas que eles, passam pelas mesmas dificuldades”, explicou Amora. 

O atendimento é realizado por profissionais da rede interna da UnB. Os encontros ocorrem às sextas-feiras, de 10h às 12h, no Caep (Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos). A inscrição é voluntária e pode ser feita através de formulário on-line. Clique aqui e acesse o link para se inscrever. 

“Pessoas LGBT vivenciam, principalmente na infância e adolescência um isolamento muito grande, afetivo relacional. Então, essas redes de coletivos, de movimentos sociais, de novos tipos de relação, são fundamentais para esse fortalecimento da autoestima, do pertencimento”, avaliou Natália Neiva, graduada em Psicologia pela UnB e mestranda em Educação na instituição. 

"Redes de coletivos, de movimento social, de novos tipos de relação são fundamentais para esse fortalecimento da autoestima, do pertencimento”, explicou Natália Neiva (foto) ao Campus | Fernanda Fonseca/Campus Multiplataforma

Neiva conduz uma pesquisa de mestrado sobre a qualidade da vivência dos estudantes LGBTQIA+ na Universidade de Brasília. Para a pesquisadora, a UnB pode ser tanto um espaço que facilita processos de emancipação e de fortalecimento, como pode ser um espaço que incide e produz violências. 

“A gente vem de casa com muitas histórias difíceis em relação à discriminação que vivemos, então, acho que a UnB tem como uma função social enquanto universidade pública fomentar outros tipos de práticas relacionais. Pautar essa discussão é muito importante”, disse.

Reivindicações 

Uma das reivindicações do movimento LGBTQIA+ na Universidade de Brasília é a criação de cotas de acesso à graduação e à pós-graduação para a população trans.

A UnB tem histórico de pioneirismo na implementação de ações afirmativas e foi a primeira instituição federal de ensino superior a adotar, em 2003, uma política de cotas raciais, como o Campus Multiplataforma mostrou nesta reportagem.

Só 0,02% das pessoas trans estão nas universidades, 72% não possuem o ensino médio completo e 56% não concluíram o ensino fundamental. Os dados são do projeto Além do Arco-Íris/Afro Reggae, publicados no dossiê "Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020", da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). 

“Sabemos que não é suficiente para a comunidade trans atualmente ter só as cotas sociais, porque a maioria das pessoas trans nem consegue sair do Ensino Médio”, explicou ao Campus Multiplataforma Evelynn Dragoste Rodrigues, diretora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Faculdade UnB Gama (FGA).

Evelynn Dragoste Rodrigues (foto), diretora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Faculdade UnB Gama (FGA) e defensora da implementação de cota trans da UnB | Fernanda Fonseca/Campus Multiplataforma

A UnB tem histórico de pioneirismo na implementação de ações afirmativas e foi a primeira instituição federal de ensino superior a adotar, em 2003, uma política de cotas raciais, como o Campus Multiplataforma mostrou nesta reportagem.

Além da democratização do acesso, o movimento também pleiteia ações afirmativas para a permanência de estudantes LGBTQIA+ na Universidade. Maktus Fabiano, estudante de História e membro do DCE propõe, por exemplo, criar vagas na Casa do Estudante (CEU) para integrantes da UnB da comunidade.

“A gente precisa falar, por exemplo, da criação de reservas de vagas na Casa do Estudante para pessoas LGBT que são expulsas de casa, de espaço de convivência em que as pessoas possam compartilhar suas vivências, possam fazer oficina de drag e promover a cultura LGBT dentro da Universidade”, defendeu. 

Maktus Fabiano (foto) propõe que a CEU seja um espaço de convivência onde estudantes LGBTQIA+ "possam compartilhar suas vivências, possam fazer oficina de drag e promover a cultura LGBT dentro da Universidade" | Fernanda Fonseca/Campus Multiplataforma

Em  maio deste ano, o Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ divulgou seu dossiê anual sobre os casos de violência contra a comunidade. O documento denunciou que, somente em 2022, foram registradas 273 mortes LGBT de forma violenta no país. Entre as mortes, 228 foram assassinatos, 30 suicídios e 15 outras causas. 

“O Brasil é um dos países que mais matam pessoas LGBT, é líder em suicídio de pessoas LGBT e ter esse tipo de política de permanência dentro da Universidade de Brasília é muito importante e fundamental”, disse Maktus Fabiano. 

Entre os casos de violência contra a comunidade LGBTQIA+, a população trans ainda é a mais vulnerabilizada. O grupo representou cerca de 58% dos casos registrados pelo Observatório em 2022. Foram 159 mortes, o que fez com que, pelo 14ª ano seguido, o Brasil fosse o país que mais mata pessoas trans do mundo. 

Nesse contexto de violências, uma outra reivindicação dos estudantes é a implantação dos banheiros sem gênero para a população trans, travesti e não-binária da universidade. 

“Nós já recebemos essa demanda há algum tempo e encaminhamos essa necessidade apresentada pelos estudantes para a Câmara de Direitos Humanos. A Câmara se posicionou favoravelmente, mas a Universidade teve muitas questões de coletivos que se apresentaram em contraponto a essa proposta”, explicou a coordenadora do núcleo LGBT da Secretaria de Direitos Humanos.

“A administração optou por aguardar para poder fazer uma discussão um pouco mais cautelosa. Mas a perspectiva é que a gente consiga fazer a implementação desses banheiros”, concluiu Salem.

A questão dos banheiros voltou a ser uma pauta reivindicada com frequência pelos alunos LGBTQIA+ depois que uma aluna trans foi expulsa do banheiro feminino do Restaurante Universitário (RU) em dezembro de 2022. 

Na época, o DCE, em conjunto com outros coletivos e entidades estudantis, organizou um ato contra a transfobia na UnB e em solidariedade à estudante. 

“Ainda é uma luta constante conseguir mobilizar institucionalmente a UnB para que se responsabilize pelos processos de violência que acontecem aqui dentro. É um movimento de a gente ocupar cada vez mais espaços e conseguir trazer cada vez mais pessoas para que possam vivenciar outros tipos de relação, que não sejam pautadas nessa inferiorização, na discriminação, na violência”, disse Natália Neiva. 

Dia do Orgulho

O Dia do Orgulho LGBTQIA+ é celebrado internacionalmente em 28 de junho. Durante todo o mês, são realizados mundialmente diversas paradas e eventos para aumentar a conscientização sobre a luta por direitos, respeito e visibilidade das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers, intersexuais e demais identidades que não se encaixam no padrão heterocisnormativo.

Esta reportagem foi editada por Isadora Albernaz