Amostras captadas pelo sistema ‘Peguei seu Nariz’ • 2023
Usando recursos de visão computacional, a instalação recebe imagens ao vivo do espaço expositivo e é capaz de detectar as faces e os narizes do público, registrando a região de interesse que é exibida na tela e armazenada pelo trabalho: o nariz de um visitante.
Enquanto experimento realizado no processo de pesquisa que derivou a dissertação ‘Entre Arte e Biometria: medidas para lidar com o indivíduo’ (orientada pela profª Drª. Silvia Laurentiz), o sistema ‘Peguei seu Nariz’ reproduz procedimentos biométricos amplamente implementados em recursos de segurança, vigilância e controle populacional. A instalação conta com um monitor e uma câmera acoplados a um microcomputador de placa única, responsável por interpretar e executar o programa deste trabalho.
Ao olhar para a tela de longe, um visitante deve conseguir identificar um nariz na imagem exibida e potencialmente associá-la a um outro visitante ali presente. No entanto, quanto mais o visitante se aproximar, mais difícil será o reconhecimento de um nariz, que de perto se desfaz em manchas de bordas quadradas. Depois de algum tempo, a tela passa a exibir as imagens recebidas pela câmera e tão logo o programa detecta uma face e passa a procurar pelo nariz daquele visitante que se aproximou.
Todo modelo de inteligência artificial deve passar por algum processo de treinamento para que possa ter conclusões a respeito de um novo dado recebido. O programa deste trabalho, tendo sido treinado a partir de uma coleção de narizes, produz para si mesmo um novo conjunto de dados para treinamento futuro, já que armazena todo nariz detectado nas imagens, podendo assim se especializar cada vez mais em detectar narizes de visitantes de museus.
De amostra em amostra, o sistema acumula um conjunto de dados que referencia o conjunto de visitantes daquele espaço. É pela comparação dos detalhes de cores e luminosidades daqueles grandes pixels exibidos na tela que o modelo treinado consegue ‘ver’ e ‘pegar’ o nariz do visitante. Ao contrário da capacidade humana de abstrair e completar detalhes, a visão computacional ‘vê’ de perto, em detalhes numéricos, concretos e estáveis. O universo biométrico trata esse tipo de conjunto de dados como potencial evidência de um indivíduo e estabelece estratégias para ligar um detalhe de um corpo ao registro desse corpo, o que passa a indicar o indivíduo ‘em si’ nesses sistemas. Se aproximando da brincadeira de ‘roubar’ o nariz de uma criança com a ponta dos dedos, ‘Peguei seu Nariz’, sem pedir permissão, se aproxima e se apropria da imagem daquele indivíduo que encara de frente a tela, expondo seu nariz como retrato de sua identidade.
Na atual situação de vigilância biométrica, na qual somos rastreados a partir de modelos e classificados em tipos, em que nossos corpos viram objetos detectados com trajetórias previsíveis e influenciáveis, os maiores problemas não são exatamente as precisões nas quais suas tecnologias operam, mas justamente o como operam, o que operam e a instrumentalização de um poder que deriva dessa capacidade. Ao procurarem por indivíduos, ou pelos seus narizes, procuram na verdade por objetos ideais, por modelos que explicam e exemplificam aos sistemas o que buscam no mundo. Enquanto implementar uma tecnologia é também implementar todos os conceitos carregados por ela, sabemos que não podemos nos envolver criticamente com a cultura biométrica, seus conceitos e seus procedimentos, se não estabelecermos táticas de visibilização deles: esperamos que seus grandes narizes se façam visíveis.
Bruna Mayer é artista visual e pesquisa relações entre arte, ciência e tecnologia. É mestranda do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGAV-ECA/USP) e, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Silvia Laurentiz, investiga as aproximações de procedimentos artísticos e biométricos. É bacharel em Artes Visuais com habilitação em Multimídia e Intermídia pelo Departamento de Artes Visuais da mesma instituição (CAP-ECA/USP). É membra do Grupo de Pesquisa Realidades, do Coletivo Bruthale e assistente de programação no Instituto de Tecnologia e Liderança (INTELI). Outras informações estão disponíveis em: bumayer.com • brunamayercosta@gmail.com